Loas ao caju, por Walnice Nogueira Galvão

Loas ao caju

por Walnice Nogueira Galvão

Fruta capitosa, o caju sintetiza sabores e perfumes inebriantes, originando uma gama imensa de guloseimas. Excelente para ser comido diretamente, sem cerimônia – mas cuidado com a nódoa, indelével -, também se metamorfoseia em doces, licores, sorvetes, até ceviches e risotos. A caipirinha de caju, de gosto requintado e talvez pecaminoso, é a rainha das caipirinhas. O caju é conhecido pela adstringência, ou travo, ou cica.

Os conquistadores portugueses instituíram uma política de Estado que fazia os produtos nativos brincarem de escravos-de-jó, transplantando-os entre as colônias.

Muita gente ficou desapontada quando soube que certas frutas, como a manga e o sapoti, encarnação da  brasilidade,  eram de fato estrangeiras, pois a manga foi importada da Malásia e o sapoti da Índia, onde tem até o mesmo nome. Em Lisboa há uma rua, ao Príncipe Real, no Bairro Alto, que toda primavera vê florescer o jacarandá-mimoso, ou jacarandá-paulista, cobrindo de roxo toda a extensão da rua.

O caju foi para Moçambique, onde fez sucesso, tornando-se recordista em exportações. Um giro pelos mercados do país patenteia lindos tecidos com padronagem de cajus – coisa que não se vê no Brasil.

Mia Couto não só o introduziu em sua obra, como elaborou metáforas e símiles que transformam o caju em símbolo de identidade, valorizando-o. Congressos universitários cotejam os cajus literários moçambicanos e  brasileiros,  

Corre por aí um documentário sobre um produtor de caju do Piauí que tem uma linha de 40 diferentes bebidas, indo desde a cachaça e o licor até a tradicional cajuína. Sem falar na imensa variedade de doces, que, como no caso do cupuaçu e da graviola, se beneficiam da extraordinária potência da concentração de sabores.

Fonte privilegiada de vitamina C, contendo por unidade 5 vezes mais que a laranja, os cronistas e viajantes falam muito do caju, nas descrições das maravilhas das novas terras descobertas. Os escravizados, ao chegarem ao Novo Mundo, eram deixados em bosques de cajueiros, sabendo seus algozes que a vitamina C (que ainda não conheciam) iria curar as doenças advindas dos maus tratos na travessia. A pior era o escorbuto, decorrente da carência de vitamina C. E os indígenas já faziam vinho de caju, cuja fabricação ensinaram aos colonizadores.

Bela experiência com cajus se vive em Porto de Galinhas (Pernambuco). O vilarejo fica no seio de uma gleba de caju nativo, que dá com abundância. Logo em seguida à  “chuva do caju”, ali por setembro, que marca o fim da estiagem ou estação seca, se dá a floração,  fundamental para a polinização e  fabricação do mel de caju pelas abelhas, seguida pela frutificação. Após a colheita, as casas ao longo do arruado fazem tachos de doce de caju, que fervem por horas para  fabricar a iguaria suprema, o caju-passa inteiro.  Quem palmilha o arruado, move-se no bojo de uma nuvem de perfumes que emana das casas.

Na literatura, aparece em lugar de honra sobretudo em José de Alencar, nativo da terra do caju que é o Ceará. Mas às vezes pervaga por outras paragens, como por exemplo em Guimarães Rosa. E em Macunaíma é tão importante que já rendeu  tese: As várias faces do Brasil: a imagem do caju em Macunaíma, de Jakeline Fernandes Cunha. Não se iludam pensando que a tese é simplória. Não é não. Ao contrário, é sofisticadíssima.

E ainda há o maturi, nome da castanha verde, que, tratada, serve de cogumelo em peixadas e guisados, ou então é preparada sozinha. Um ditado na Bahia afirma: “Melhor que moqueca de maturi!” Haja perícia em prepará-lo, porque a casca da castanha tem um óleo ácido, que pega fogo fácil e pode abrir feridas na pele. Quando se assam castanhas em fogo direto  sobre uma placa de metal, se não se estiver atento não sobra nenhuma, vira tudo carvão. Outro ditado adverte: “Quando você vem com o caju, já estou indo com a castanha assada.” Mas esse cogumelo do sertão é mesmo um quitute.

Difícil de achar, mas uma experiência obrigatória, pela beleza do fruto e pelo sabor, é o cajuí, que encantou Euclides da Cunha.  Como o nome indica, é uma miniatura do caju, e pode superá-lo em dulçor.

Dom dos ermos calcinados e ensolarados, o caju reina no sertão, na caatinga e no cerrado.

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

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