Dias atrás publiquei um Xadrez sobre o escandaloso processo de privatização da Eletrobras, no período Bolsonaro. E fiz críticas ao acordo obtido pela Advocacia Geral da União (AGU). Segundo as críticas, o acordo impediu o julgamento da privatização pelo STF, podendo desfazer os prejuízos para o Estado.
Ontem, tive uma longa conversa com Flávio Romano, da AGU, responsável pelas negociações da Eletrobras, a pedido do Ministro Jorge Messias. A avaliação da AGU é que, em um julgamento no STF, o Estado não conseguiria mais do que dois votos. A partir dessa constatação, tratou-se de conseguir o máximo de contrapartidas para a União, dentro das restrições apontadas no julgamento do STF.
Mesmo porque, a emissão de ações – que diluiu o controle da União – foi cercada de uma série de defesas para os investidores.
O processo de desestatização da Eletrobras, concluído em 2022, deixou a União em posição fragilizada, com 42% das ações mas sem poder proporcional de decisão.
O problema herdado
“Todos concordam que o processo de desestatização foi prejudicial para a União”, afirmou Romano durante o encontro. O modelo adotado na privatização gerou uma situação inusitada: o governo manteve participação significativa (42% do capital), mas com limitações severas no poder de voto e nas decisões corporativas.
A estratégia do acordo judicial ajuizado foi compensar essas perdas não através da recuperação direta de direitos de voto nas assembleias, mas ampliando a presença governamental no Conselho de Administração, onde as decisões são debatidas antes de serem levadas à votação.
Três cadeiras no conselho
O acordo garantiu ao governo três cadeiras no Conselho de Administração da Eletrobras, que possui 10 membros. Com isso, a representatividade governamental alcança cerca de 30% do colegiado.
“As decisões mais relevantes são debatidas no Conselho antes de irem para a Assembleia. É lá que se constrói o consenso”, explicou Romano. Embora não garanta maioria, a presença ampliada permite ao governo participar ativamente das discussões estratégicas da empresa.
Solução para Angra 1 e 3
Um dos pontos mais urgentes do acordo envolve os investimentos nas usinas nucleares. A privatização criou um impasse: a Eletrobras era apenas garantidora de operações futuras de Angra 3 (obra incerta e de alto risco), enquanto Angra 1 necessitava de recursos imediatos para manter sua operação.
A solução estruturada prevê que a Eletrobras investirá R$ 2,4 bilhões diretamente em Angra 1, através de debêntures emitidas pela Eletronuclear. Os recursos são considerados urgentes para a continuidade operacional da usina.
Caso Angra 3 avance no futuro, o empréstimo atual poderá ser convertido em participação societária (equity), tornando-se investimento direto da Eletrobras na Eletronuclear.
“É uma solução estratégica que garante recursos imediatos para Angra 1 e recupera a participação prática do governo na Eletronuclear”, avaliou o procurador, ressaltando a urgência da homologação do acordo.
Venda de ações e dividendos
Romano também esclareceu questões sobre a venda de ações da União. O acordo com a JIF (grupo JBS), anunciado em outubro de 2025, foi concluído após os acertos estabelecidos em março e abril. A União nunca esteve legalmente impedida de vender sua participação restante, mas o acordo incluiu cláusula de não objeção que facilitou a operação.
Quanto aos dividendos, o procurador desmentiu especulações sobre perdas financeiras: “Os dividendos não foram reduzidos; ao contrário, o valor recebido aumentou desde a privatização. A limitação de poder de voto não interfere no recebimento de lucros proporcionais ao capital detido.”
Perdas irreversíveis
Apesar dos avanços do acordo, Romano reconheceu perdas irreversíveis com a privatização. “A função pública e o controle tarifário foram perdidos”, afirmou. Hoje, questões tarifárias e problemas de fornecimento recaem sobre o regulador (Ministério de Minas e Energia e Aneel), não mais sobre o controle direto do governo.
O procurador defendeu que, dado o marco legal herdado do governo anterior, o acordo alcançou “a maior vantagem possível” para a União, reestabelecendo parcialmente a capacidade de influência na companhia.
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