A corajosa posição do Brasil contra Trump
Sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil optou por reafirmar seu compromisso com o Estado de Direito, mesmo com os Estados Unidos aparentemente renunciando à sua própria Constituição. Espera-se que outros líderes políticos demonstrem coragem semelhante diante da intimidação do país mais poderoso do mundo.
Joseph E. Stiglitz, em Project Syndicate
NOVA YORK – Durante décadas, os Estados Unidos foram os campeões da democracia, do Estado de Direito e dos direitos humanos. É claro que havia discrepâncias gritantes entre a retórica e a realidade: durante a Guerra Fria, os EUA derrubaram governos democraticamente eleitos na Grécia, no Irã, no Chile e em outros lugares em nome da derrota do comunismo. Internamente, os EUA travavam uma batalha para defender os direitos civis dos afro-americanos um século após o fim da escravidão. Mais recentemente, a Suprema Corte dos EUA agiu agressivamente para restringir os esforços para retificar os legados da longa história de discriminação racial.
Mas, embora os EUA muitas vezes tenham falhado em praticar o que pregavam, agora não fazem nem uma coisa nem outra. O presidente Donald Trump e o Partido Republicano cuidaram disso.
Em seu primeiro mandato, o desprezo de Trump pelo Estado de Direito culminou em sua tentativa de anular o princípio mais importante da democracia: a transição pacífica do poder.
Ele alegou – e ainda insiste – que venceu as eleições de 2020, apesar de Joe Biden ter recebido cerca de sete milhões de votos a mais e de dezenas de tribunais terem decidido que não houve irregularidades eleitorais significativas.
Quem conhece Trump pode não ter ficado surpreso; a grande surpresa foi que cerca de 70% dos republicanos acreditam que a eleição foi fraudada. Muitos americanos – incluindo a maioria de um dos dois principais partidos – caíram na armadilha das teorias da conspiração absurdas e da desinformação.
Para muitos apoiadores de Trump, a democracia e o Estado de Direito são menos importantes do que a preservação do estilo de vida americano, o que, na prática, significa garantir a dominação dos homens brancos às custas de todos os outros.
Para o bem e para o mal, os Estados Unidos há muito servem de modelo a ser seguido. E, infelizmente, há demagogos ao redor do mundo mais do que dispostos a adotar a fórmula de Trump de atropelar as instituições democráticas e repudiar os valores que as sustentam.
Um exemplo proeminente é o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que chegou a tentar imitar o ataque ao Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021 para impedir a eleição de Biden. A tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, foi maior do que o ataque ao Capitólio, mas as instituições brasileiras se mantiveram firmes – e agora exigem que Bolsonaro seja responsabilizado.
Enquanto isso, os EUA têm caminhado na direção oposta desde o retorno de Trump à Casa Branca em janeiro. Mais uma vez, Trump deixou claro que adora tarifas e abomina o Estado de Direito – violando inclusive o acordo comercial que firmou com o México e o Canadá em seu primeiro mandato.
E agora, ignorando a Constituição americana, que dá ao Congresso a autoridade exclusiva para impor impostos – e tarifas são apenas um imposto específico sobre importações de bens e serviços –, ele ameaçou impor uma tarifa de 50% ao Brasil, a menos que o país impeça o processo contra Bolsonaro.
Aqui estava Trump violando o Estado de Direito ao insistir que o Brasil, que aderiu a todas as restrições do devido processo legal ao processar Bolsonaro, fizesse o mesmo.
O Congresso nunca promulgou tarifas como instrumento para induzir os países a obedecerem aos ditames políticos de um presidente, e Trump não poderia citar nenhuma lei que lhe desse sequer uma desculpa para suas ações inconstitucionais.
O que o Brasil está fazendo contrasta fortemente com o que aconteceu nos EUA. Embora o processo legal tenha avançado lenta, mas criteriosamente, para responsabilizar aqueles que participaram da insurreição de 6 de janeiro, imediatamente após sua segunda posse, Trump usou o poder de perdão do presidente para perdoar todos os que haviam sido devidamente condenados – mesmo os mais violentos. Cumplicidade em um ataque que deixou cinco mortos e mais de 100 policiais feridos não foi crime.
Assim como a China, o Brasil se recusou a se submeter à intimidação americana. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou a ameaça de Trump de “chantagem inaceitável”, acrescentando: “Nenhum estrangeiro vai dar ordens a este presidente”.
Lula defendeu a soberania de seu país não apenas no âmbito comercial, mas também na regulamentação das plataformas tecnológicas controladas pelos EUA. Os oligarcas da tecnologia dos EUA usam seu dinheiro e influência em todo o mundo para tentar forçar os países a lhes darem carta branca para perseguir suas estratégias de maximização de lucro, o que inevitavelmente causa enormes prejuízos, inclusive servindo como um canal de desinformação e informação enganosa.
Assim como nas eleições recentes no Canadá e na Austrália, Lula recebeu um “impulso Trump” no apoio nacional, à medida que os brasileiros recuavam diante do governo americano e se uniam a ele. Mas não foi isso que motivou Lula a assumir sua posição. Foi uma crença genuína no direito do Brasil de perseguir suas próprias políticas sem interferência estrangeira.
Sob a liderança de Lula, o Brasil optou por reafirmar seu compromisso com o Estado de Direito e a democracia, mesmo com os Estados Unidos aparentemente renunciando à sua própria Constituição.
Espera-se que outros líderes de países grandes e pequenos demonstrem coragem semelhante diante da intimidação do país mais poderoso do mundo. Trump minou a democracia e o Estado de Direito nos EUA – talvez de forma irreparável. Não se deve permitir que ele faça o mesmo em outros lugares.
Joseph E. Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia e Professor Universitário na Universidade de Columbia, é ex-economista-chefe do Banco Mundial (1997-2000), ex-presidente do Conselho de Assessores Econômicos do Presidente dos EUA, ex-copresidente da Comissão de Alto Nível sobre Preços de Carbono e principal autor da Avaliação Climática do IPCC de 1995. Ele é copresidente da Comissão Independente para a Reforma da Tributação Corporativa Internacional e autor, mais recentemente, de The Road to Freedom: Economics and the Good Society (W. W. Norton & Company, Allen Lane, 2024).