Líderes mundiais reúnem-se em Washington com FMI e Banco Mundial sob clima de pressão e desconstrução
por Maria Luiza Falcão Silva
Líderes econômicos globais estão reunidos em Washington DC, esta semana, para as reuniões da primavera do Fundo Monetário Internacional e do Grupo Banco Mundial. A última reunião ocorreu no ano passado, também em Washington, entre 21 e 26 de outubro. Foi o ano de comemoração do 80º aniversário das Instituições de Bretton Woods, um importante marco na história da governança econômica mundial. Bretton Woods levou ao estabelecimento de três instituições globais: o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial do Comercio, num primeiro momento como GATT -Acordo Geral em Tarifas e Comércio – que mais tarde se tornaria a Organização Mundial do Comércio (OMC). Foi um acordo multilateral de comércio internacional criado nos pós Segunda Grande Guerra Mundial, em 1947, para promover a liberalização do comércio entre nações. O GATT foi o precursor da OMC, que o substituiu em 1995.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Grupo Banco Mundial – composto por cinco instituições entre elas o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) organizam duas reuniões anualmente: as reuniões do outono e as reuniões da primavera. São eventos globais que congregam muitos líderes e especialistas mundiais, incluindo presidentes de bancos centrais, ministros das finanças, executivos do setor privado e representantes da sociedade civil, mídia e academia entre outros.
As pautas recentes desses encontros têm incluído questões de interesse global como as perspectivas para a economia mundial, a estabilidade financeira internacional, desenvolvimento econômico e tópicos como erradicação da pobreza, crescimento inclusivo, criação de empregos e mudanças climáticas, entre outros. A eficácia das políticas de financiamento de programas e projetos do FMI e do Banco Mundial junto aos diferentes países são, também, examinadas. As reuniões ocorrem na sede do Banco Mundial e do FMI, em Washington DC, por dois anos consecutivos e, a cada três anos, em algum outro país membro.
É o primeiro encontro após a posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, em 20 de janeiro de 2025. E por conseguinte depois do “Dia da Libertação” popularmente apelidado “Dia do Tarifaço de Trump”.
Líderes mundiais que chegaram aos Estados Unidos nesta semana encontraram um ambiente radicalmente diferente daquele que prevaleceu durante o mesmo fórum no outono passado. O sistema de governança global baseado em regras do pós-Segunda Guerra Mundial, celebrado na reunião de outubro de 2024, pelo seu aniversário de 80 anos, está se desmoronando.
Debates recentes sobre as possibilidades da economia mundial no que se refere a política industrial, crescimento, combate a pobreza e equacionamento de déficits fiscais, em ascensão em grande parte das economias participantes, foram substituídos pela ansiedade em relação à guerra comercial do presidente Trump, pelo ressurgimento dos temores de inflação e por novas preocupações com a perspectiva de uma recessão global.
O último Panorama Econômico Mundial do FMI projeta que a produção global cairá de 3,3% em 2024 para 2,8% neste ano.
As próprias instituições multilaterais que sediam as reuniões e que recebem financiamento dos Estados Unidos, também estão sob crescente pressão para provar sua relevância para o governo do poderosoTrump, evitando confrontos que possam levar o presidente norte-americano a se retirar completamente delas.
Na semana passada, Kristalina Georgieva, diretora-geral do FMI, afirmou que as ações comerciais de Trump estavam prejudicando a economia mundial e sinalizou que o FMI reduziria suas projeções de crescimento e aumentaria suas projeções de inflação tendo em vista o impacto das tarifas sobre os próprios Estados Unidos. O FMI prevê que a produção americana desacelerá para 1,8% em 2025, ante 2,8% no ano passado. Estima-se que o tarifaço vai custar a cada família americana algo em torno de US$ 2000 anuais em média.
Para o FMI, o tarifação vai derrubar o Produto Interno Bruto (PIB) em grande parte das economias no Mundo em um contexto de mais inflação. Estejamos atentos a essas novas projeções.
O Presidente Lula fica muito irritado com previsões para o Brasil. Contou recentemente que a diretora-geral do FMI afirmou, em uma viagem por ocasião da Cúpula do G7, em maio de 2023, no Japão, que a economia brasileira cresceria em torno de 0,8%. A reação de Lula foi inusitada e ‘pisou na bola’ com o movimento feminista: “como essa mulherzinha podia dizer isso. Você nem me conhece, eu não te conheço, sabe? Como você fala que o Brasil vai crescer 0,8%”? E a resposta veio no final do ano, o Brasil cresceu 3,2%”, contou Lula.
Imperdoável a forma machista como Lula verbalizou a história entre ele e Georgieva, mas a sua rejeição ao FMI reflete a opinião de países em desenvolvimento que viveram crises inflacionárias e de dívida externa e tiverem que recorrer ao FMI no século passado. A austeridade fiscal era uma das principais recomendações do FMI para concessão de socorro aos países endividados. As medidas eram tão austeras que sufocavam as economias desses países, em geral emergentes. O Brasil recorreu ao FMI diversas vezes: em 1982, durante uma crise de dívida externa, e voltou a fazê-lo em 1998, 2001 e 2002, no âmbito de programas de estabilização de inflação e ajuste fiscal. O país também se tornou credor do FMI em 2009, no segundo governo do presidente Lula, emprestando dinheiro ao fundo para ajudar países em desenvolvimento. Mas, ainda soam nos nossos ouvidos os gritos de “abaixo o FMI”. Até hoje muitas de nossas Instituições, inclusive o Banco Central, estão presas ao passado e defendem ideias ultrapassadas de austeridade fiscal e taxa de juros altas para controle de processos inflacionários, mesmo quando a inflação é de oferta e não de demanda.
O próprio FMI tem evoluído nas suas recomendações e políticas, reconhecendo a necessidade de adaptar-se às mudanças no cenário econômico e social das economias domésticas. Embora, tenha sido criticado por promover políticas de austeridade no passado, um artigo da El País Brasil aponta que o FMI agora reconhece a importância do gasto social e da atenção aos problemas sociais para evitar o descontentamento popular e garantir a estabilidade econômica. O FMI passou a admitir que o gasto social é crucial para o crescimento econômico sustentável e a redução da pobreza. A austeridade pode ter consequências sociais e econômicas negativas, especialmente em períodos de crise.
Nesse sentido, o FMI tem reconhecido a importância de abordar questões como desigualdade, pobreza e clima. Embora, sem dúvida, a austeridade fiscal ainda seja uma questão relevante em suas análises, o FMI tem se mostrado mais flexível e adaptável às necessidades dos países membros do que muitos bancos centrais, conhecidos por todos nós.
O Banco Mundial está numa situação mais delicada e complexa do que o FMI. Tradicionalmente, os países europeus ‘recomendam” o diretor-geral do FMI e os Estados Unidos o chefe do Banco, na condição de seu maior acionista. Se tentarem se retirar a exemplo do que já fizeram com a Usaid, isso reduzirá substancialmente o poder e a influência do Banco. O atual presidente, Ajay Banga, foi uma escolha do governo Biden, em 2023, após David Malpass, indicado por Trump em seu primeiro mandato, ter renunciado antecipadamente.
O Banco Mundial em sintonia com o governo de Biden, passou a considerar de forma mais contundente iniciativas de combate às mudanças climáticas, tópico que o governo Trump encara com profundo ceticismo e desprezo. Ao assumir a liderança do Banco, o Sr. Banga se comprometeu a canalizar 45% dos fundos do organismo para projetos relacionados ao clima, um aumento de 10 pontos percentuais em relação ao seu antecessor.
Alan Rappeport, repórter de política econômica do The New York Times aponta em seu artigo de terça-feira (22 de abril), para as concessões que estão sendo feitas para que o Banco Mundial possa sobreviver aos desmandos de Trump e a suas chantagens para intimidar as instituições multilaterais que dependem de dinheiro público para realizar suas ações.
Alan reporta que em uma carta ao Sr. Trump em janeiro de 2025, antes de sua posse, o Sr. Banga não fez menção a iniciativas climáticas, enfatizou sua experiência no setor privado ressaltando a importância de “impulsionar a eficiência” e advogando que a melhor abordagem para o desenvolvimento é a criação de empregos.
O tom da carta atraiu críticas de alguns veteranos do Banco Mundial que sugeriram que o Sr. Banga estava adaptando a missão do banco para agradar o novo governo dos EUA. “Acho que há uma espécie de desconexão entre o que o banco representa, que é acabar com a pobreza e expandir a prosperidade compartilhada em um planeta vivo, e a mensagem de empregos, empregos, empregos”, disse Paul Cadario, ex-gerente sênior do Banco Mundial. “Acho que ele acha que isso conquista a simpatia do governo Trump.”
O Banco Mundial também está comprometido em promover a diversidade, a equidade e a inclusão — às quais o governo Trump se opõe — em seu trabalho político. “Maior equidade de gênero e racial, melhores formas de atender funcionários com deficiência e maior apoio aos funcionários LGBT+ estão entre nossas principais prioridades”, escreveu o Sr. Banga em um relatório de 2022-23 sobre DEI. Executivo financeiro, o Sr. Banga buscou adotar uma abordagem pragmática que pudesse agradar à sensibilidade do Trump. Ele disse ao The New York Times, este ano, que não era um “evangelista do clima” e que só queria fazer as coisas acontecerem.
Tudo isso reflete no clima de insegurança que Trump vem criando desde a sua posse em janeiro. Seu comportamento é de destruição do multilateralismo e construção de uma “nova desordem unilateral” sob seu poder e comando supremo. O mesmo medo se espalha pelas Universidades norte-americanas, que têm sua liberdade acadêmica contestada, e pelas inúmeras outras Instituições do Sistema ONU que se sentem ameaçadas. Na maioria dependem de dinheiro público para seu funcionamento pleno. Nos resta prestar atenção a vozes como de David Brooks, também colunista do The New York Times, que em sua coluna de 17 de abril alerta que “até agora, cada setor atacado por Trump respondeu de forma independente — os escritórios de advocacia buscam se proteger, as universidades, separadamente, tentam fazer o mesmo. Um grupo de escritórios se uniu em apoio à Perkins Coie, mas em outros casos são escritórios de advocacia individuais tentando garantir sua paz com Trump. Harvard finalmente traçou um limite , mas Columbia fechou um acordo . Esta é uma estratégia desastrosa que garante que Trump pisoteará uma vítima após a outra. Ele divide e conquista, afirma o jornalista.
Maria Luiza Falcão Silva é economista (UFBa), MSc pela Universidade de Wisconsin – Madison; PhD pela Universidade de Heriot-Watt, Escócia. É pesquisadora nas áreas de economia internacional, economia monetária e financeira e desenvolvimento. É membro da ABED. Integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange-Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies: Recent experiences of selected developing Latin American economies, Ashgate, England/USA.
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