Como era esperado, a extrema-direita venceu o 1º turno das eleições legislativas na França. O Reunião Nacional, de Marine Le Pen, conquistou 33% dos votos, confirmando não apenas as projeções mais recentes como também sua curva de crescimento eleitoral desde que ela foi para o 2º turno presidencial pela primeira vez, em 2017. Outra confirmação que saiu das urnas foi a derrota do atual presidente, Emanuel Macron (pela coalizão Juntos), que caiu para o terceiro lugar, com 21% dos votos.
A grande novidade foi a Nova Frente Popular, com 28% dos votos. A união de partidos de esquerda foi capaz de reverter um quadro de defensiva do campo popular desde o péssimo governo socialista de François Hollande (2012-2017). A NFP não apenas assumiu o protagonismo da polarização contra o fascismo como foi capaz de promover uma mobilização cidadã em defesa da democracia que culminou em um comparecimento eleitoral recorde, de 65,8%, o maior do século XXI.
E, mais importante ainda, é que a esquerda pode sim crescer e derrotar a extrema-direita no 2º turno das eleições legislativas, que ocorrerão em 7 de julho.
São duas as principais razões para esse cenário de esperança. Primeiro, a unidade formal entre os partidos de esquerda. Esse tipo de frente potencializa o alcance eleitoral da esquerda, em contraste com a dispersão decorrente de várias candidaturas. A razão para isso é bastante clara: quando há várias candidaturas, os partidos de esquerda desperdiçam energia competindo entre si pelo eleitorado que já lhes é fiel, geralmente entre 20% e 25% dos votantes. Com uma candidatura unificada, esses 20% a 25% se tornam a base inicial, permitindo à coalizão focar em estratégias para conquistar eleitores indecisos, independentes ou de centro.
É aí que entra o segundo elemento: o programa. Com unidade, é possível apresentar uma plataforma que destaca as qualidades defendidas por cada setor da esquerda em um projeto nacional unificado. Quando há divisão, contudo, cada partido fica restrito às suas diferenças em relação aos demais partidos de esquerda, dificultando a criação de um caminho abrangente.
O programa da NFP propôs a taxação dos super ricos para financiar uma nova rede de proteção social e aumentar o salário mínimo, rompendo com o neoliberalismo dominante na política francesa desde Chirac. A NFP também defende a paz e a solidariedade, um mundo multipolar, direitos para imigrantes, reconhecimento da crise climática, investimentos em uma transição energética justa e uma negociação global sobre o clima.
Foi esse programa consistente que impulsionou o crescimento da NFP e alçou a esquerda à posição de líder de uma frente democrática antifascista. E é justamente essa plataforma que vem sendo usada pelos macronistas e outros setores da direita como fator de resistência para declarar apoio às candidaturas de esquerda no 2º turno.
O mais importante a se destacar é que a maioria dos assentos do parlamento francês serão decididos em um segundo turno, no dia 7 de julho. Trata-se de uma eleição majoritária distrital – ou seja, o país é dividido em 577 distritos e o candidato mais votado leva a vaga no parlamento. Ocorre que o 2º turno pode ser disputado por três ou mais candidaturas, basta que tenham alcançado pelo menos 12,5% dos votos. E é aí que as alianças ganham força, pois se um partido retira seu nome que está em terceiro em favor de um nome que está em segundo, essa aliança tende a levar a vaga.
A RN lidera em 297 distritos, com a NFP em 159 e Macron em 70. No momento, o que temos é um total de 39 cadeiras conquistadas por Le Pen e 32 obtidas pela NFP, e apenas 2 de Macron. Em outras palavras, uma frente ampla democrática pode derrotar Le Pen e impedir que a extrema-direita tenha maioria no parlamento francês.
A NFP já anunciou que seus candidatos em terceiro lugar abandonarão a disputa em favor dos apoiadores de Macron nos distritos em que eles tiverem mais chances de vencer. O atual presidente deu declarações vagas, defendendo a unidade de “democratas” sem declarar apoio à NFP. Já o atual primeiro-ministro, Gabriel Attal, do partido de Macron, se posicionou de modo firme em defesa de uma aliança com a esquerda. A direita tradicional provavelmente apoiará Marine Le Pen, embora seja possível que seu eleitorado, cada vez mais reduzido, não siga essa orientação, optando por nem ir votar.
Ainda no domingo, após a votações, a NFP ocupou as ruas das principais cidades do país em uma mobilização. Será uma semana será de intenso trabalho para convencer tanto as lideranças macronistas, incluindo o próprio presidente, quanto seu eleitorado, de que é necessário derrotar Le Pen agora para impedir sua vitória nas eleições presidenciais de 2027, nas quais ela lidera em todas as pesquisas.
Caso a esquerda consiga impedir a RN de obter maioria parlamentar, a NFP terá o direito de indicar o novo primeiro-ministro e colocar parte do seu programa em prática. É, sem dúvida, o cenário menos provável hoje e será extremamente desafiador. Independente do resultado, a unidade e a mobilização geradas já tornam a NFP vitoriosa e criam a esperança para uma vitória em 2027, que pode contribuir com um ciclo global de superação do neoliberalismo e derrota definitiva da extrema-direita no mundo.