Por João Silva
Ricardo Silva é notícia até quando seu sucesso é um fracasso, como aconteceu agora em Lisboa. O presidente do Banco Central falou para menos de 30 pessoas no Fórum Jurídico promovido pela universidade de Gilmar Mendes.
Seu colega Gustavo Franco, que ocupou a mesma função no Banco Central no final dos anos 90, lotou em abril último o auditório da PUC, em outro fórum, o da Liberdade, em Porto Alegre.
O homem no centro da crise cambial de 1999, mandado embora do BC por incompetência, deu lições aos amigos liberais sobre como prosperar combatendo o que definiu como “terraplanismo econômico” dos governos do PT. Franco foi aplaudido demoradamente.
É como se Luiz Felipe Scolari, o técnico que tomou 7 a 1 da Alemanha na Copa de 2014, no maior fiasco da história de Seleção brasileira, oferecesse hoje suas lições de eficiência criticando os alemães.
Franco saiu do BC sem saber o que fazer com o câmbio e os juros e deixou as reservas cambiais no segundo governo Fernando Henrique Cardoso raspadas em pouco mais de US$ 20 bilhões.
Os governos do PT foram encerrados à força com o golpe de 2016 contra Dilma Rousseff, mas formaram reservas de US$ 380 bilhões. O liberal Gustavo Franco promoveu fuga de capitais e disseminou o terror. Os esquerdistas Lula e Dilma fortaleceram a moeda e atraíram a confiança externa.
Ricardo Silva poderá falar, em futuros Fóruns da Liberdade, sobre como amordaçou um governo eleito impondo sua autonomia de bolsonarista infiltrado como presidente do BC.
O chefe nomeado do que antes era apenas uma autarquia, mas agora age sob a proteção de um mandato estável de quatro anos, poderá contar, como Gustavo Franco conta com suas versões ao avesso, como impôs ao Brasil o maior juro real do mundo. Em nome da preservação do que eles chamam de fundamentos da economia.
Silva poderá dizer em suas palestras como um dia comparou situações incomparáveis, como essas que os jornalões publicaram com o que teria sido uma tentativa de atacar o diretor do BC Gabriel Galípolo, seu provável sucessor no comando do banco.
Para cutucar o diretor de política monetária indicado por Lula, Silva disse em entrevista ao jornal Valor Econômico, ao ser questionado sobre os seus encontros com políticos da extrema direita:
“A próxima pessoa que sentar na minha cadeira provavelmente vai a eventos do governo (referindo-se a Galípolo). O que tem que ser cobrado dele não é se ele vai estar num evento do governo, se ele vai estar numa festa na casa de uma pessoa que seja muito de esquerda. O que deve ser cobrado é qual foi a decisão que tomou”.
Silva tentou criar uma equivalência entre presumidas conversas de um diretor do BC com os gestores eleitos do país e as conversas dele, Silva, com líderes do bolsonarismo.
Como se citasse relações de guardiões da Amazônia, em quaisquer instituições de Estado, com grupos interessados em preservar a floresta, e ao mesmo tempo tentasse compará-los com agentes do mesmo Estado que jantam com desmatadores, grileiros e garimpeiros. E sabe-se que jantavam mesmo.
Silva não consegue esconder que a turma dele é o mercado financeiro acumpliciado com facções do bolsonarismo. Mas o mercado cuida das suas coisas, e não dos interesses do país. O mercado não tem voto. Não submeteu programa de governo ao escrutínio popular. Mercado não tem prerrogativas para governar, ou não deveria ter.
O encontro de um integrante do BC com alguém do governo não tem nada de equivalente a um jantar do presidente do BC com grupos políticos bolsonaristas encarregados de sabotar o governo.
O presidente do BC vem amplificando sua fala em defesa da austeridade e tem desenvolvido teses de prova de Enem sobre responsabilidade fiscal, estabilidade e confiança.
Mas acham normal que não pare de falar. O considerado anormal é Lula dizer que não fará arrocho em cima do lombo do povo e que tem gente ganhando dinheiro com dólar.
É normal que um sujeito sem programa de governo, sem mandato e sem os direitos e as obrigações de governante fale como se estivesse governando o país. E o anormal passou a ser a voz de um presidente da República tentando impor suas ações e ideias a partir do que prometeu e do que precisa fazer. Essa é a normalidade brasileira.
Investindo ou não na carreira política ao lado do bolsonarismo, Silva nem precisa perguntar a Gustavo Franco (que virou um mero perdedor palpiteiro) como um sujeito fracassado na missão de proteger a moeda consegue lotar um auditório. É só continuar fazendo o que já faz para impedir que Lula governe.