Encontro meu velho amigo e compadre Gutemberg, o Baiano, conhecido de toda a boemia paulistana desde os anos 70. Baiano faz ponta em um bar da rua Pamplona onde, aos sábados e domingos, reúne amigos para falar de música, de São Paulo antigo e das histórias da boemia. Temos 50 anos de amizade. Fui padrinho de casamento dele e de batismo de sua filha. 

As histórias são muitas. 

Uma delas foi quando enfrentei o então consultor-geral da República, Saulo Ramos. Os amigos jornalistas – liderados por Melchiades, um colega do Estadão – resolveram organizar um jantar em solidariedade, no Bar Avenida, na rua Pedroso. E Baiano aparece por lá levando pelas mãos Chico Buarque. 

Tempos depois, Décio Tozzi – irmão do artista plástico Cláudio Tozzi, da nossa turma – usou o Baiano de intermediário para um pacto com Saulo. O recado que recebi era que Saulo também era boêmio e adorava música. E não ficava bem dois amantes da música brigando.

Com toda consideração pelo Baiano, recusei a proposta.

Quando conheci Baiano, no Bar do Alemão, foi um dos boêmios que me abriu as portas da boemia paulistana. E não foi fácil. Baiano tinha sido da Marinha. Mais que isso, do Cenimar. Mas era amigo de Chico, de seu pai Sérgio Buarque de Holanda, e da família inteira, de Paulo Vanzolini. E de muitos músicos, especialmente do Rio de Janeiro, que transformaram o Alemão em ponto de encontro, quando apareciam por aqui. 

Lembramos da última noite de Clara Nunes no Alemão, na qual ela ficou até 5 da manhã aguentando os bebuns – entre os quais o próprio Baiano que, em determinado momento, ousou ordenar à deusa que ficasse quieta, e só recuou depois de uma bronca de seu compadre aqui. 

Ou do sarau em casa, com Rafael Rabello, Charles da Flauta, Luizinho 7 Cordas, o vocal Garganta Profunda e, depois, vários parentes de Rafael. 

Na época, minha então esposa viajou e eu estava só, com minha então caçula, a Luizinha. Para garantir o sarau, pedi e minhas irmãs fizeram um caldeirão de quirera com costelinha de porco – o prato predileto dos saraus. 

Mas houve uma invasão sem precedentes. Em determinado momento, apareceu o Comandante Rolim, da TAM– que eu encontrara na noite anterior no show de Rafael – trazendo o empreiteiro Olacir Moraes, de braços dados com uma miss Brasil. 

A comida acabou. Em determinado momento, alguém flagrou Olacir abrindo a geladeira e olhando, com ar desolado, o cenário vazio. 

De repente, Luizinha apareceu com comida, umas bolachas. Veio me mostrar, toda orgulhosa, depois de servir os mais famintos. Perguntei que bolacha era aquela, e ela me explicou que era a comida da Fifi. Fifi era nossa cachorra. 

Mas foi apenas um dos eventos que Baiano participou. Devo a ele ter levado para um sarau em casa o filho de Marçal, da dupla Bide e Marçal. Ou uma noitada inesquecível com Canhoto da Paraíba, que só terminou quando, já de manhã, precisei sair correndo para pegar um avião para Porto Alegre, para palestrar à tarde. 

A conversa passou também pela família de Baiano, pelo avô, um médico de Lagoinha, na Bahia, que ajudou a criar o grande compositor Assis Valente. 

E, relembramos alguns episódios curiosos do Alemão. Como o incidente envolvendo o caixa da Caixa Econômica Estadual, bom violonista, mas que tinha dois péssimos hábitos: o primeiro, de tentar desqualificar Baden Powell; o segundo, de cutucar as pernas das moças por debaixo da mesa. 

Sua carreira acabou quando tentou beliscar as pernas de Tânia Leite, esposa de Serginho Leite, nosso 7 cordas. Tânia colocou a perna em cima da mesa, pegou na mão do atarantado bancário, colocou na sua perna e ordenou: 

  • Quer pegar? Pega, mas na frente de todo mundo. 

Nunca mais o indigitado voltou ao Alemão, nem para falar mal de Baden, nem para pegar nas pernas das moças. 

Não podíamos esquecer o Negão Almeida, campeão de arremesso de peso da divisão sênior do São Paulo. Um dia estávamos na mesa 8, da diretoria, tocando, quando um pipoqueiro bêbado estacionou seu carrinho na frente do bar e começou a urinar na porta. 

O Negão imediatamente saiu em defesa das moças e ordenou que ele parasse. Ele olhou Almeida com olhar vago e mirou o jato nos seus pés, obrigando o Negão a pular de um lado para o outro. Quando acabou a urina do pipoqueiro, o Negão pegou o carrinho e arremessou para o meio da rua. Tive que colocar o Negão no meu carro e sumir dali, antes que aparecesse a caminhonete da Garra atrás dele. 

Não foi o único episódio protagonizado pelo Negão. Certa vez Nelson Cavaquinho apareceu no bar, bebeu todas. Aí a então namorada do Eduardo Gudin foi levá-lo à rodoviária, ainda na praça Júlio Prestes. O carro encrencou em pleno Minhocão. Ele foi a um orelhão e ligou para o bar, atrás de alguém que se dispusesse a completar a carona. 

O Negão se apresentou na hora e foi com sua banheira pegar o Nelson. Entre o Minhocão e a Rodoviária, recebeu a proposta irrecusável: 

  • Você é meu afilhado. Vamos comigo para o Rio que  vou fazer uma buchada e convidar a Velha Guarda da Mangueira. 

Negão nem piscou. Parou o carro, comprou uma passagem e foi para o Rio com Nelson. Até Volta Redonda, Nelson dormiu no seu ombro. Em Volta Redonda, acordou, bocejou, olhou para o Negão e perguntou: 

  • Quem é você? 

Almeida chegou no Rio e comprou a passagem de volta para São Paulo. 

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Last Update: 10/08/2025