Por Lelê Teles*

a primeira vez que vi um bebê reborn foi em uma vitrine de sex shop, ainda na adolescência.

era uma boneca inflável.

confesso que tive medo, foi como ver o boneco do chuck numa loja de brinquedos.

a boneca me parecia assustada: a boca aberta, em estado de pânico, os olhos desesperadamente esbugalhados.

ela parecia saber que seria vendida como brinquedo de adulto e que não a tratariam como brinquedo, mas como se humana fosse.

a machulência usa bebês reborn há muito tempo e você sempre soube disso, seu cretino.

o diabo é que essa aberrante parafilia masculina é normalizada, o homem desfruta do status de puer aerternum, eternamente.

qualquer loucura masculina é vista como piada: “ah, é só uma brincadeira, é que a quinta série não sai do homem sério”.

afinal, o que tem de aberração em um adulto brincando de kama sutra com uma boneca inflável, não é mesmo?

ele só está se divertindo sozinho no silêncio do seu quarto.

aquele coito bizarro é só uma inocente metáfora da vida real, é apenas um simulacro e uma simulação, diriam, como diria o baudrillard.

agora, se uma mulher resolve fazer festinha de aniversário pra sua boneca, levar no médico e registrar em cartório, ela é uma louca problemática.

a mulher amamentar um boneco é transtorno mental, mas se o homem resolve dar leitinho pra sua boneca, tatu do bem.

tão tentando transformar o bebê reborn em um sinal de um transtorno típico dos tempos milleniais.

culpam as bets, os agrotóxicos, a vida vazia nas redes sociais, a falta de perspectiva de uma geração que não vai conseguir comprar a casa própria…

mas o que tem de novidade nisso, filhos do deus vivo?

nos anos noventa, pré-adolescentes tratavam tamagoshis como seres vivos, davam comida pra engenhoca, colocavam pra dormir, faziam festa de aniversário e funeral.

tinha berçários de tamagoshis nas escolas particulares e até uma profissional designada pra cuidar dos bichinhos.

ora, ora, ora.

a véia e os véio sempre tiveram nas plantas a representação dos filhos que não conseguiram ter, conversam com elas, contam segredos.

cães e gatos já foram humanizados há séculos.

voltemos à boneca inflável. conto um caso real e ilustrativo.

na universidade de brasília eu tinha um colega com fama de pega ningas: o sujeito era mal diagramado, se vestia mal, não sabia dançar xote, era chato pra cacete e tinha um mau hálito insuportável.

pobre, o infeliz morava no alojamento estudantil.

um dia, cansado da punhetagem e procurando resolver de uma vez por todas a sua solidão de alcova, decidiu comprar uma boneca inflável.

sua vida nunca mais foi a mesma.

paulo césar vivia sorridente pelos corredores, passou a usar perfume, tomava banhos com mais frequência e sempre voltava cedo pra casa.

estudante de letras, paulo césar encheu as paredes da universidade com poemas eróticos dedicados a uma enigmática penélope.

a história da boneca correu pelos corredores da unb, era a fofoca de todos os dias nos dois prédios do alojamento.

não se falava mais em foucault, saussure ou lévi-strauss.

o assunto era penélope, a boneca do pecê.

até que um belo dia, movido por uma curiosa curiosidade, um sujeito entrou no apê do pecê, na surdina, e roubou-lhe a boneca.

desespero, choro e ranger de dentes.

paulo césar chamou a polícia, o bombeiro, o samu… fizeram buscas nós apês, abriram uma investigação e o cacete.

nada.

o estudante de filosofia, o gatuno que roubou o bebê reborn do pecê, sacando o hype da boneca, decidiu empreender.

na surdina, passou a alugar a boneca, uma hora pra cada cliente.

a procura foi tamanha que o escroque teve que criar uma lista de espera, os estudantes de engenharia civil, estatística e matemática formaram fila no porta do ladrãozinho em plena sexta-feira santa.

ângelo sátiro, veja se isso não é nome de rufião, acabou prostituindo a boneca.

devido ao frenético frenesi, pecê descobriu a identidade do larápio, entrou na fila e surpreendeu o malandro.

mas sátiro recusou-se a entregar a boneca, porque os lucros eram alto.

alegou que havia comprado o brinquedo de um estudante de direito e pediu para que pecê pagasse para tê-la de volta.

ao exigir a grana do resgate, de cafetão, sátiro passou a sequestrador.

travou-se uma briga, botaram a boneca no meio da refrega, sátiro sacou um canivete, pecê já corria porta a fora com a boneca.

tentando acertá-lo, ângelo cravou a lâmina no bucho de penélope, que soltou um grito airoso e desfaleceu nos braços do seu amado, murcha.

paulo césar, de joelhos, chorava como se tivesse perdido a mãe.

ângelo foi acusado de rufianismo, sequestro e assassinato.

pra se livrar do xilindró, o futuro filósofo foi obrigado a importar uma boneca de silicone, tamanho natural, realista como uma celebridade do madame tussaud.

paulo césar se formou dois anos depois e anunciou seu casamento com a nova penélope.

até hoje vivem felizes em suas infelicidades.

por que as mulheres não podem?

conto outra sabedora, essa rapidinha.

em jacarepaguá, no ridejanêro, vivia um sujeito com um sugestivo nome de serguei.

já maracujando pelo peso da idade, o cabra espalhou aos quatro ventos que havia, na juventude, comido a rainha do blues branco, a maravilhosa janis joplin.

difamação nunca comprovada.

porém, por essa indiscrição machulenta, serguei foi alçado à condição de ícone do rock, chegando a “cantar” no rock in rio e celebrizar em reality shows.

virou arroz de festa de programas de auditório.

luciana gimenez, por sua vez, transou com mick jagger, e lucas é a prova disso, mas os mesmos roqueiros que idolatram serguei por ter dito que comeu joplin, execram gimenez, chamando-a de puta interesseira e oportunista.

por que odeiam tanto as mulheres?

palavra da salvação.

*Lelê Teles é jornalista, roteirista e mestre em Cinema e Narrativas Sociais pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).

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Last Update: 01/05/2025