Em uma cerimônia marcada por discursos de unidade institucional, foi selado nesta sexta-feira (4) na sede da B3, em São Paulo, o leilão da concessão patrocinada do primeiro túnel imerso do Brasil, que ligará Santos e Guarujá. A obra, aguardada há mais de um século, foi vencida pela empresa portuguesa Mota-Engil Latam Portugal, que ofereceu um desconto de 0,5% sobre a contraprestação pública máxima, superando a concorrente Acciona Concesiones (Espanha), que ofertou 0%.
Com investimento total estimado em R$ 6,8 bilhões, o projeto é considerado a maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal e um marco na integração entre os governos federal e estadual. A concessionária receberá anualmente R$ 436,1 milhões do poder público, com pedágio inicial fixado em R$ 6,15 por veículo. A concessão terá duração de 30 anos.
Discurso de unidade: Governo Federal celebra parceria estratégica
O evento reuniu autoridades federais, incluindo o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, o ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o ministro do Empreendedorismo, Márcio França, além do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
Em seus discursos, os representantes do governo federal destacaram o espírito republicano e a cooperação federativa como pilares para a concretização de um projeto historicamente adiado.
O discurso do vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, transformou a celebração da infraestrutura em uma mensagem de união nacional, superação de polarizações e serviço público acima de interesses partidários.
“Os opostos, quando convergem, fortalecem o país”
Alckmin lembrou que a obra começou em sua terceira gestão como governador de São Paulo (2011–2014), há mais de uma década, e só se tornou realidade graças à cooperação entre governos de diferentes espectros políticos.
“Estamos juntos celebrando uma obra que vai ser iniciada no maior porto do país, no maior porto da América do Sul, no maior porto do Hemisfério Sul — e que está crescendo. O porto era o 43º do mundo há alguns anos. Hoje, é o 37º. E cresce.”
Alckmin lembrou que, quando assumiu o governo de São Paulo em 2011, já existia um projeto de ponte entre Santos e Guarujá. No entanto, após ouvir especialistas, engenheiros e operadores portuários, concluiu-se que uma ponte limitaria o crescimento do Porto de Santos, especialmente com a chegada de navios cada vez maiores.
“A ponte teria que ter 80 metros de altura. Isso inviabilizaria o aeroporto de Guarujá, que será inaugurado no ano que vem e já é maior que o Santos Dumont, no Rio. E poderia impedir o crescimento do porto. Então, optamos pelo túnel imerso — mais seguro, mais eficiente e mais adequado.”
O mérito da parceria: “O túnel só existe porque o porto não foi privatizado”
Um dos pontos fortes do discurso foi a defesa da manutenção do Porto de Santos como entidade pública. Alckmin destacou que o projeto só foi viabilizado porque o governo federal, sob comando do presidente Lula, não privatizou o porto, permitindo que os recursos das outorgas portuárias fossem reinvestidos diretamente na Baixada Santista.
“Só estamos aqui porque o porto não foi privatizado. E o que está viabilizando esta obra importante é a Autoridade Portuária de Santos, com a participação do governo federal e do governo estadual. É uma parceria público-privada que vai construir e operar por 30 anos um túnel para pedestres, bicicletas, carros, ônibus, trens e até o VLT.”
“Um túnel tem dois lados. E a obra começa pelos extremos”
Alckmin usou a própria estrutura do túnel como metáfora política: “Diz que um túnel sempre tem dois lados, e a obra começa pelos extremos, que se aproximam. E é quando eles se encontram, no ponto de encontro, que a obra se completa. Os opostos, quando convergem, é possível fazer, não apenas um túnel, mas fortalecer o nosso país.”
A frase ecoou no salão da B3 e foi interpretada como um chamado direto à superação da polarização que marcou os últimos anos da política brasileira. Alckmin, que foi adversário político de Lula nas eleições anteriores, reforçou o compromisso com o diálogo:
“O presidente Lula dá a mão para todos os governadores, independentemente de questões partidárias, e trabalha junto para viabilizar obras importantes. O padre Lebret [sociólogo francês Padre Joseph Lebret] disse: ‘Devemos ser um Zé ninguém a serviço de uma grande causa’. Importante é a causa. E estamos unidos para viabilizar essa grande causa.”
Ao final do discurso, Alckmin convocou os prefeitos de Santos, Guarujá, São Vicente e Cubatão para simbolizar a união regional. Mas a imagem mais marcante da tarde foi quando ele, ao lado do governador Tarcísio de Freitas, deu uma batida de martelo que selou o contrato.
Fernando Haddad: “Unidos, somos imbatíveis”
O ministro da Fazenda elogiou a parceria entre os governos e lembrou que o projeto começou há 100 anos, com o arquiteto Enéas Marini, em 1927.
“Essa obra é muito mais do que uma conexão entre dois pontos. Ela representa a união dos brasileiros. Quando ganhamos juntos, concretizamos o que muitos chamavam de impossível. Unidos, somos imbatíveis.”
Haddad também destacou a dignidade social como parte central do projeto, mencionando a construção de 600 moradias para famílias que vivem em palafitas no Macuco.
“É inadmissível que o maior porto da América Latina tenha pessoas vivendo em condições precárias. Esta obra também é de justiça social.”
O ministro Silvio Costa Filho afirmou que o Brasil vive um novo momento político, em que a convergência supera a polarização.
“É o momento mais importante da minha vida pública. Poder estar aqui, em um país tão dividido, celebrando uma obra feita por união entre governos federal e estadual, mostra que as diferenças constroem convergências. E é isso que o Brasil precisa: ações concretas, obras estruturantes.”
“O Porto está devolvendo à Baixada Santista o que a Baixada sempre fez pelo Porto. Isso é justiça social, é desenvolvimento com dignidade.”
França destacou que a obra será feita sem impacto no Orçamento Geral da União, graças à Autoridade Portuária de Santos.
“É uma obra feita com recursos do próprio Porto. É o Porto devolvendo à população o que ela sempre deu ao Porto.”
O ministro do Empreendedorismo revelou que foi ele quem propôs a obra ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva logo no início do governo.
“Na primeira reunião de ministros, o presidente pediu a cada um qual seria a obra mais importante do seu ministério. Eu disse: ‘Sr. Presidente, é o túnel Santos-Guarujá’. E ele, que morou no Guarujá, abraçou a ideia imediatamente.”
Do sonho à realidade: 101 anos de esperança
O projeto do túnel submerso foi concebido em 1924 , mas só ganhou força em 2013, durante a gestão de Geraldo Alckmin como governador de São Paulo, que elaborou o projeto básico e expediu a licença ambiental.
Agora, com a parceria entre o governo federal e o estadual, o sonho se torna realidade. A obra terá 1,5 km de extensão, sendo 870 metros submersos no canal de acesso ao Porto de Santos. A estrutura contará com três faixas por sentido, espaço para VLT, ciclovias , passarelas para pedestres e galeria de serviços.
Como será construído o túnel imerso?
Diferente dos túneis escavados, o modelo imerso será composto por blocos pré-moldados de concreto, construídos em docas secas, transportados por flutuação e afundados no leito marinho. O método foi escolhido por:
- Menor impacto urbano
- Execução mais rápida
- Compatibilidade com o solo mole da região
- Preservação da navegabilidade do Porto
O passo a passo inclui:
- Escavação do leito e preparação da base de concreto
- Transporte e afundamento controlado dos módulos
- Encaixe hidráulico e fixação com pinos de aço
- Cobertura com camada de pedras para proteção
Impactos sociais e protestos
Durante o evento, um grupo de moradores da comunidade do Macuco, em Santos, realizou um protesto na frente da B3. Eles reivindicaram um processo de desapropriação justa e garantias de realocação digna.
“Queremos um processo ético e moral. Não queremos ser expulsos da nossa cidade”, afirmou José Santaella, da Associação Comunitária do Macuco, à Agência Brasil.
O governo garantiu que nenhuma família terá uma casa pior e que a CDHU já lançou um projeto com 1.769 moradias na região. O governador Tarcísio brincou citando uma moradora da região:
“Eu já me comprometi com a Alcione: vou ganhar o bolo de fubá e o cafezinho dela. E só ganho se ela estiver feliz com a nova casa.”
Desafios e expectativas
Apesar da vitória da Mota-Engil, o projeto enfrentou desafios. Grandes empreiteiras brasileiras, como Odebrecht e Andrade Gutierrez, desistiram da disputa por dificuldades em obter financiamento e garantias do BNDES.
O TCU, por sua vez, rejeitou um pedido do Ministério Público para suspender o leilão, afirmando que não houve provas de favorecimento a empresas estrangeiras.
A expectativa é de que o túnel seja inaugurado em 2031, reduzindo o tempo de travessia de até duas horas para menos de cinco minutos. Hoje, cerca de 78 mil pessoas e 20 mil veículos cruzam diariamente entre Santos e Guarujá em balsas.