Vamos falar sério: Legislativo sob nova direção começa com velhos problemas e a penca de autoenganos do governo
Por Antônio Machado
A semana começa com o Legislativo sob nova direção e os mesmos e velhos problemas de sempre: a partilha de recursos do orçamento da União, razão pela qual o ano virou sem que a lei orçamentária para 2025 (LOA) tivesse sido votada, a tentativa de cooptação das Casas do Congresso pelo governo sem maioria parlamentar e as sequelas de 31 anos de política econômica dirigida por frustrações fiscais.
A embalagem desse enrosco é feita para autoenganos, como tomar o aumento do produto interno bruto (PIB) no ano passado em torno de 3,5% e a taxa de desemprego de 6,6%, a menor da série histórica do IBGE iniciada em 2012, como sinais de pujança econômica, apesar de os déficits orçamentários recorrentes, o endividamento seriado do Tesouro e a carga tributária recorde entre países com renda per capita semelhante sugerirem uma economia incitada por aditivos.
O que define o crescimento econômico sustentado é o investimento em infraestrutura (logística, energia, redes digitais), em bens de capital (máquinas e equipamentos) e em construção civil. Não há o que destacar na ampliação destes segmentos, exceto em concessões de rodovias, como demonstra a taxa agregada de investimento – algo como 17% do PIB, vis-à-vis de 24% a 32% nas economias emergentes.
O problema é que assim tem sido há décadas. A taxa de juro real, ou seja, descontada a inflação, é a maior entre os países do G20 até onde a memória alcança. O déficit público nominal, que é o que importa por impactar o volume da dívida, fechou 2024 em portentoso 8,45% do PIB, resultado do déficit primário de R$ 47,5 bilhões, adicionado de juros de R$ 950,4 bilhões, outro escracho.
Não há o que comemorar com tais indicadores, ornados por enfeites legais, como exclusão de certos tipos de despesas (tipo o socorro às vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul) da contabilidade de gastos monitorados pelos credores do papelório do Tesouro. Depois não adiante se queixar de “componente ideológico” das críticas.
O traço comum a estas três décadas de tentativas frustradas de ajustes fiscais é a crença de que o consumo move a oferta, o que não tem amparo em nenhum programa de desenvolvimento da história, seja na nossa dos anos 1950 a 1970, na reconstrução da Europa, do Japão e da Coréia no pós-guerra, nos EUA na depressão de 1929 e, mais recentemente, da China, Índia e Indonésia. Enquanto este viés não for superado, vamos consumir ilusões até que nem isso haverá.
Populismo neoliberal
O desenvolvimento regrediu de política progressista ao populismo peronista, contraditoriamente, no vácuo do chamado neoliberalismo dos governos Reagan e Thatcher, algo chocante vindo de governantes eleitos com discurso social. Na prática, consistiu na corrupção do pensamento econômico das “vantagens comparativas”.
Com mão-de-obra sem proteção trabalhista, sem sindicalismo livre, sem leis ambientais, dando subsídio financiado pela repressão dos seus consumidores, a China, mas não só, foi recebendo as fábricas fechadas nos EUA, e mesmo no Brasil, das multinacionais, sem que a governança local desses países se desse conta do desemprego que ia ficando para trás, destruindo comunidades inteiras. Foi nessa onda que Donald Trump se elegeu em 2016 e voltou, depois de Joe Biden e os democratas não conseguirem atender a revolta dos trabalhadores.
Trump se reelegeu prometendo tarifar importações, lidas por quem se opõe como política protecionista. Mas proteger o quê, se o que os EUA importam da China, por exemplo, não tem produção local? É mais lícito dizer que se trata de política industrial, dirigida a empresas dos EUA que produzem em outros países para exportar para o mercado americano. Empresas como Apple, que só cria o que faz nos EUA, comprando de terceiros o que vende. Como Nike, indústrias farmacêuticas, montadoras de carros etc.
Fosse uma economia planificada com partido único, os EUA poderiam emular a China, inserir um comissário do partido em cada empresa e mandar seguir o plano. Com democracia, faz-se isso com induções – impostos baixos, regulamentações só as necessárias, juro decente. Quando se discutiu algo assim por aqui?
Relevante é baixar impostos
Chave no desenvolvimento é carga tributária baixa. A nossa é das mais elevadas entre as maiores economias, segundo a OCDE, o clube de regras econômicas baseado em Paris. Em 2022 (e hoje é maior), o total de tributos chegava a 33% do PIB, vindo abaixo da França, 46%, Itália, 43%, Alemanha, 39%, Inglaterra, 34%, e Canadá, 33%.
Nos EUA, era de 28%. No pé desse ranking, Arábia Saudita, 8%, Indonésia, 12%, Índia, 12%, México, 17%, China, 20%. Turquia, 21%.
O contraste salta à vista: os países com maior crescimento do PIB nas últimas quatro décadas, China, índia e Indonésia, oneram pouco a produção. Indonésia e outros asiáticos, como Vietnã, fazem mais: atraem investimentos em baterias, novas energias e nacionalização do refino de minérios isentando impostos por quatro a cinco anos.
E nós? Fazemos ajuste fiscal pelo aumento da receita tributária e a expansão do gasto tanto de custeio (vide o descontrole da folha do Judiciário) quanto de transferências de renda. Se funcionasse, o juro do Banco Central seria de até 5% nominal, e olhe lá.
Trump vai nesta linha, tirando mais impostos, que já são baixos, e, sobretudo, suavizando restrições regulatórias. E olhe que EUA já são, entre os países do G7, a economia com melhor desempenho.
E nós? Não passa mês sem que o governo cogite endurecer as regras regulatórias, agora secundado pelo STF ativista e militante.
Discussões apatetadas
Ah, amigo, se cortar impostos o déficit explode! Sim, se faltar o que todos os governos desde 1988 têm sido relapsos: gestão de alto nível, altamente tecnológica e voltada ao progresso, não às castas do funcionalismo. Se os governos regionais forem eficientes etc.
E o dinheiro do investimento público virá de onde? Virá de onde tem vindo para bancar concessões de 20 a 30 anos, empenhando Capex e Opex (investimento e custeio) de R$ 15 bilhões cada: de fundos privados nacionais e estrangeiros. Dinheiro há. E mais haverá se a confiança no país for alta. Todos usam estes dinheiros no mundo.
As novas mesas da Câmara, com o jovem deputado Hugo Motta (PR-PB) à frente, e do Senado, com David Alcolumbre (UB-AP), sabem o que os aguarda: o bafo quente de parte do STF no cangote, a pressão do PT acostumado a aliciar o centro fisiológico, a insatisfação com o legislativo de parcela crescente do eleitorado e a fadiga geral do empresariado com visões obsoletas.
Se Motta e Alcolumbre conseguirem demonstrar aos investidores um mínimo de visão nacional, o governo tentará fazer mais, ou será abandonado, e o populismo tenderá a enfraquecer.
O que será saberemos logo. Que não desperdicem o que têm em mãos. Já perdemos tempo demais com polarização e discussões apatetadas.
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