Aborto legal e contra-aborto fundamentalista

por [Nome do autor 1] e [Nome do autor 2]

Por que, então, a vida que se gesta, a condição feminina da maternidade (por pressuposto biológico exclusivo) precisa estar nas mãos de legisladores, executores, juristas e indivíduos da sociedade majoritariamente homens, em termos de opinião, decisão e retórica?

A aprendizagem nos livros nos ensina que a trajetória humana é progressiva. Igualmente, em tais fontes, nos acostumamos a ver o mundo (e seus Estados independentes e soberanos) deixando para trás, em regra, iniquidades, atrasos, obscurantismos e interferências nos poderes constituídos.

A tarefa de homens e sociedades sensatos e que acompanhem a marcha natural do progresso é evitar a “contaminação” da política, dos temas públicos e sociais, e das atividades executiva, legislativa e judiciária por ideologias – mesmo que tais sejam majoritárias. O Estado é laico e, como tal, deve se preservar de influências de matizes religiosos, de qualquer textura e contextura, para vincular ações governamentais, políticas estatais e normas jurídicas e decisões judiciais à “ditadura da maioria religiosa”.

Falamos especificamente do direito à vida e das normas que permitem a interrupção da gestação no Estado Democrático Brasileiro. Na vigência da Constituição Cidadã (1988) e sob o regime do Código Penal Brasileiro (1940, com alterações supervenientes), há três tipos que afastam a pretensão punitiva jurídico-processual: a) aborto necessário (para salvar a vida da gestante); b) aborto cuja gravidez resulta de estupro (precedido do consentimento da gestante); e c) aborto do anencéfalo (decisão do Supremo Tribunal Federal, a partir de 2012).

Eis, aí, o Direito posto e vigente. Obviamente que nenhuma norma legal ou decisão judicial são irrevogáveis ou inalteráveis. É da democracia a possibilidade normativa ou jurídica de revisão de atos e relações jurídicos. E há instrumentos e ferramentas, tanto no poder Legislativo quanto no Judiciário para, na constância de novas teses, se permitir a oxigenação do Direito.

Mas, há, também, situações outras que não decorrem de nenhum processo de maturação de ideias, nem de pesquisas, estudos científicos ou do aperfeiçoamento do pensamento humano. São, do contrário, aberrações derivadas da intransigência humana, do proselitismo e do fundamentalismo religiosos, os quais buscam conformar a vida social ao matiz ideológico de determinadas correntes sociais, embasadas em moral própria e não na ética social.

Num Estado realmente democrático, em que vige a liberdade de consciência, de expressão e de crença, as decisões legislativas precisam contemplar a pluralidade ou diversidade de visões de mundo, que podem estar estampadas em distintas crenças ou, ainda, em convicções que nada guardam relação com as religiões.

Eis que no Brasil de 2024, quase ao “apagar das luzes”, se materializa a aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, pelo placar de 35×15, a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) n. 164/2012, conforme decisão de 27 de novembro, que visa desconstituir o marco legal anterior para proibir as três espécies de aborto legal vigentes.

Trata-se, em espécie, de um paradigma de mais de 80 anos, derivado de discussões sobre tal temática, seja no legislativo seja no judiciário, no tocante à previsão jurídica de apreciação de questões concernentes à vida e, por extensão, à morte, como a eutanásia, o suicídio, a pena de morte e o homicídio.

O chamado “aborto legal”, portanto, se correlaciona aos direitos humanos fundamentais, em que a essencial existência que se busca preservar – e com a imprescindível qualidade de vida, em plenitude, sem riscos, sem sequelas, e com a garantia de uma gestação digna e com a certeza da independência existencial do futuro ser (nascituro) – é a da mulher-gestante-mãe.

E o ponto de partida, sim, é o elenco de situações que caracterizam o aborto legal, suas características e suas consequências. Não abarca, a presente discussão, se a previsão legal (aborto legal) contribui para que haja facilidade para abortos ilegais e fraudulentos. Mas se deve considerar que, com a negação completa do direito ao aborto, claramente haverá a profusão de abortos clandestinos, justamente para as situações que hoje se encontram consolidadas como norma, protegendo a coletividade brasileira.

É preciso destacar, ab initio, que nenhuma das três hipóteses permissivas é obrigatória. Ou seja, nenhuma mulher é condicionada a praticar o aborto. O que se garante é o exercício de opção, voluntariamente, em termos de decisão pessoal de continuar ou não a gestação, nas três situações: aquela em que a mulher-gestante corre algum risco de morte, na continuidade da gestação; a que o feto é resultante de um ato criminoso, extremamente violento (estupro); e, por último, as situações de imperfeição, má formação e impossibilidade de vida independente e saudável do nascituro.

E a contemporaneidade é pródiga em casos, nas situações acima, em que, de modo altruísta, a mulher optou por seguir a gravidez, como seu inalienável direito de escolha!

O fato é que, com a possível “reforma” legislativa, este direito será liminar e definitivamente extirpado do nosso ordenamento jurídico, disso resultando as seguintes situações abjetas, impostas pelo Estado:

1) A hipótese do aborto necessário ou terapêutico (risco de morte da gestante ou à sua saúde);

2) A circunstância do aborto eugenésico ou eugênico, quanto a vida extrauterina será inviável ou no caso de anencefalia; e,

3) A questão afeta à origem da gestação, como fruto de crime (estupro), considerado sentimental ou humanitário.

Constata-se que as situações normativas vigentes são correlacionadas à preservação tanto da vida quanto da saúde psíquica da mulher, simbolizando a tendência e a realidade (não só brasileira, mas presente em grande número de países no contexto internacional) para interpretar dispositivos penais (no nosso caso, o Código Penal Brasileiro) de forma evolutiva (progressiva e progressista), em consonância com o conjunto de princípios e direitos constitucionais, em especial do da dignidade da pessoa humana.

A mulher, destarte, fica salvaguardada e protegida de situações que possam lhe acarretar verdadeiros e concretos prejuízos (dores inimagináveis, frustrações, desespero, traumas diversos e desestabilidade emocional, dentre outros sentimentos e psiquismos).

Nestes casos, a realização do ato configura aborto seguro ou legal, evitando-se que qualquer mulher recorra a atos inseguros – que geram alto índice de mortalidade ou sequelas graves ou gravíssimas. A segurança, assim, decorre da presença de equipe de saúde bem treinada e capacitada, da infra

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Last Update: 01/01/2025