Não há menção específica na Constituição brasileira sobre a data que legitima a presença indígena em terras tradicionalmente ocupadas. Os direitos desses povos não são apenas ancestrais, pré-constituintes e pré-Estado, pois se consolidaram antes da chegada dos europeus, mas também foram reconhecidos na Carta Magna e pelo Supremo Tribunal Federal, que julgou improcedente a tese do Marco Temporal.
Após o julgamento no STF, o Congresso Nacional aprovou medidas relacionadas às terras indígenas, ressuscitando a tese considerada inconstitucional pela Corte. É surpreendente que o ministro Gilmar Mendes não tenha se manifestado pelo cumprimento da decisão, mas sim pela criação de uma mesa de conciliação entre aqueles que defendem a tese derrotada no STF e os ocupantes legítimos das terras, colocando frente a frente o opressor e o oprimido para negociar em condições desiguais.
A primeira audiência de conciliação ocorreu esta semana em Brasília, contando com ruralistas e o governo, mas excluindo o Ministério Público e representantes de povos indígenas. Enquanto o STF tenta criar uma suposta conciliação sobre uma pauta inconstitucional, conflitos fundiários se intensificam e ameaçam diversos povos indígenas. A permissividade com que o legislativo e o judiciário brasileiro tratam o tema está funcionando como combustível para ataques de capangas e milícias rurais aos legítimos ocupantes dos territórios.
Enquanto você lê estas linhas, a terra indígena Panambi Lagoa Rica no Mato Grosso está sob cerco de grupos de capangas que feriram 10 indígenas a bala no final de semana. No começo do ano, novos ataques de fazendeiros e capangas surpreenderam os Avá-Guarani na Terra Indígena Tekoha Guasu Guavira (PR), que vem sendo vítimas da mesma violência desde o final do ano passado. É um tipo de violência que aumenta quando o legislativo e o judiciário tentam flexibilizar direitos ancestrais e constitucionais.
Nilto Tatto (PT-SP) é deputado federal e coordenador da Frente Parlamentar Mista Ambientalista