“Quem entra no Conclave papa, sai cardeal”. Mais uma vez, o ditado romano prevaleceu na eleição do sucessor do Papa Francisco. O cardeal Robert Francis Prevost não aparecia entre os mais cotados para assumir o trono de Pedro: os purpurados europeus despontavam como favoritos, a exemplo de Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano junto ao Papa Francisco. Por isso, quando anunciou-se o “habemus Papam”, a surpresa foi geral. Os adoradores do deus-dinheiro das bolsas de apostas e os vaticanistas de plantão foram escanteados mais uma vez…

No Colégio Cardinalício mais eclético de toda a história da Igreja Católica – com representantes de 71 países – a eleição do sucessor de Francisco revestiu-se de grandes desafios. Primeiramente, o de suceder um papa carismático, que mexeu nas estruturas da Igreja e se projetou como uma das mais respeitadas autoridades morais do mundo, apesar de fortemente combatido por setores conservadores da Igreja e pela extrema-direita global. Seu sepultamento, transformado num rito de grande comoção, demonstrou para o mundo (e principalmente à própria instituição), o poder simbólico de seu pontificado.

Também havia (e há) uma disputa entre concepções do papel da Igreja na contemporaneidade: muitos buscavam se articular em torno de cardeais que defendiam uma volta ao passado da cristandade. Grupos da extrema-direita (política) e ultraconservadores (religiosos) atuaram fortemente nos bastidores durante o “pré-conclave”, inclusive produzindo dossiês sobre os “papáveis”. Já o grupo “bergogliano”, fiel a Francisco, considerava mais importante a continuidade das reformas iniciadas pelo papa argentino.

Outras questões complexas pairavam sobre a escolha: o novo papa deveria ser de transição (mais idoso) ou de aprofundamento das reformas iniciadas por Bergoglio (mais jovem)? Mais preocupado com as questões internas da Igreja, ou atento às grandes questões internacionais? Voltaria a ser um europeu, ou alguém que representasse a diversidade da Igreja?

Foi nesse cenário que os 133 cardeais eleitores, aqueles que têm menos de 80 anos, adentraram na Capela Sistina no dia 7 de maio. Foram quatro escrutínios até a escolha de Prevost. Uma eleição relativamente rápida, mostrando que houve boa articulação dos grupos mais progressistas na escolha do sucessor de Francisco (que fez 108 dos 133 eleitores, mesmos contemplando na criação dos cardeais as diversas concepções eclesiológicas).

A biografia de Robert Francis Prevost já é amplamente conhecida. Nascido em Chicago, em 1955, em uma família de origens italiana, francesa e espanhola, Prevost cursou o ensino médio em um seminário menor administrado pela Ordem de Santo Agostinho, os agostinianos. Depois, foi enviado a Roma, onde obteve o doutorado em Direito Canônico pela Universidade de São Tomás de Aquino. Em 1985, ingressou na missão agostiniana no Peru. Suas qualidades de liderança logo foram reconhecidas, e ele foi nomeado chanceler da prelazia territorial de Chulucanas, entre 1985 e 1986. Passou alguns anos de volta a Chicago antes de retornar ao Peru, onde dirigiu um seminário agostiniano em Trujillo durante a década seguinte. Em 2001, Prevost foi eleito prior-geral da ordem agostiniana. Em 2014, Francisco o nomeou administrador apostólico da Diocese de Chiclayo, no Peru, e um ano depois ele se tornou bispo diocesano. À época, os bispos peruanos eram fortemente influenciados pela Opus Dei, grupo católico ultraconservador. Prevost atuou como uma espécie de moderador junto à Conferência Episcopal Peruana, sendo vice-presidente entre 2018 e 2023. Em fevereiro deste ano, num claro sinal de confiança, Francisco o elevou à ordem exclusiva dos Cardeais-Bispos.

É difícil fazer futurologia. Mas faremos um exercício prospectivo sobre o magistério de Leão XIV.

Ao escolher o nome Leão XIV, temos duas intuições: a primeira é a referência a Leão XIII, um papa reformador, conhecido, entre outros feitos, por criar a chamada Doutrina Social da Igreja — um conjunto de princípios que orientam sua atuação em temas sociais, como trabalho, propriedade, justiça econômica, participação política e dignidade humana. Sua encíclica Rerum Novarum é um marco nesse conjunto doutrinário ao discutir, no final do século XIX, os dilemas do mundo do trabalho.

Mas há outra coincidência na escolha do nome Leão. A história nos lembra que um dos amigos mais fiéis de São Francisco de Assis se chamava Frei Leão. Nesse sentido, a escolha de Prevost pode significar também sua fidelidade ao papa Francisco (que, por sua vez, escolheu esse nome em homenagem ao santo de Assis). Ademais, em seu primeiro pronunciamento, o novo papa fez um agradecimento especial a Francisco, indicando que pretende continuar seu legado.

Outro ponto relevante é a idade do novo pontífice. Ao escolher um cardeal com 69 anos, o Colégio Cardinalício indica que Leão XIV deve implementar e aprofundar as reformas iniciadas por Francisco. Não será um “papa de transição”, mas terá tempo suficiente para dar continuidade ao projeto de uma Igreja inclusiva, misericordiosa e samaritana — que vai às “periferias existenciais e geográficas”, aberta a “todos, todos, todos”, como insistia Francisco. Mas é preciso esclarecer: Prevost tem uma personalidade mais introspectiva e, num primeiro momento, em nome da unidade da Igreja, deverá ser discreto em sua atuação.

Conversando com um amigo agostiniano que conhece bem o novo papa, fiquei com a impressão de que Leão XIV será firme em defender o legado do Concílio Vaticano II (na mesma linha de Francisco), mas com certa cautela, diante do recrudescimento de setores conservadores no catolicismo e do atual cenário geopolítico.

É muito interessante que, sendo agostiniano — membro da ordem de um dos mais proeminentes doutores da Igreja, Santo Agostinho (354–430) —, Leão XIV, em seu primeiro pronunciamento, não exaltou as virtudes teológicas, mas sim o tema da humildade na obra agostiniana. Agostinho demonstrava grande preocupação com a condição humana, diferentemente de Tomás de Aquino (1224–1274), cuja obra é marcada pela tentativa de conciliar fé e razão. Assim, pode-se deduzir a preocupação de Leão XIV com os dilemas humanos da contemporaneidade.

Sob o ponto de vista político, as posturas pregressas de Prevost indicam que ele será firme em temas como migração, direitos humanos, opção pelos pobres e outras pautas de Francisco. Notícias vindas dos Estados Unidos após a eleição de Leão XIV indicam a decepção dos devotos do MAGA (Make America Great Again). Nas redes sociais, expoentes dessa ideologia fascistóide classificaram o novo pontífice como “marxista”, “comunista” e até “enviado do demônio”. Apesar do sorriso beócio de Donald Trump quando questionado sobre o novo papa, espera-se que Leão XIV siga firme na defesa da dignidade humana e contra todas as formas de autoritarismo — inclusive dos setores religiosos ligados à extrema-direita global. Afinal, ele conhece bem alguns de seus pares alinhados a esses grupos nos Estados Unidos.

Nas questões relacionadas aos costumes, será necessário aguardar mais tempo para observar os movimentos do novo papa. Em entrevista concedida há algum tempo, ele defendeu que certos temas deveriam ser analisados pelas conferências episcopais de cada país, considerando as idiossincrasias culturais locais. Nesse sentido, temas como o celibato clerical ou a ordenação de mulheres, cuja problematização foi levantada por Francisco, provavelmente serão aprofundados nos próximos anos. Já o tema da “ecologia integral”, defendido por Francisco, não aparece como prioridade nesse primeiro momento. Ao usar a expressão “sinodalidade” em sua saudação ao povo, Leão XIV indica que seguirá os passos de Francisco no sentido de ouvir as bases eclesiais na tomada de decisões sobre temas complexos — tanto doutrinários quanto pastorais.

Por fim, o tema de destaque no primeiro pronunciamento de Leão XIV foi a paz. Num mundo marcado por múltiplos conflitos — definido por Francisco como uma “terceira guerra mundial fragmentada” —, o papel do líder máximo da Igreja Católica pode ser decisivo para evitar que os arroubos belicistas de vários autocratas mundo afora levem a um conflito de proporções inimagináveis.

Entre expectativas e esperanças, só o tempo mostrará os caminhos — novos e velhos — que serão seguidos, trilhados e abertos por Leão XIV…

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Last Update: 10/05/2025