A eleição de Leão XIV para a cátedra de São Pedro, no dia 8 de maio, inicia um novo capítulo na história milenar do catolicismo. A mudança de sucessor de são Pedro ocorre num momento em que grandes desafios seculares – entre eles, a ascensão do fascismo, a eleição de lideranças autoritárias promotoras de guerras e conflitos em diferentes partes do globo, a popularização das redes sociais e digitais, a evangelização de adolescentes e jovens – exigem respostas e alternativas por parte da Igreja.
A Igreja se funda em suas tradições, nos ensinamentos dos Santos Padres, dos doutores da Igreja, nos exemplos de seus santos e santas mártires, mas precisa oferecer plausibilidade e respostas às complexas realidades contemporâneas.
O “aggiornamento” (“atualização”) é uma condição para a Igreja do século XXI manter sua ação pastoral, missionária, profética e doutrinária, e seu caminhar deve realizar-se em estreita comunhão com a “opção preferencial pelos pobres”, na esperança de que ela continue a ser um referencial através dos tempos para todos os povos e nações. E a gênese do pontificado de Leão XIV ocorre em um momento de intensas transformações tecnológicas, comunicacionais e culturais e de desafios globais, nos quais a Igreja Católica busca reafirmar sua relevância espiritual e moral sem romper com suas raízes.
Contrução de pontes
Cientes das exigências e dos desafios contemporâneos, a eleição do cardeal agostiniano Robert Prevost, descrito como um profundo conhecedor do arcabouço teológico e, ao mesmo tempo, aberto à dinâmica da dimensão pastoral, reúne a erudição à prática do serviço religioso, fruto de uma formação intelectual sólida aberta à ação cristã, reproduzida e solidificada em décadas de atuação episcopal em contextos periféricos.
Isso o torna um líder com potencial para construir pontes entre uma Igreja atenta aos que sofrem, aos marginalizados e aos esquecidos e a sociedade, que continuamente se moderniza, mas também exclui e marginaliza – condição que chamou atenção do papa Leão XIII ao inaugurar o ensino social da Igreja por meio da publicação da encíclica “Rerum Novarum: Sobre a Condição dos Operários” (1891).
Diante dos desafios impostos à Igreja e ao mundo contemporâneo, Leão XIV terá a chance de avançar para águas mais profundas por meio de uma postura de escuta, de sínodos mais participativos e do fortalecimento do papel dos leigos e leigas, sem ceder a pressões que possam radicalizar a doutrina.
Mundo em crises
O novo papa traz na sua capacidade de diálogo – demonstrada em seu histórico como mediador de tensões em dioceses multiculturais e em realidades sociais, políticas e econômicas distintas – um instrumento de amor e doação que poderá gerar frutos de otimismo, abertura e acolhimento a todas as pessoas, na transformação da estrutura institucional da Igreja, permitindo que ela seja mais inclusiva, plural e acolhedora.
O novo pontífice atuará num mundo marcado por crises ambientais, desigualdades sociais, guerras e o avanço de extremismos violentos. Nossa expectativa é que Leão XIV atue na ampliação do papel diplomático da Santa Sé, utilizando sua influência moral para promover e consolidar a paz, o cuidado com a casa comum e os direitos humanos. Há indicativos de que o papa pretende pautar a ecologia integral no centro da ação missionária da instituição religiosa que agora lidera. Essa dimensão amplia o nosso esperançar, pois representa uma visão que une o zelo pelo meio ambiente ao compromisso com a justiça social, gerando comportamentos positivos para toda a natureza.
Outro campo em que se espera inovação é o da comunicação, já que Leão XIV compreende a importância das mídias digitais e do engajamento direto com as juventudes. É especialmente no terreno das redes sociais que perspectivas de intolerância, fundamentalismo, polarização e radicalização se constituem e se difundem. Para isso, será necessária uma evangelização digital que una a tradição catequética a uma linguagem moderna, alcançando um público cada vez mais distante das estruturas eclesiais tradicionais.
Harmonia e tradição
Confiantes na capacidade de escuta e de equilíbrio, no domínio teórico e na ação pastoral de Leão XIV, espera-se que eles se tornem fontes de respeito e discernimento diante dos novos ventos, sendo capazes de arejar ideias e práticas de compaixão, elemento central do cristianismo.
Assim, as perspectivas do papado de Leão XIV apontam para um pontificado que buscará a harmonia entre o respeito à tradição católica e a sensibilidade às exigências do tempo presente. Mais do que a continuidade das mudanças iniciadas pelo papa Francisco, projeta-se uma condução pautada pela dialogia e pelas virtudes teologais: fé, esperança e caridade. Em tempos de polarização e desorientação moral, Leão XIV poderá ser eternizado como o papa da escuta, do encontro, do diálogo e da esperança prudente.
Gleide Andrade é graduada em filosofia, especialista em ensino religioso e secretária nacional de Planejamento e Finanças do PT
Publicado no jornal O Tempo