O Ministério Público de Goiás (MP-GO) teria cometido práticas de lawfare, com perseguição judicial, uso de provas ilícitas e abuso de poder em ações de improbidade administrativa, com o intuito de obter controle e vantagens políticas sobre TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) no estado. No centro das polêmicas, uma ação civil, que se alargou por quase 20 anos, teria movido provas ilícitas e falsos testemunhos.

As acusações constam em um estudo, publicado pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia em Goiás (ABJD-GO). Na peça, os autores apontam que o MP-GO iniciou ações civis públicas de improbidade administrativa sem a devida comprovação de crimes e com o uso de documentos e supostas provas ilícitas.

O principal episódio exposto é um inquérito civil público aberto em 2005 para apurar a contratação de uma auditoria pela antiga Agência Ambiental de Goiás (AGMA) no estado, no ano anterior, com o objetivo de regularizar os TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) ambientais que estavam sendo impetrados pela entidade ambiental goiana.

O GGN consultou o Ministério Público de Goiás, a Secretaria de Meio Ambiente do Estado (responsável pela antiga AGMA e os respectivos ex-servidores citados) e o Governo do Estado sobre as acusações expostas a seguir e não obtivemos o retorno até o momento da publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para futuras manifestações e esclarecimentos.

Interesse nos TACs ambientais

Segundo o documento da ABJD de Goiás, estes TACs permitiam converter diversas multas em “serviços de preservação, recuperação e melhoria da qualidade do meio ambiente”.

“Os TACs firmados pela Autarquia Estadual de Goiás resultaram em benefícios de grande repercussão como a implantação do Parque Estadual da Mata Atlântica, na entre foz dos Rios Piracanjuba e Corumbá com o Rio Paranaíba, na divisa com Minas Gerais”, relatou a peça.

O Parque Estadual da Mata Atlântica (PEMA) está localizado no Município de Água Limpa, em Goiás, à margem direita do Rio Paranaíba – Foto: Semad

Mas, segundo os advogados, a conversão destes recursos de multas para a destinação ambiental “despertou o interesse por parte de alguns promotores de justiça do MP-GO que resolveram questionar a legalidade dos procedimentos adotados pela autarquia”.

De acordo com a ABJD-GO, o Ministério Público de Goiás queria deter a exclusividade da aplicação de TACs, acabando com essa responsabilidade do órgão estadual, e por meio da denúncia de dirigentes da mesma Agência Ambiental, mirou um dos procedimentos para legalizar os TACs, uma auditoria feita em 2004, alegando que ela foi feita de forma ilegal.

Publicação no Diário Oficial de Goiás, de 3 de novembro de 2004, mostrava o resultado da auditoria, que confirmava a legalidade das TACs ambientais pela AGMA

Os acusadores

De dentro do órgão ambiental, as acusações partiram do empresário Eri Ristov, que no ano passado se candidatou a vereador em Goiânia pelo PP, e de Luiz Carlos Tosoni Sant’Anna, atualmente servidor administrativo do governo de Ronaldo Caiado (União).

À época, Ristov era diretor Administrativo-Financeiro da Agência Ambiental de Goiás (AGMA) e Sant’Anna era Gerente de Licitação do órgão. A ABJD-GO destaca que, no ano seguinte às acusações, Ristov e Sant’Anna chegaram a ser presos em uma Operação Policial, acusados de corrupção dentro da Agência ambiental em compras públicas e processos de licitação. Em depoimentos ao MP, ambos afirmaram que a contratação da auditoria ocorreu sem licitação e teria gerado “dano ao erário” e “enriquecimento ilícito”.

Advogados apontam “provas frágeis”

A publicação aponta que, a partir de então, a condução da investigação foi feita de forma abusiva pelo MP. O documento argumenta que a ação foi iniciada com base em provas ilícitas e falsos testemunhos, culminando em uma condenação injusta e na subsequente execução da sentença, que incluiu a penhora de verbas alimentares.

Entre as provas levantadas pelo MP-GO, um documento intitulado “Comunicado Interno nº 139/2004-GCPL” teria sido forjado no processo pelos ex-dirigentes da Agência Ambiental de Goiás, que posteriormente foram presos por corrupção, e, segundo a ABJD, induziu invertigadores e juízes a erros.

Além do documento que teria sido “forjado” – a principal prova contra a auditoria, os investigadores teriam usado como testemunhas somente os mesmos acusadores, que corroboraram as alegações.

Eles apontam que o MP-GO também apresentou cópias adulteradas de documentos, omitindo informações cruciais como datas e nomes, para sustentar as acusações, além de desconsiderar provas das defesas, como pareceres dos órgãos de controle interno da Administração Pública do Estado de Goiás, que emitiram manifestações favoráveis à contratação da auditoria, e negaram exames de perícias.

Segundo a ABJD, o MP-GO teria extrapolado suas competências e ainda utilizado de mecanismos coercitivos abusivos.

No andamento da investigação, por exemplo, os promotores pediram a prisão preventiva dos acusados e o bloqueio de bens e de seus salários e de verbas alimentares dos mesmos, com base nas denúncias.

“Overcharging” e condenações “draconianas”

Posteriormente, outras dezenas de ações civis públicas foram ajuizadas pelo Ministério Público de improbidade administrativa questionando a legalidade do órgão ambiental para a assinatura dos TACs.

O objetivo, segundo os advogados, era “garantir a incriminação do réu”, além de levar os acusados à “exaustão física, mental, moral e financeira” e de “impedir o direito de defesa”.

Os advogados da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia em Goiás afirmam que as condenações foram, ainda, “draconianas”. Uma das ações gerou pedido de ressarcimento ao erário, pela entidade ambiental do Estado de Goiás, ou seja, a devolução do valor das multas ambientais convertidas em bens e serviços entregues à autarquia.

A decisão foi tomada pela 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Goiás, em 2008. E, para executar esta condenação, o juiz determinou que as próprias pessoas físicas – o ex-presidente da AGMA, Osmar Pires Martins Júnior, o ex-chefe de gabinete Vivaldo Pinheiro Guimarães e o ex-assessor jurídico Fabrício Silva Freitas deveriam ressarcir o total das multas, à época, de R$ 7,8 milhões.

Condenação foi concluída e execuções seguem até hoje

Nos anos seguintes, em recursos de apelação, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) manteve a condenação, mas reduziu o pagamento a 10% do valor total das multas.

O caso foi concluído, sem mais chances de recurso, em outubro de 2020. Em dezembro do ano passado, a fim de ainda cumprir as condenações, a Justiça determinou o bloqueio de bens, de saldos e remunerações dos condenados, incluindo o de aposentadorias e de verbas alimentares dos acusados.

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Last Update: 07/03/2025