No dia 29 de abril, seis dias após a Polícia Federal (PF) deflagrar a Operação Sem Desconto, o Esquerda Diário, portal do Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT), publicou um artigo analisando o suposto escândalo de corrupção envolvendo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Assinado por um tal de Danilo Paris, que se diz “editor de política nacional e professor de Sociologia”, o texto já mostra a que veio logo em seu primeiro parágrafo:
“A exoneração do presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Alessandro Stefanutto, na última quarta-feira (23/4), revelou o maior escândalo de corrupção do governo Lula 3. Ainda que ele tenha iniciado no governo Bolsonaro, foi a partir de 2023 que o volume dos desvios cresceu exponencialmente.”
O objetivo do autor é apresentar o governo Lula como mafioso — possivelmente mais mafioso que o governo de Jair Bolsonaro (PL). Afinal, qual a importância de dizer, logo de início, que o suposto esquema criminoso teria aumentado exponencialmente no governo petista?
Se estivéssemos diante de um problema concreto para o povo brasileiro, isto teria bastante relevância. Afirmar que o desemprego, a fome e a miséria teriam aumentado em um governo de esquerda é um dado importante para a situação nacional. É algo que serve tanto para analisar a política econômica deste governo, quanto para entender as relações entre ele e as massas. O preço alto do alimento e a falta de emprego, afinal, fazem a barriga roncar.
O esquema de corrupção, no entanto, não é assim. Ninguém viu este dinheiro sendo roubado, ninguém sabe quem roubou, nem como roubou. Nem mesmo o tão pretensioso autor do Esquerda Diário.
Tudo aquilo que se sabe sobre o esquema é o que a Polícia Federal ou a grande imprensa dizem sobre o esquema. E é somente com base nisso que o MRT afirma que o “volume dos desvios cresceu exponencialmente”. O Esquerda Diário não lida com fatos, mas simplesmente age como uma correia de transmissão de uma campanha da grande imprensa e da Polícia Federal contra o governo petista. Isto é, o que está em questão neste tipo de informação não é o acontecimento em si, mas o interesse por trás dele. Se o MRT reproduz acriticamente aquilo que nem sabe se aconteceu ou não, é porque seu interesse é o mesmo da rede Globo: o de apresentar o governo Lula como extraordinariamente mafioso.
Da mesma forma que Danilo Paris não tem a menor ideia do que de fato ocorreu no INSS sob a direção petista, ele também não sabe o que ocorreu durante o governo Bolsonaro. No entanto, qualquer análise deveria ser, no mínimo, cética sobre as práticas de um governo de direita, como foi o governo Bolsonaro, que deu mais de R$1 trilhão para os banqueiros no início da pandemia de coronavírus e que vendeu a Eletrobrás a preço de pinga. Curiosamente, Paris se arroga suficientemente especialista na suposta corrupção do governo Lula, mas é cínico ao ponto de insinuar que o governo Bolsonaro seria menos corrupto.
Em outro trecho, não apenas o MRT reforça essa ideia, como também revela a fonte de toda a sua análise:
“O presidente do INSS, que ocupava o cargo desde julho de 2023, foi demitido, e são muitas as revelações de que tanto ele quanto o ministro da Previdência, Carlos Lupi, foram alertados e advertidos de que os desvios estavam acontecendo.” [grifo nosso]
Dizer que o presidente do INSS e o ministro da Previdência foram alertados e advertidos é praticamente o mesmo que chamá-los de beneficiários do suposto esquema de corrupção. Ou seja, é chamá-los de corruptos, pois estariam acobertando o assalto ao erário público. De onde o MRT parte para chegar a tal conclusão? Das “revelações” que foram feitas pela… imprensa burguesa!
Nesta primeira parte do artigo, o MRT deixa claro que, mesmo sem ter a mais absoluta ideia do que ocorreu dentro do INSS, o governo Lula seria um governo corrupto. Esta é, como veremos, não uma conclusão do MRT, mas sim a conclusão que a burguesia quer que todos cheguem. Veremos, futuramente, o porquê.
Após a introdução tenebrosa que remete aos tempos em que organizações que se diziam “revolucionárias” defendiam a Operação Lava Jato, Danilo Paris conta uma mentira:
“A CGU identificou que uma instrução normativa de 2022, durante o governo Bolsonaro, facilitou a expansão do esquema. Tanto esse fato quanto todo o esquema ter iniciado durante o mandato de Bolsonaro dificulta que a oposição de direita ao governo consiga explorar ofensivamente o escândalo, ainda que não deixe de tentar.”
Dizer que a “oposição de direita” esteja com dificuldade de explorar o escândalo não é uma interpretação subjetiva, é algo que pode ser aferido objetivamente. Para refutar o que diz o MRT, basta citar alguns fatos. Um dos principais líderes da extrema direita brasileira, Nikolas Ferreira, que é inclusive cotado para se candidatar a presidente da República, publicou um vídeo acerca do escândalo. Em 24 horas, o vídeo obteve 100 milhões de visualizações, o que, em si, contribui significativamente para a crise do governo. O ex-presidente Jair Bolsonaro compartilhou o vídeo em suas redes sociais. O líder do Partido Liberal (PL), de Jair Bolsonaro, pediu a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados. Em entrevista à Revista Oeste, Bolsonaro desafiou o Partido dos Trabalhadores (PT) a assinar a favor da CPI.
A mentira de que a extrema direita não irá conseguir explorar o escândalo parte da total incompreensão do MRT acerca da situação política nacional. É fato que as investigações podem respingar em pessoas do PL e no próprio Jair Bolsonaro. No entanto, a situação do governo é tão frágil e a extrema direita está tão fortalecida que o bolsonarismo irá aproveitar qualquer demonstração de fraqueza do governo para aumentar a sua ofensiva.
Tomemos como exemplo a última grande crise do governo, a chamada “crise do Pix”, quando o governo decidiu aumentar o monitoramento das transações em Pix. Teoricamente, este não seria um tema muito favorável para a extrema direita, pois a extrema direita não é a favor da estatização do sistema bancário, que é a única política consequente para acabar com o assédio incessante da Receita Federal sobre o povo trabalhador. No entanto, isto não impediu que o mesmo Nikolas Ferreira publicasse um vídeo criticando o governo que se tornou um dos mais vistos em todo o mundo.
O MRT mente sobre a ofensiva da extrema direita no caso do INSS porque, para o grupo, a extrema direita estaria diminuindo a sua influência sobre o regime político. Uma vez mais, dizemos: não se trata de uma análise da realidade, mas sim da reprodução da propaganda da rede Globo. Futuramente, esta questão também será esclarecida.
Danilo Paris continua a sua análise afirmando que “o atual escândalo pode assumir proporções maiores e ser um fator que contribua para aumentar a crise de representatividade do governo”. Sem explicar o que seria a tal “crise de representatividade”, Paris emenda dizendo que “a corrupção é um tema sensível ao PT, e a responsabilização do escândalo ter vindo à tona durante seu governo torna a situação ainda mais grave”. Ou seja, o problema central do governo é que o povo brasileiro não se veria representado nele porque o governo é visto como corrupto.
Aqui, já temos elementos suficientes para entender o que de fato o MRT pensa acerca da crise. A causa da crise estaria no próprio governo e na sua natureza “corrupta”, seja lá como esta natureza se formou.
O que a análise lavajatista do MRT ignora neste caso é simplesmente o que há de mais valioso em qualquer análise política: a luta de classes. Isto é, a quem interessa o atual escândalo?
Nem mesmo uma criança de cinco anos é capaz de acreditar que a Polícia Federal é um órgão técnico do Estado. A PF é um escritório brasileiro do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. É um braço do imperialismo norte-americano em território nacional. Nenhuma grande ação vinda da PF é politicamente desinteressada.
Esquema de corrupção, por sua vez, não é exceção, é a regra no capitalismo. A política burguesa é altamente corrupta. Os políticos do meio sabem quem são os corruptos e conhecem os seus esquemas. Ou, ao menos, desconfiam. Extorquem uns aos outros, chantageiam uns aos outros e se associam. O esquema de corrupção, mesmo que real, só é investigado e descoberto quando um setor da política burguesa resolve utilizar a polícia para confrontar o seu adversário.
Não bastassem esses princípios gerais, há ainda que se considerar as questões específicas. O escândalo partiu do jornal Metrópoles, órgão que vem se notabilizando por sua estreita ligação com a Polícia Federal. A imprensa vem insistindo no caso, mostrando interesse em transformá-lo em uma grande crise para o governo. O golpista Partido Democrático Brasileiro (PDT) rompeu com o governo. Analisado o quadro como um todo, é óbvio que não se trata de uma mera investigação, mas de um movimento de classe. É um movimento do setor mais forte da burguesia — o imperialismo — contra o governo Lula.
Quando o MRT se perde em considerações abstratas sobre a “representatividade” do governo, ele está ignorando que o escândalo é, na verdade, uma ofensiva do grande capital contra o governo. Uma ofensiva, obviamente, não apenas contra o governo, mas contra o povo brasileiro como um todo, uma vez que o objetivo da ofensiva é criar as condições para impedir a reeleição de Lula ou até mesmo derrubá-lo antes do próximo pleito.
É por isso que, como dissemos, a opinião do MRT não é do MRT. É apenas uma xérox da propaganda interessada, consciente e conspirativa da rede Globo.
A famigerada “luta contra a corrupção” se tornou um cadáver mal-cheiroso no interior da esquerda. Afinal, todos os que seguiram essa política na época do golpe de 2016 foram desmascarados como golpistas e inimigos do povo brasileiro. Por isso, diante de uma nova ofensiva do imperialismo e valendo-se do mesmo método, o MRT apresenta uma teoria para tentar explicar que, desta vez, seria correto apoiar a “luta contra a corrupção”:
“Diante desse cenário, comparações com o Mensalão e a Lava Jato são constantes. No entanto, o momento atual reserva muitas diferenças desses outros dois, ainda que alguns paralelos possam ser feitos. Em particular, a sanha de seu uso político para atingir o núcleo duro do governo e, em particular, do PT. No primeiro caso, o processo atingiu figuras como José Dirceu, um dos pilares do primeiro governo Lula. No segundo, os resultados foram ainda mais profundos, culminando com a destituição de Dilma e a prisão arbitrária de Lula. Nas duas situações, o contexto social e econômico foi decisivo. No final do primeiro mandato, Lula contou com o início de um novo ciclo de acumulação de capital, que possibilitou a recomposição de seu governo, atingindo posteriormente níveis recordes de aprovação. Já na Lava Jato, o curso da ofensiva judicial ocorreu em um momento de aprofundamento da crise econômica no Brasil, impactado pelo desatar da crise de 2008. O processo de radicalização das classes dominantes, somado à desmoralização do governo Dilma — motorizada devido à aplicação de duros ajustes econômicos — criou a química necessária para o golpe institucional. (…) Agora, o cenário não é esse. O governo de Frente Ampla está respaldado pelo STF e compondo com diversos setores do Centrão. Após os anos de governo Bolsonaro e as crises políticas institucionais próprias desse período, diferentes atores do regime político estão atuando buscando uma maior estabilização do regime político. (…) Agora, o pacto costurado entre STF, Congresso e governo Lula sobre os processados do 8 de janeiro é um importante símbolo da configuração dessa relação de forças.”
Em sua retrospectiva, o MRT deixa escapar que, embora fale em “golpe institucional”, é incapaz de compreender o processo que levou à queda de Dilma Rousseff e à prisão de Lula. Segundo o texto, Dilma caiu porque “se desmoralizou” — mas de onde veio essa desmoralização? As “classes dominantes”, por sua vez, se radicalizaram, mas por qual motivo?
A resposta é muito simples: o golpe aconteceu porque o imperialismo, diante da crise mundial do capitalismo, decidiu derrubar o governo. E se o governo se desmoralizou, foi porque não conseguiu enfrentar a ofensiva golpista, adotando uma política de contemporização com os seus inimigos.
Embora o motivo do golpe de 2016 seja de fácil compreensão, o MRT se recusa a chegar a essa conclusão porque seu interesse de classe é outro. O MRT, como organização política de um setor muito conservador da pequena burguesia, embarcou de mala e cuia na campanha golpista. Em vez de enfrentar o imperialismo, o grupo atuou como apoiador de sua política.
Da mesma forma, o MRT procura hoje uma desculpa para seguir a política da força que mais pressiona a classe que representa. Incapaz de reconhecer os interesses do imperialismo na crise do governo Lula, o MRT, ignorando por completo a participação dos agentes do grande capital na promoção do escândalo, procura apresentar o próprio governo como um representante da ordem imperialista.
É ridículo. De fato, está em marcha um processo de “estabilização” do regime. Mas antes de falar em estabilizar, é preciso entender o que está instável.
A instabilidade do regime político brasileiro vem do acirramento da luta de classes internacional. O imperialismo se encontra cada vez mais enfraquecido, o que leva os povos oprimidos a lutarem por sua libertação. A luta pela libertação enfraquece ainda mais o imperialismo. Isto, por sua vez, obriga o imperialismo a agir com mais força, causando novas crises, e assim sucessivamente.
No Brasil, o resultado mais claro desta crise é a falência do chamado “centro político”. Os partidos que antes representavam os interesses do grande capital entraram em uma crise total. A maior demonstração disso é que o Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) entrou em extinção.
É por isso que é um erro considerar que a extrema direita está desaparecendo. O fato é que a polarização entre o grande capital e os interesses nacionais se expressa, em parte, no choque entre o regime político e as forças populares e, em parte, nas contradições entre o regime político e a extrema direita. A extrema direita segue crescendo porque não pode ser parada por medidas judiciais — ela é um fenômeno social.
Na medida em que a política do imperialismo é cada vez mais impopular, o regime de aparência democrática vai sendo obrigado a assumir um caráter cada vez mais ditatorial. O que o MRT chama de “estabilização” é, na verdade, a transformação do regime em uma ditadura. O STF tem agido, com o apoio da esquerda pequeno-burguesa, incluindo o MRT, no sentido de liquidar o Estado democrático de direito no Brasil, de modo a fazer prevalecer os interesses do grande capital, mesmo que estes se choquem com os poderes constituídos pelo voto popular.
A “estabilização” do regime, portanto, tem um sentido claro: o de criar as condições para impor uma política de pilhagem contra o povo brasileiro. Uma política semelhante à de Javier Milei na Argentina, que é elogiado pela imprensa brasileira.
Só é possível aplicar um programa como o de Milei no Brasil por meio de uma ditadura feroz. Nesse sentido, o governo Lula, por mais que se desmoralize, representa um obstáculo a essa política. O imperialismo precisará, no próximo período, de um governo de guerra contra os sindicatos, de repressão aos movimentos sociais, de ataques abertos aos direitos trabalhistas. Algo que não será possível em um governo com base popular.
A grande lição do escândalo do INSS é que o povo brasileiro está seriamente ameaçado pelo grande capital. É a de que é preciso correr contra o tempo, antes que a atual ofensiva se converta em uma ditadura aberta contra a população. E quando esta vier, de nada adiantará o MRT lamentar a “crise de representatividade” do “corrupto” PT.