Sem testemunhas, documentos ou provas, o ex-presidente do Peru, Ollanta Humala, foi condenado a 15 anos de prisão. A semelhança com a prisão de Lula não está somente nas acusações que não se comprovaram, mas porque o caso peruano é, precisamente, uma extensão da Lava Jato e repete os mesmos e ainda mais erros da polêmica operação brasileira no país.
Para o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas, a sentença foi injusta e concretizou uma verdadeira “perseguição política” contra o ex-presidente, sua esposa Nadine Heredia e os demais processados.
Ele explica uma série de equívocos que foram cometidos na investigação, a exemplo do que ocorreu no Brasil. Entre os “graves erros”, o criminalista cita que o processo fala em “delito que pode ser descoberto no futuro”, ou seja, que os crimes não foram comprovados, mas poderão ser em um futuro hipotético: “algo jamais visto em livros ou jurisprudência”.
“Isso abre espaço para a arbitrariedade futura, não só contra políticos, mas contra qualquer cidadão. Este critério arbitrário está sendo aplicado unicamente, na história do Peru, contra os senhores Humala-Heredia”, afirma.
O advogado expõe outros erros do processo, como a não coincidência de datas de supostos pagamentos de propina, na simples comparação das delações mencionadas pelos executivos da Odebrecht e as transações da empreiteira; o uso de documentos falsos, incluindo ordens de pagamentos; a ausência do aumento patrimonial do ex-presidente e de sua esposa, o que seria impossível em crime de lavagem de dinheiro; e a falta de testemunhas e provas que corroborem as delações.
Além disso, os supostos indícios foram anulados nos processos da Lava Jato do Brasil. Mas no Peru, assim como aqui, contou com uma condução política de delatores que se beneficiaram dos acordos, procuradores (promotores no país) acusados de tráfico de influência e pressões do partido opositor.
Segundo Marco Aurélio, as conexões do caso peruano com frágeis acusações se propagam a outro país, a Venezuela, onde as provas residiram em rumores de que o governo do então presidente Hugo Chávez teria entregue propina para financiar a campanha política de Humala, em 2006.
“No entanto, no julgamento, não há uma única testemunha que tenha afirmado que o dinheiro veio da Venezuela, tampouco há qualquer documento que sustente tal informação. Muito menos que esse dinheiro (não visto) tenha origem ilícita — não há processo, contrapartida ou denúncia investigada na Venezuela ou no Peru”, afirma Carvalho.
O coordenador do Grupo Prerrogativas explicou de que forma a acusação contra Ollanta Humala teve como uma de suas origens boatos que surgiram na Venezuela, ainda que sem comprovação. Confira baixo:
Quem são os acusados e do que são acusados?
Marco Aurélio de Carvalho: Segundo a tese do Ministério Público, o ex-presidente Ollanta Humala e sua esposa Nadine Heredia lideraram uma organização criminosa dedicada à lavagem de dinheiro. Isso por, supostamente, terem recebido contribuições econômicas para as campanhas presidenciais dos anos 2006 (do governo do então presidente Hugo Chávez, da Venezuela) e 2011 (da empresa Odebrecht, a pedido do Partido dos Trabalhadores do Brasil). A Promotoria responsável pelo caso também envolve outras nove pessoas, entre elas o irmão e a mãe da ex-primeira-dama, bem como duas pessoas jurídicas: a empresa Todo Graph e o Partido Nacionalista Peruano.
Com relação ao componente Venezuela, o Ministério Público argumenta que o ex-presidente e sua esposa teriam recebido dinheiro ilícito do governo venezuelano para a campanha presidencial de 2006. Esse suposto dinheiro teria entrado no país por meio de malas diplomáticas trazidas pela cidadã venezuelana Virley Torres Curbelo, que depois teriam sido entregues aos principais dirigentes do Partido. Para sustentar sua tese, o promotor Juárez baseia-se em rumores que circulavam na época da campanha eleitoral. No entanto, no julgamento, não há uma única testemunha que tenha afirmado que o dinheiro veio da Venezuela, tampouco há qualquer documento que sustente tal informação. Muito menos que esse dinheiro (não visto) tenha origem ilícita — não há processo, contrapartida ou denúncia investigada na Venezuela ou no Peru.
Cabe lembrar que a trama com o suposto dinheiro venezuelano já havia sido investigada em 2009 e arquivada em duas instâncias no ano de 2010 por falta de provas. Então, por que estamos discutindo novamente o mesmo caso? Porque em 2015, o Tribunal Constitucional reabriu o processo a pedido do promotor Ricardo Rojas León, atualmente preso por tráfico de influências. E também por pressões de representantes do Partido Aprista Peruano, que ameaçaram denunciar os membros do Tribunal Constitucional que não votassem a favor da reabertura do caso.
Para entender completamente o que está sendo investigado no componente Venezuela, é necessário saber também que as histórias sobre um suposto aporte venezuelano surgiram como um boato. Em junho de 2006, foi realizada uma coletiva de imprensa com um suposto piloto vindo da Venezuela, que afirmava ter entregue 600 mil dólares ao então tesoureiro do Partido Nacionalista Peruano. As histórias do suposto piloto se revelaram falsas em 2007, quando o próprio denunciante afirmou que o ex-congressista Mauricio Mulder lhe devia 40 mil dólares que haviam sido prometidos para dar tal declaração.
Apesar disso, o Ministério Público insistiu que tanto Humala quanto Heredia teriam recebido uma contribuição, teriam adquirido bens com esse dinheiro e que, para não levantar suspeitas sobre tais ingressos, teriam simulado contratos de trabalho. O senhor Eduardo Sobenes, colaborador eficaz do Ministério Público, admitiu em seu depoimento — aberto e público — ter processos penais pendentes com o mesmo promotor, Germán Juárez Atoche. Sobre a origem do dinheiro pago pelos contratos, afirmou não saber sua procedência; entretanto, em uma declaração anterior, afirmou que o dinheiro era de seu próprio patrimônio — contradizendo todas as suas demais declarações.
Por outro lado, os demais empresários afirmaram que os contratos eram reais, foram pagos conforme as possibilidades de suas empresas e que também cumpriram com as obrigações tributárias correspondentes. Para isso, apresentaram livros contábeis, transferências bancárias e recibos por honorários — os mesmos que já haviam sido entregues no processo de 2009.
Quanto ao componente Brasil, Juárez Atoche indica que Humala e Heredia teriam recebido um suposto apoio econômico da construtora Odebrecht, a pedido de Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda do Brasil durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, para a campanha presidencial de 2011, da conta que o Partido dos Trabalhadores teria com a construtora.
No entanto, uma rápida revisão do que foi declarado pelos empresários brasileiros durante a fase de investigação sobre o caso do Partido dos Trabalhadores e sua relação com o Partido Nacionalista aponta que, embora Marcelo Odebrecht afirme ter autorizado uma doação para a campanha, nem ele nem seus funcionários podem comprovar que a entrega de fato ocorreu. Mais ainda, antecipam que, caso essa doação tenha ficado no patrimônio do intermediário no Peru, Jorge Barata Simões, tampouco teriam como saber ou sancionar isso.
Por outro lado, a fragilidade da tese da promotoria parte do campo do direito. Isso porque, segundo as normas peruanas vigentes durante as campanhas presidenciais de 2006 e 2011, uma contribuição de campanha não declarada não pode ser tipificada como lavagem de dinheiro. Além disso, os representantes do Ministério Público formularam sua tese com base em rumores e testemunhos de pessoas questionáveis, com evidentes conflitos pessoais com os acusados.
O que aconteceu no julgamento?
O Terceiro Juizado Penal Colegiado Nacional marcou o início da audiência de julgamento oral para o dia 21 de fevereiro de 2022. Assim, o promotor Germán Juárez precisava demonstrar a suposta culpa dos acusados diante dos magistrados Nayko Coronado Salazar, Raúl Caballero Laura e Max Oliver Vengoa Valdeiglesias. No entanto, no meio do julgamento, de repente, o magistrado Raúl Caballero Laura foi substituído pela magistrada Juana Mercedes Caballero García — isso apesar de já ter terminado a atuação probatória relacionada aos supostos aportes da Venezuela para a campanha presidencial de 2006. Assim, uma juíza se pronunciou sobre toda uma atividade probatória que ela não presenciou.
A atividade probatória foi favorável à defesa de Humala-Heredia. Com relação a 2006, todas as supostas testemunhas que deveriam demonstrar que o dinheiro entrou no país, afirmaram o contrário: que não têm conhecimento de que tal fato tenha ocorrido. Mais ainda, afirmaram que este foi um caso nascido da rivalidade política. Ficaram evidentes as contradições de todas as testemunhas sobre os supostos contratos simulados: antes reconheciam os contratos, agora os negavam diante da complicação de sua situação legal.
Por outro lado, a justiça brasileira declarou ilegais as informações compartilhadas pela empresa com a justiça peruana, por não serem de fonte confiável e por não respeitarem a cadeia de custódia da prova, o que poderia permitir sua alteração a qualquer momento.