“Larga essa turma, menino, senão você vai perder o visto!”, por Fernando Castilho

Minha avó era uma mulher dominada pelo medo, do mundo, do imprevisto, até da própria sombra. Qualquer ousadia minha era prontamente recebida com uma profecia catastrófica. Se eu subisse em uma árvore: “Desce daí, menino, senão você vai cair.” E, uma vez, eu caí. Se eu demorasse para voltar para casa: “Vão te assaltar.” E, uma vez, fui assaltado. Não era bruxaria, nem maldição, mas pura estatística. A Lei de Murphy em uma versão caseira, com sotaque de vó.

No último domingo, Élio Gaspari escreveu que o ministro Luiz Fux poderia pedir vistas ao processo contra Jair Bolsonaro. O prazo máximo para manter o processo em banho-maria é de 90 dias, o suficiente para adiar o julgamento para fevereiro de 2026, em pleno ano eleitoral. O timing é tão conveniente que parece piada. Não acho que Fux faria isso. Quer dizer… até ouvir a voz da minha avó ecoando na boca de Gaspari: “Pede vistas, menino!” E, pronto, ele pode decidir pedir.

Fux é, sem dúvida, o ministro mais vaidoso da corte. A vaidade não se revela apenas em sua fala empolada, que parece ter saído de um manual de latim para iniciantes. A peruca, um acessório para esconder o que Alexandre de Moraes ostenta com dignidade, é a prova. Fux age como se a calvície fosse uma falha moral e a peruca, sua armadura.

Sua retórica, tão ornamentada quanto a do bardo Chatotorix das aventuras de Asterix, o condena ao ostracismo. Assim como o personagem, Fux canta sozinho. Ninguém o acompanha e poucos o suportam. Em uma audiência sobre a tentativa de golpe, com Bolsonaro, Augusto Heleno e Braga Netto no banco dos réus da história, Fux se dedicou obsessivamente a perguntar se havia uma assinatura na minuta do golpe para tentar legitimá-la. Um comportamento digno de Chatotorix: muito barulho e pouca melodia.

Mas os tempos mudaram. Trump, em um gesto que mais parece um aceno do que um abraço, não cancelou o visto de Fux, uma espécie de “obrigado pelos serviços prestados.” Só que agora, o nacionalismo bate mais forte no peito dos que não se renderam ao bolsonarismo. Com todas as provas escancaradas, qualquer voto contra a condenação será visto como um ato de sabotagem institucional pela corte, pela imprensa e pela população.

Então, a vaidade de Luiz Fux – aquele que já foi agraciado com o lema “In Fux We Trust”, cunhado por um Sérgio Moro desmascarado por sua parcialidade – resistiria ao peso de um voto solitário em defesa de Bolsonaro? Como a história registraria esse gesto? Como um ato de coragem ou como um epitáfio da vaidade?

Fux já fez o que pôde. Defendeu Bolsonaro até onde dava e já foi premiado por isso. Agora, não dá mais. Ele vai acabar votando com o resto da turma. Porque, no fim das contas, até a vaidade tem limite.

Minha avó já avisou: “Larga essa Turma, menino, senão você vai perder o visto!” Fux, no entanto, não sairá. Ele ainda tem alguns anos para conviver com a Turma antes de se aposentar. Ele precisa de reconhecimento. Se ficar isolado, sua vaidade não suportará.

Será que mata no peito?

Fernando Castilho é arquiteto, professor e escritor. Autor de Depois que Descemos das Árvores, Um Humano Num Pálido Ponto Azul e Dilma, a Sangria Estancada.

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Last Update: 12/08/2025