Na manhã do sábado 26, em Muscat, Omã, ocorreu a terceira rodada de negociações entre representantes do Irã e dos Estados Unidos acerca de um acordo nuclear. Esta e as duas reuniões anteriores, na própria Muscat, no dia 12, e em Roma, no dia 19, indicam uma real intenção de se chegar a um acerto, um sinal de que a retórica agressiva de Donald Trump ainda não demoliu por completo a diplomacia de Washington. Ao assumir a Casa Branca em 20 de janeiro, o republicano assinou a ordem executiva “Memorando Presidencial de Segurança Nacional/NSPM–2”, diretiva para “impor pressão máxima sobre o regime iraniano para terminar sua ameaça nuclear, restringir seu programa de mísseis balísticos e interromper seu apoio a grupos terroristas”. O objetivo declarado, portanto, era eliminar qualquer possibilidade de Teerã intervir regionalmente. O conselheiro de Segurança Nacional, Mike Waltz, em entrevista em 23 de março, resumiu essa visão como a “desmontagem total”, de modo que o país do Oriente Médio teria de abrir mão de instalações nucleares e do arsenal de longo alcance.
O anúncio do começo de abril, ao mostrar uma disposição de chegar a um acordo, deu, porém, sinais de retração da postura mais bélica e expôs as divergências dos responsáveis pela nova política externa dos EUA. Em contraposição a Waltz e Marco Rubio, secretário de Estado, ambos notórios falcões, estariam Pete Hegseth, secretário de Defesa, e JD Vance, vice-presidente. Uma reportagem de The New York Times em 15 de abril sustenta que Vance, em comum acordo com Steve Witkoff, enviado especial ao Oriente Médio, argumentou internamente que a insistência no “total desmonte” seria danosa às negociações. A posição do gabinete de Hegseth veio a público em meio às intrigas “palacianas” do SignalGate, o vexame do compartilhamento de informações secretas sobre ataques militares ao Iêmen. Por acusações de vazamento, três integrantes da Secretaria de Defesa foram afastados. Um dos oficiais exonerados, Dan Caldwell, responsabilizou, no entanto, setores da administração que querem sabotar um acordo com o Irã. “O presidente não quer um Irã nuclear, mas também não quer outra grande guerra no Oriente Médio. Ele claramente prefere diplomacia. Isso, seja por qualquer razão, forçou os falcões do Irã a defender abertamente que querem uma mudança de regime e o programa nuclear é uma forma de justificar o movimento”, afirmou
Segundo Trita Parsi, pesquisador e analista de política externa do Quincy Institute, a mudança retórica de Washington pode ser explicada pelo embate no governo. “Em alguns momentos, a linha dos falcões está por cima. Em outros, como agora, o lado pró-acordo tem mais força.” O sucesso das etapas até aqui não é garantia de que os EUA não retomem uma posição de “máxima pressão”. O acordo, pondera Parsi, “requer que nenhum dos lados adote uma posição maximalista e que esteja focado no tema nuclear”, ou seja, não aborde o desmonte das usinas nem a capacidade militar não nuclear.
Por ora, os termos não foram definidos oficialmente, mas o Institute for the Study of War dá conta de que Teerã ofereceu um cronograma de três fases: interrupção do enriquecimento de urânio acima de 3,67%, o limite para uso civil, liberação para as inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica e remoção do urânio enriquecido acima dos limites (o país teria lotes a 60%, mas o necessário para montar uma bomba é 90%) para outros países. Os EUA, por sua vez, liberariam o acesso a ativos iranianos congelados, permitiriam a venda de petróleo no mercado estadunidense e suspenderiam as sanções. Rafael Mariano Gross, diretor da AIEA, afirmou ter mantido conversas recentes com o governo de Teerã para que sejam retomadas as atividades de monitoramento.
Só Israel perderia com um acordo entre os dois países
O pragmatismo também estrutura as ações do lado iraniano, motivado por questões internas e externas. Em termos regionais, Teerã viu sua agenda perder força. Com o Hezbollah severamente atingido, a queda de Bashar al-Assad, o enfraquecimento do Hamas no contexto do extermínio israelense contra os palestinos, o governo entendeu que há uma necessidade de recuo. Para o analista e autor de A Guerra Irã–Iraque, Pierre Razoux, 2024 foi “o pior ano para o Irã desde o conflito contra os iraquianos. Com o quadro regional, os ataques aéreos israelenses, que enfraqueceram consideravelmente a defesa aérea iraniana, e os aliados houthis no Iêmen severamente bombardeados pelos EUA, a situação atual é totalmente diferente do que era há três anos. Seu principal desafio é recuperar uma postura de dissuasão contra Israel, para enfraquecer a posição de Benjamin Netanyahu”.
A ala Waltz/Rubio articula-se com o desenho político para o Oriente Médio do governo israelense. Em 16 de abril, The New York Times revelou que Trump dissuadiu Netanyahu de levar adiante ataques contra o Irã em maio. Parsi interpreta as ações do israelense como uma forma de evitar a redução das tensões entre EUA e Irã. “Netanyahu não quer ver um acordo que permita a Washington reduzir sua presença militar na região, vista como suporte para uma mudança regional em favor de Tel-Aviv.”
Internamente, o regime dos aiatolás é pressionado por uma economia em crise e demandas de menos controle sobre costumes. O novo presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, afirma Razoux, compreendeu as demandas da população, mas expôs a necessidade de um meio-termo para se equilibrar entre as facções conservadoras do governo de coalizão. “A polícia religiosa recebeu ordens para suavizar na repressão. Com relação às demandas econômicas, Pezeshkian fez algumas reformas e luta contra a corrupção. O governo enfrenta, porém, muitas dificuldades, inclusive no campo do fornecimento de energia, devido à má administração dos recursos e aos ataques cibernéticos de Israel e dos EUA.”
O fim das sanções, avalia Parsi, significaria uma abertura do mercado iraniano para companhias norte-americanas. “A economia do Irã sairia da pressão e as companhias dos EUA ganhariam um novo e grande mercado.” De qualquer forma, mesmo enfraquecido, o pesquisador alerta que o Irã teria condições de resistir a uma intervenção mais agressiva. “O programa nuclear iraniano está em um estágio mais avançado e o país poderia resistir a um avanço, o que seria uma situação na qual todos perdem. Os EUA, o Irã e a região se beneficiariam de um acordo. O único país que se opõe é Israel.” •
Publicado na edição n° 1360 de CartaCapital, em 07 de maio de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Lampejos de bom senso’