No dia 27 de abril, a cidade de São José dos Campos (SP) perdeu uma de suas vozes mais potentes e sensíveis. Katerynne, também conhecida artisticamente como Katy Wine, nos deixou aos 28 anos, vítima de suicídio.

Mulher trans, artista, professora de canto, bailarina e madrinha de bloco de carnaval, Katy era uma expressão viva de beleza, coragem e talento. Sua trajetória, porém, foi brutalmente interrompida por um sistema que insiste em negar dignidade, acolhimento e oportunidades às pessoas trans.

Um feminicídio social e transfóbico

Sua trajetória foi marcada por luta e talento, mas também por abandono institucional. No período que antecedeu sua morte, Katy enfrentava o desemprego, sobrevivendo através de subempregos precários e alto nível de exploração — realidades que aprofundaram seu adoecimento.

Sua partida não pode ser vista como um drama individual: ela é consequência direta de um sistema que nega dignidade, trabalho e cuidado à população trans. E São José dos Campos, cidade hostil e negligente com os corpos LGBTI+, carrega responsabilidade por isso.

A dor pela perda de Katy grita junto com uma estatística cruel. O Brasil é, há mais de uma década, o país que mais mata pessoas trans no mundo. Em 2023, foram documentadas 257 mortes violentas de pessoas LGBT+, sendo 127 travestis e pessoas trans — quase metade dos casos​. A maioria das vítimas são jovens negras e periféricas, assassinadas com requintes de crueldade ou empurradas ao autoextermínio por condições de vida insustentáveis​.

A morte de Katy é parte desse cenário: um feminicídio social, uma violência que opera pela negligência, invisibilidade e abandono.

A transfobia é um projeto político. Se manifesta não apenas em agressões físicas, mas nas recusas institucionais, nas portas fechadas do mercado de trabalho, na ausência de políticas de saúde mental, na criminalização de nossas existências. E o caso de Katy escancara tudo isso. Sua morte é um grito sufocado que nos convoca à ação.

Mas é preciso dizer: a população trans sempre resistiu.

Historicamente, travestis e pessoas trans estiveram na linha de frente das lutas LGBTI+, sociais e políticas. Desde o Comitê Científico Humanitário (fundado por Magnus Hirschfeld em 1897, com ampla participação de pessoas trans) até a Revolta de Stonewall, em junho de 1969, enfrentaram o Estado e seus aparelhos repressivos com coragem e organização.

Hoje, continuam protagonizando lutas pelo nome social, por emprego digno, pelo acesso à educação, cotas em universidades e serviços públicos, inclusão do debate de gênero nas escolas e, acima de tudo, pelo direito de existir. Mas sabemos que nenhuma dessas conquistas será garantida sem a força da classe trabalhadora.

Katy e as pessoas trans devem estar presentes, sempre, nas lutas da classe trabalhadora!

Por isso, é urgente que as organizações de trabalhadores e trabalhadoras, sindicatos e demais movimentos sociais e populares incorporem as pautas trans e construam alianças com os movimentos e ativistas trans.

A libertação das pessoas trans e a unificação da classe trabalhadora são lutas indissociáveis. Combater a transfobia dentro e fora da classe é um passo fundamental para a construção de uma sociedade verdadeiramente livre.

Travamos essas batalhas contra um sistema que lucra com a opressão, que se alimenta do controle sobre os corpos dissidentes e que jamais abrirá mão, voluntariamente, de seus privilégios. Não há presente possível sob o domínio da burguesia. Há, sim, a luta organizada por uma nova sociedade. Uma sociedade sem exploração, sem transfobia e sem opressão, onde ser quem se é não seja motivo de violência, mas um direito básico.

Katy Wine é semente. Sua arte, sua luta e sua existência resistem em cada corpo trans que segue de pé. Sua história não será apagada. Sua memória será transformada em força coletiva. Que a morte de Katy nos convoque a lutar.

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Last Update: 30/04/2025