
A cantora Katy Perry participou hoje de um voo espacial como parte da missão NS-31, da Blue Origin, empresa fundada pelo bilionário Jeff Bezos, um dos homens mais ricos do mundo. A primeira cantora a viajar para o espaço fez questão de divulgar, não por acaso, que a tripulação é toda composta por mulheres – entre elas a jornalista Lauren Sánchez, noiva de Bezos.
A missão foi financiada integralmente pela própria Blue Origin, para melhorar a imagem pública de Bezos depois de denúncias graves contra ele e suas empresas virem a público. É comum, aliás, que a empresa convide celebridades para dar mais visibilidade às suas missões: puro marketing.
Caso você não saiba, Bezos não é exatamente um empresário bem afamado.
Segundo o Brasil de Fato, funcionários e ex-funcionários da Blue Origin já acusaram a empresa de manter um ambiente de trabalho tóxico e sexista. Entre as reclamações, há até denúncias de assédio sexual ignoradas pela liderança da companhia.
A ex-chefe de comunicações internas Alexandra Abrams, que liderou um grupo de 21 funcionárias que relataram os abusos, publicou uma carta aberta denunciando o ambiente de trabalho “tóxico, sexista e inseguro”.
O Jornal O Globo já noticiou, também, dezenas de denúncias de ex-funcionários que acusaram a empresa de Bezos de ignorar procedimentos de segurança para iniciar missões com mais rapidez e superar concorrentes como Elon Musk e Richard Branson na corrida espacial. As denúncias estão, inclusive, sendo investigadas pela Administração Federal de Aviação dos EUA.

Não se trata, portanto, de apenas mais um empresário recrutando mulheres pra se autopromover: Bezos é, sobretudo, um ricaço de reputação problemática, que envia mulheres famosas ao espaço e ganha confetes enquanto ignora práticas sexistas em sua própria empresa.
Pergunto: por que antes de enviar mulheres ao espaço ele não se movimenta para que sejam assistidas aqui mesmo no planeta Terra, e estejam livres de assédio e discriminação no ambiente de trabalho?
Isso nunca aconteceu, e é provável que jamais aconteça: afinal, enviar uma cantora ao espaço dá visibilidade, mas cuidar para que suas funcionárias não sejam assediadas e importunadas seria simplesmente uma questão de decência básica, que claramente lhe falta.
As acusações de assédio sexual na Blue Origin, aliás, não resultaram em nenhuma ação concreta ou mudanças significativas na cultura organizacional da empresa, que apenas respondeu em nota que “não tolera discriminação e assédio de qualquer tipo”.
Não é o que diriam as mulheres que acusam de assédio o ex-CEO Bob Smith, amigo pessoal de Bezos, por lhes dar apelidos e fazer perguntas invasivas sobre suas vidas amorosas.
Além de não ter sido punido, foi promovido e entrou pro comitê de contratação da empresa – afinal, alguém tinha que ficar responsável por recrutar mulheres jovens e bonitas para serem assediadas por homens inescrupulosos (e poderosos).

Teve até funcionário apalpando os seios de subordinada, e nenhum pio de Bezos sobre o ocorrido.
Agora ele quer enviar mulheres ao espaço, se passar por defensor das causas de gênero e lucrar com isso? Me economizem.
Isso não apenas valoriza injustamente a imagem de Bezos e de sua empresa, mas gera lucros exorbitantes em cima da narrativa midiática completamente falsa de que ele e a Blue Origin priorizam mulheres.
Eu não esperaria nada diferente de Jeff Bezos, um empresário ambicioso com um passado controverso, mas ainda surpreende que uma dita artista como Katy Perry se preste a tal papel. É demais até para uma diva pop.
A verdade triste e pungente é que no capitalismo selvagem – especialmente sob a égide neoliberal – não há bandeiras, pautas, debates: há apenas pessoas unidas pela ambição, que fazem qualquer coisa por dinheiro e prestígio, como Katy Perry e todas as outras mulheres que corroboram com essa farsa midiática disfarçada de iniciativa empoderadora.
Ao aceitar participar dessa farsa, Katy Perry e as mulheres que a acompanharam na missão contribuem para a estratégia suja de Bezos para melhorar a imagem de suas empresas e desviar o foco de denúncias internas graves e não solucionadas.
Katy Perry sabe, como sabem todas as outras, que o capitalismo patriarcal não empodera, ele explora, exatamente como Bezos e a Blue Oringin têm feito com as mulheres, desde suas funcionárias àquelas famosas que enviam ao espaço.