Nos Estados Unidos, as eleições presidenciais de 2024 dominaram os noticiários e, infelizmente, também tomaram os noticiários no Brasil. Agora, imagine se a reorganização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) recebesse metade desse destaque? Seria um sonho.
A reorganização da SABESP, concluída recentemente, representa um marco preocupante para o estado de São Paulo. Avaliada inicialmente em R$ 4,5 bilhões a menos do que poderia ser, essa transação trouxe um prejuízo significativo aos cofres públicos paulistas. As ações da empresa foram vendidas por 22% menos do que valiam no momento da venda. A Nova Energia, empresa responsável pela aquisição, não tem experiência em saneamento básico. Seu foco é o fornecimento de energia elétrica, área na qual já enfrentou severas críticas por sua gestão no Rio Grande do Sul, incluindo uma CPI sobre o sucateamento e problemas no fornecimento de energia.
O Tribunal de Contas de São Paulo também manifestou tímidas preocupações em relação à reorganização, mas isso passou quase despercebido pela grande mídia. Em contraste, quando Kamala Harris foi anunciada como titular da chapa Democrata nos EUA, a imprensa dedicou horas e horas de cobertura. Cada detalhe de sua vida e carreira foi explorado, desde suas posições políticas até sua escolha de roupas. Entretanto, questões essenciais como o impacto negativo da reorganização da SABESP receberam atenção mínima.
A Nova Energia comprou as ações da SABESP a R$ 67 por unidade, enquanto, no mesmo dia, as ações eram negociadas a R$ 82. Isso representa um lucro imediato para a empresa, sem qualquer esforço. O argumento usado para justificar essa diferença é que o mercado já estaria precificando os ganhos de eficiência que viriam com a gestão privada. No entanto, essa narrativa é contestável, considerando que a Nova Energia não possui histórico em gestão de saneamento. Sua experiência é limitada à distribuição de energia, setor onde já enfrentou desafios significativos.
O incentivo à reorganização é sempre associado à promessa de eficiência e melhor serviço. Porém, a realidade muitas vezes mostra o contrário. Quando se reorganiza um serviço essencial como o saneamento, o objetivo principal das empresas se torna o lucro, e não o bem-estar da população. No caso da energia elétrica, isso já é evidente: as empresas privadas buscam maximizar o consumo, pois é daí que vêm seus lucros. Da mesma forma, no saneamento, o incentivo seria para aumentar o consumo de água, não necessariamente garantir a eficiência e sustentabilidade do serviço.
Um dos aspectos mais criticáveis da reorganização é o subsídio estatal para a redução de tarifas. Tarifa social, residencial e comercial serão reduzidas, mas o Estado, que já perdeu dinheiro na venda, ainda arcará com os custos dessas reduções através de um fundo que recebe 30% da arrecadação da privatização e parte dos dividendos da Sabesp. Para os inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais (CADÚnico), será reduzida em 10%, a tarifa residencial padrão cairá 1%, e as tarifas comerciais e industriais terão uma diminuição de 0,5%. Tudo saindo do bolso dos próprios contribuintes.
A reorganização da SABESP foi vendida como uma solução milagrosa, uma das mais bem-sucedidas da história. No entanto, a realidade é que o estado de São Paulo perdeu quase R$ 5 bilhões ao vender as ações por um preço muito abaixo do mercado. Se tivesse vendido as ações pela cotação atual, o Estado poderia ter embolsado significativamente mais.
Enquanto isso, a grande mídia continua a desviar o foco para eventos que, embora importantes, não afetam diretamente a vida cotidiana dos brasileiros como a reorganização de um serviço essencial. A cobertura da reorganização da SABESP foi mínima, ofuscada por outras notícias e debates que parecem ter maior apelo midiático. Se a reorganização da SABESP tivesse recebido a atenção e o escrutínio que a candidatura de Kamala Harris teve, talvez a história fosse diferente. E o povo paulista teria uma visão mais clara dos riscos e prejuízos envolvidos nessa transação.
Enfim, a SABESP merecia ser a Kamala Harris da vez: amplamente discutida, criticada e, acima de tudo, transparente. Somente assim, poderíamos evitar os erros e garantir que o interesse público fosse realmente priorizado.