Chegamos aqui à nossa terceira e última parte da polêmica com o texto de Daniel Aarão Reis para o blogue A Terra é Redonda, intitulado “Os novos judeus”. Na primeira parte, vimos a falsificação da história do sionismo, organizada sob o ângulo do chamado sionismo “de esquerda”, uma farsa que visa falsear o caráter do sionismo, sob uma débil fachada democrática.

A seguir, a segunda parte abordou a série de falsificações de Reis a partir da formação do Estado de “Israel”, cujo objetivo era centrar a culpa pela limpeza étnica do povo palestino nos países árabes, ignorando a pressão e o controle imperialista sobre eles, e a política sionista, que de fato praticou historicamente, e até hoje, o genocídio dos palestinos. Agora, abordaremos a também terceira e última seção de seu texto, que trata do final do século XX até o período atual.

Daniel Aarão Reis dá um salto histórico e ressalta o que seriam tratativas para a pacificação entre Palestina e “Israel”, culminando com os Acordos de Oslo, de 1993, que previam a progressiva criação de um Estado nacional palestino. Acontece que é justamente nesse período em que se mostra novamente a impossibilidade da solução de dois Estados.

Após o Setembro Negro em 1970, o massacre de palestinos na Jordânia (evento que finaliza a segunda parte do texto de Reis), cometido pelo exército do país a soldo de “Israel”, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) teve que se refugiar no Líbano. No país vizinho, um novo massacre ocorreria, sob as mãos das famigeradas Falanges libanesas, inspiradas no fascismo espanhol, organizadas pelo imperialismo e pelo sionismo, destacadamente o Massacre de Sabra e Chatila em 1982, mesmo ano de uma segunda invasão e ocupação do país por “Israel”.

Apesar de nada sinalizar para qualquer possibilidade de pacificação do conflito pela negociação, afinal, supostamente em 1947 teria se estabelecido a divisão dos dois Estados pela ONU, Aarão Reis continua sua falsificação. Diz ele sobre os Acordos de Oslo:

Parecia que as propostas de 1948, quase meio século depois, seriam, afinal, concretizadas.

Mas os sonhos palestinos de um Estado próprio não se realizaram. Yitzhak Rabin, um dos principais arquitetos dos Acordos de Oslo, foi assassinado por um extremista de direita, judeu, em 1995. O fato de não ter tido sucessores à altura evidenciou o enfraquecimento das tendências favoráveis a entendimentos com os palestinos. No contexto da sociedade, os desdobramentos da ocupação israelense na Cisjordânia e, em menor medida, em Gaza, ensejaram a ocupação ilegal das terras palestinas por dezenas de milhares de colonos.

O problema aqui é que o “entendimento” é, desde o início, uma farsa sionista para permitir a continuidade de seus planos. Sem condições de implementar uma limpeza étnica de toda a região a uma só vez, o sionismo se utilizou da progressão de seu projeto, e isso se deu de maneira deliberada, e já quando da decisão na ONU em 1947.

A ala “esquerda” do sionismo pregava abertamente a colonização progressiva das terras, o que permitiria uma maior tolerância diplomática com o sionismo e a viabilidade do projeto, ou seja, a promessa dos dois Estados teve por função viabilizar a implementação, e hoje tem por função desmobilizar a oposição ao sionismo de conjunto, depositando sobre o que seria uma “extrema direita” sionista o problema, e não o Estado de “Israel”. Oslo não resultou em qualquer aplicação prática da implementação de um Estado palestino.

A questão dos colonos aqui também é denunciada como forma de disfarçar o caráter do Estado sionista. Afinal, diferente de “Israel”, os colonos ocupariam as terras “ilegalmente”. O que não é dito é que tais ocupações contam com a proteção e participação estatal sionista, pois ambos possuem de fato a mesma política. Novamente Aarão Reis reforça a tentativa de ocultar o propósito sionista, sob a fachada da extrema direita:

Benjamin Netanyahu tornou-se expressão política deste processo [de coloniazação], aliado a partidos de confissão religiosa, também comprometidos com propósitos messiânicos. Assim, os Acordos de Oslo, assinados nos anos 1990, viraram letra morta e uma segunda Intifada, nos primeiros anos deste século, não teve força suficiente para reconstruir uma dinâmica de compreensão mútua.

Vale destacar que o autor cita a Intifada não como um enfrentamento violento do povo palestino oprimido contra o sionismo, mas como algo que por algum motivo deveria levar a uma “dinâmica de compreensão mútua”. Pode parecer estranho, porém indo um pouco adiante ficará claro para o leitor o sentido de tal colocação, quando Daniel falar sobre a operação Dilúvio de Al-Aqsa, de 7 de outubro de 2023.

Caluniar o Hamas para apoiar o genocídio

Por outro lado, os sucessores de Arafat na condução dos territórios palestinos semi-autônomos, em condições muito adversas, não souberam conquistar a confiança da população palestina, acossados por escândalos de corrupção e acusados de conciliação indevida com o governo israelense. Seu prestígio declinante levou-os a expedientes de perpetuação no poder, sabotando ou anulando eleições livres que os ameaçavam.

A popularidade do Hamas cresceu neste quadro, sobretudo na faixa de Gaza, mas sua força já estava sendo objeto de controvérsias nos últimos anos, em virtude da violência contra eventuais oposições ou críticas.

Uma ocultação de vários fatos se dá aqui com o propósito de diminuir o papel do Hamas no cenário político palestino. A Autoridade Palestina se alinha a “Israel”, inclusive com acordos de cooperação na repressão do povo palestino, sendo notoriamente um fantoche do sionismo. As eleições anuladas, no caso, foram fraudadas de maneira sistemática em prol da AP junto a “Israel” e o imperialismo, contra o Hamas, que ganhou apesar da fraude.

Assim, a suposta controvérsia sobre a força do Hamas nada mais é que pura propaganda sionista, o que se exemplifica pela afirmação genérica e caluniosa de violência contra oposição. Fato é que apesar de ganhar a eleição, o Hamas fez uma proposta de governo de coalizão junto com a AP, que não aceitou tal acordo e buscou exterminar o Hamas, levando a um enfrentamento entre ambos. Na Faixa de Gaza, o Hamas foi vitorioso, e estabeleceu o governo de fato eleito pelos palestinos, enquanto a Cisjordânia permaneceu sob o controle da AP, sustentada política e materialmente por “Israel” e pelo imperialismo.

A ofensiva terrorista promovida pelo Hamas, em outubro de 2023, com seu cortejo de crueldades, teve grande impacto no mundo e, em especial, na sociedade israelense, mobilizada pelo desejo de vingança. Entretanto, o massacre da população em Gaza que teve início desde então, já há muito ultrapassou qualquer proporção. O bombardeio indiscriminado de uma população indefesa sem meios de contra-atacar é covarde e injustificável.

As calúnias iniciais tinham por propósito a conexão com a calúnia do próprio 7 de Outubro. Não houve nada que se possa chamar de “cortejo de crueldades” por parte do Hamas, o que já foi admitido pela própria imprensa sionista israelense em diversas vezes.

As mortes de civis israelenses foram provocadas pelas tropas de “Israel”, que alvejaram com veículos e armamento pesado todas as pessoas que viram, de maneira indiscriminada. Portanto, quando Reis fala em um massacre que “já ultrapassou qualquer proporção”, como se houvesse proporção aceitável de massacre, é com base nessa falsificação, uma justificativa para o genocídio.

Apesar de afirmar ser injustificável, Reis no mesmo parágrafo buscou justificar os bombardeios por meio de mentiras. Então, novamente, o falsificador busca jogar sobre a população árabe o genocídio palestino:

Enquanto isso, os Estados Unidos e os principais Estados europeus permanecem apoiando o atual governo israelense ou mudos e passivos (China e Rússia, Índia), naturalizando o matadouro em que se tornou Gaza. Até mesmo os estados árabes, dando continuidade às suas políticas tradicionais de instrumentalização dos palestinos e de conciliação com Israel, limitam-se a declarações inócuas de solidariedade.

Como vimos na segunda parte desta série, é tradicional do autoafirmado sionismo “de esquerda” centrar fogo nos países árabes pelas práticas de “Israel”. É revelador o número de palavras dedicado a isso, em comparação com a denúncia da participação decisiva dos EUA e das potências europeias no genocídio, com o fornecimento de todo tipo de recursos e armamento.

Após toda essa onda de sionismo, Reis se presta ao papel de encobrir o que está evidente, e denuncia a inação do governo brasileiro sobre o genocídio, além da falta de atividades da esquerda nacional. Em seguida, fala em “débeis […] sinais de um movimento de indignação”, o que, considerado o conjunto da obra, tem por meta diminuir a mobilização por todo o planeta em prol da população palestina.

Reis não cita as enormes manifestações em países centrais do imperialismo, como EUA, Inglaterra e França, além dos países árabes. Não fala na continuidade dessas manifestações, apesar de uma forte repressão desencadeada contra elas, e até da proibição das mesmas, como na Alemanha e no Reino Unido — que até agora, não tiveram sucesso em parar o movimento —, ou nas deportações e expulsão de universidades em decorrência de protestos, como nos EUA.

Reis também ignora o papel importante do Hesbolá, do Líbano, do Qataeb Hesbolá do Iraque e destacadamente do Ansar Alá, do Iêmen, em apoio militar ao povo palestino, atacando o Estado de “Israel” diretamente, além do Irã. Reis busca pintar um quadro de que o povo palestino está abandonado por tudo e todos, e principalmente pelo povo árabe, o que não poderia estar mais longe da realidade. Sobre tudo isso, o autor cita apenas:

“(…) começam a despontar, porém, embora ainda débeis, sinais de um movimento de indignação. O governo da África do Sul, em maio do ano passado, denunciou Israel no Tribunal Internacional de Haia por prática de genocídio. Os governos de outros estados europeus (Espanha, Holanda, Suécia e Irlanda), de forma tímida, pressionam a União Europeia a condenar o massacre.

Além disso, manifestações públicas, em várias sociedades europeias, protestam contra a carnificina.

A campanha em solidariedade ao povo palestino, que vem abalando a situação política internacional, colocando o imperialismo numa crise gigantesca, é reduzida apenas a esses fatos citados. Então, Reis cita os protestos no interior de “Israel”.

É claro, não o faz para destacar a crise existencial por que passa o regime sionista, mas para ressaltar uma participação israelense nos protestos, o que não ocorre pelos mesmos motivos, a solidariedade, mas pela crise em que foi colocado o regime e o próprio Estado sionista. Eis sua conclusão:

Os palestinos, entregues a si mesmos, usados, abusados, humilhados e tiranizados, feridos e assassinados transformam-se definitivamente em novos judeus. E é uma tragédia histórica irremediável que parte dos próprios antigos judeus se tornem os perpetradores e responsáveis por esta transformação.

Um final sem sal, sem perspectiva. Uma tragédia, afinal, o que restaria fazer? Nada, segundo o que concluiria naturalmente um leitor de Daniel Aarão Reis, mas isso não é fato.

É preciso ir às ruas, se somar e organizar a campanha de solidariedade, ampliá-la no Brasil. Apesar do que colocou Reis, existe uma disposição forte na população em se mobilizar em prol do povo palestino, que está contida pela infiltração de elementos sionistas na esquerda.

É preciso denunciá-los claramente e acabar com a confusão. Não se trata apenas de denunciar o genocídio, mas de apoiar decididamente a resistência, a luta armada do povo palestino por sua libertação que, inevitavelmente, ocorrerá.

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Last Update: 07/06/2025