Continuamos aqui a polêmica iniciada ontem com o artigo intitulado Os novos judeus, escrito pelo historiador Daniel Aarão Reis para o blogue A Terra é Redonda. Na primeira parte, vimos que o autor falsifica a história do sionismo, colocando-o como um mero movimento oposto ao antissemitismo, e natural no meio judaico.

Pelo contrário, o movimento foi financiado pelo imperialismo, e se utilizou de falsificações, inclusive de cunho religioso, para justificar seu projeto abertamente colonial na Palestina. O projeto nada tinha a ver com a segurança dos judeus, entre os quais de início não angariou popularidade significativa, sendo esse apenas um pretexto utilizado pelo sionismo.

Nesta segunda parte, se torna mais explícita a defesa do sionismo pelo artigo, quando Aarão Reis busca colocar sobre os árabes a culpa pelo genocídio do povo palestino. Coincidentemente, iniciamos com a segunda parte do texto de Daniel Aarão Reis, o qual está dividido em três. O articulista comenta sobre a crise gerada na Palestina, cujo motivo foi falsificado e contraposto ainda em nosso artigo anterior:

A alternativa proposta – e aprovada pela Assembleia Geral da ONU – foi a partição da Palestina entre judeus e árabes. Neste contexto, fundou-se o Estado de Israel, em 1948, hegemonizado na época por um Partido Trabalhista, filiado à Internacional Socialista, de orientação laica, e dispondo de simpatias das duas superpotências emergentes da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos e a União Soviética.

Entretanto, opondo-se à partilha do território, considerando-se excluídos do compromisso aprovado, os Estados árabes vizinhos (Egito, Jordânia e Síria) não tiveram interesse em patrocinar a formação de um Estado palestino. Ocuparam o território destinado a isto e declararam guerra ao novo Estado de Israel. Foram derrotados num conflito que durou pouco menos um ano (maio de 1948 a março de 1949), no âmbito da qual os árabes palestinos foram os que mais sofreram, expulsos de muitas de suas terras, batidos e humilhados.

Em primeiro lugar, é preciso colocar que a proposta aprovada pela ONU não contou com o voto de nenhum dos países da região em torno da Palestina, e nem com a anuência da população que lá vivia. Os países árabes se recusaram a participar da farsa da votação, movida pelo imperialismo.

À época, a URSS já estava dominada pelo stalinismo, que apoiou o projeto sionista de maneira decisiva, mais um dos crimes do stalinismo, ajudando a encobrir o plano colonial e supremacista racial. Assim, a esquerda foi utilizada, com a parceria do stalinismo, para disfarçar o projeto e conseguir levá-lo adiante. Sem o apoio dos países árabes, a URSS foi fundamental para a implementação do projeto pelo imperialismo.

Mais que isso, a suposta orientação laica do Partido Trabalhista sionista era, tal qual o apoio do stalinismo, não uma marca da política levada adiante, mas parte da fachada para conseguir implementar um projeto tão reacionário, e em tão profunda contradição com toda uma população nativa e com todos os países da região, apesar da influência imperialista. O projeto colonial e supremacista chegou a ser caracterizado como um socialismo. Aqui, é claro, ressaltamos que seria um “socialismo” de caráter supremacista racial e de caráter nacionalista imperialista, poderíamos chamá-lo até de maneira precisa como nacional-socialista.

O “historiador” destaca que “os países árabes não tiveram interesse em patrocinar a formação de um Estado palestino”. Ora, mas eles não queriam a consolidação do Estado de “Israel”, a questão não era a oposição à criação de um Estado palestino, que se encontrava colonizado pela Inglaterra e foi passado para os sionistas, após o afogamento da revolta da população local em sangue pelas forças armadas britânicas.

O suposto historiador confunde, e aqui não podemos considerar que seja desconhecimento, a oposição à criação de “Israel” com a oposição à criação da Palestina, ligando um diretamente a outro, como se fosse a votação na ONU algo minimamente democrático, e não uma imposição colonial, mas a coisa piora. Reis lembra que os territórios palestinos sofreram uma ocupação pelo Egito e a Jordânia, mas caracteriza o episódio como uma guerra contra “Israel”.

Ocorre que no momento inicial da Nakba, não se abre uma guerra total contra “Israel” por parte dos países árabes, mas uma disputa por esses territórios deixados à míngua após a repressão imperialista e frente à crescente ocupação sionista. Reis tenta defender a tese da suposta supremacia militar sionista e jogar a culpa do massacre dos palestinos sobre países que nada tiveram a ver com a implantação do projeto sionista. Isso fica explícito no parágrafo seguinte:

Uma parte deles [palestinos] permaneceu em Israel, tornando-se ali cidadãos de segunda classe. A maior parte agrupou-se como pode em campos de refugiados ou nas pequenas cidades das regiões que passaram ao controle do Egito (a faixa de Gaza) e da Jordânia (a Cisjordânia). Seus sofrimentos e desterro ganharam uma palavra árabe: al-Nakba, a catástrofe. A saga dos ‘novos judeus’ tinha apenas se iniciado.

A Nakba, na fantasia aloprada do autor, não é relacionada diretamente à remoção forçada e ao genocídio perpetrado pelos sionistas, mas ao Egito e à Jordânia! Frente a tal absurdo, Reis centra o foco sobre os sionistas, e sua “nova saga”, como se os genocidas amparados pelo imperialismo fossem algum tipo de vítimas na situação, e não os maiores criminosos envolvidos nela. Em diante:

O Estado de Israel, sob as referências de uma democracia liberal, tornou-se aliado incondicional dos Estados Unidos e dos principais estados europeus. Apoiado militar, política e diplomaticamente pelas potências ocidentais, armado até os dentes, dispondo de uma população altamente instruída, passou a ser visto pelos árabes como uma espécie de enclave ocidental ancorado no mundo árabe.

É interessante a caracterização de “Israel” como uma “democracia liberal” pelo autor, quando o próprio articulista afirmou no parágrafo anterior que os palestinos residentes no novo país eram explicitamente cidadãos de segunda classe. Trata-se de outra forma para dizer que se estabeleceu um apartheid, regime associado em geral à África do Sul, não à toa uma grande aliada de “Israel”. A colônia imperialista, então, não é caracterizada desta forma, só “passou a ser vista” assim “pelos árabes”.

Frente ao período de ascensão do nacionalismo árabe, novamente estes são colocados em oposição aos palestinos, ignorando-se a política imperialista e sionista: “mas os palestinos cedo perceberiam que os Estados árabes estavam dispostos à luta contra Israel até o último… palestino.” Vale ressaltar que Aarão Reis não cita qualquer fato que corrobore esta afirmação, e também não cita que os países árabes em grande medida estão sob controle direto, forte influência ou sob ameaça imediata do imperialismo. Simultaneamente, o autor ressalta o que seria uma suposta autonomia de “Israel”:

No contexto da Guerra Fria e da radicalização nacionalista árabe, seguiram-se três guerras. A de outubro de 1956 durou cinco dias. Israel aliou-se aos Estados inglês e francês”. Veja que “Israel aliou-se”. Não é que os donos, signatários dos acordos de Sykes-Picot, intervieram para garantir seu investimento, reforçar o enclave sionista e impedir a nacionalização do Canal de Suez pelo Egito.

Outra citação interessante é a seguinte, comentando sobre a derrota árabe na Guerra dos Seis Dias: “Uma nova catástrofe para os palestinos, pois a dominação dos Estados árabes vizinhos seria agora substituída pela dominação direta dos israelenses.

É interessante, pois sugere que a dominação árabe anterior é ao menos em algum teor, indiretamente, uma dominação por parte do sionismo. Naturalmente, Daniel Aarão Reis ignora este fato, apesar de ele se tornar explícito logo na sequência:

A situação ainda iria piorar – e muito – para os palestinos no chamado ‘setembro negro’. Ocorreu em setembro de 1970, quando as tropas árabes da Jordânia chacinaram as unidades guerrilheiras da OLP estacionadas no país, expulsando-as para o Líbano, com o objetivo de preparar condições para uma normalização de suas relações com Israel. Em fins deste funesto mês, morreria o grande líder nacionalista egípcio Gamal Abdel Nasser, incentivador maior da OLP. Os palestinos, mais uma vez, constatavam a fragilidade das alianças com seus irmãos árabes.

O governo da Jordânia é uma monarquia estabelecida e mantida no poder pelo imperialismo. Nesse sentido, não se pode ver a atitude do governo como de um “irmão árabe”, pelo contrário, é um Estado tutelado pelo imperialismo, logo, pelo sionismo.

Assim, novamente o cenário de massacre dos palestinos é colocado como fruto da ação ou inação do povo árabe. O acordo de Camp David é citado, mas não o fato de que o governo egípcio, que reconheceu o Estado de “Israel”, também o fez sob a pressão do imperialismo e do sionismo, numa ruptura com a política nacionalista de Nasser.

O artigo de Daniel Aarão Reis possui ainda uma terceira parte, que será objeto de uma terceira polêmica neste Diário Causa Operária.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 05/06/2025