O Supremo Tribunal Federal enfrenta um julgamento crucial em 2025, destinado a responsabilizar os arquitetos da tentativa de golpe que culminou nos ataques às sedes dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023. Entre os acusados está o ex-presidente Jair Bolsonaro, imputado por conspiração para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva após as eleições de 2022. As acusações abrangem participação em organização criminosa e suposto conhecimento de planos para assassinar figuras políticas proeminentes. Além disso, Bolsonaro enfrenta alegações de fraude em cartões de vacinação, por inserir dados falsos que indicavam ter sido vacinado contra a Covid–19, embora não tenha se imunizado, e de apropriação indevida e venda ilegal de joias de alto valor recebidas como presentes oficiais durante seu mandato. O julgamento ocorre em um contexto de persistente polarização política e desconfiança nas instituições democráticas.
A sociedade brasileira, profundamente dividida, tem questionado a imparcialidade e a legitimidade do STF, especialmente quando decisões judiciais afetam políticos de destaque. Essa crise de confiança não é exclusiva do Brasil, tribunais constitucionais em diversas partes do mundo, como nos Estados Unidos, enfrentam desafios semelhantes. A Suprema Corte norte-americana tem sido criticada por decisões percebidas como politizadas, comprometendo sua autoridade moral e reforçando a desconfiança nas instituições. A decisão que revogou o precedente cinquentenário estabelecido em Roe vs. Wade sobre o direito ao aborto, vista como resultado de uma composição conservadora do tribunal, nomeado majoritariamente por presidentes republicanos, gerou intensos debates sobre a imparcialidade dos magistrados e sua interferência em questões profundamente divisivas na sociedade.
No caso brasileiro, fatores específicos agravam a percepção pública de parcialidade e politização excessiva do STF. Primeiro, a forma como a Corte conduz seus processos decisórios frequentemente compromete sua credibilidade, caracterizando-se por deliberações fragmentadas e falta de transparência. A divulgação antecipada de votos e a predominância de julgamentos individualizados prejudicam a coerência institucional e reforçam as críticas a respeito da parcialidade.
Além disso, o enfraquecido presidencialismo de coalizão pressiona o STF a assumir um papel político cada vez mais ativo. O tribunal, que se tornou um pilar essencial da governabilidade, tem ampliado sua influência nas negociações entre os Poderes, com destaque para a atuação do ministro Flávio Dino nas tratativas com o Legislativo e o Executivo em torno do Orçamento. A crise de autoridade do Supremo é intensificada, ainda, pela percepção pública negativa em relação aos elevados custos do Judiciário brasileiro. Em 2023, as despesas do Poder Judiciário atingiram 132,8 bilhões de reais, o equivalente a 1,2% do PIB nacional. Desse total 90,2% foi destinado a gastos com pessoal, incluindo salários de magistrados e servidores. Por fim, a proximidade entre integrantes do Judiciário e figuras proeminentes do mercado, que frequentemente financiam eventos e outras atividades, levanta preocupações sobre possíveis conflitos de interesse.
Em 2025, o STF enfrenta o desafio de equilibrar sua função de guardião da Constituição com a necessidade de manter sua legitimidade perante uma sociedade cética e polarizada. É essencial que adote uma comunicação clara e transparente, tornando acessíveis as justificativas de suas decisões e reafirmando seu compromisso com a democracia. Além disso, deve buscar maior coerência em suas deliberações, promovendo debates que resultem em decisões colegiadas mais coesas. Reconhecer a crise de confiança nas instituições e adotar uma postura imparcial, evitando qualquer sinal de alinhamento político, é imprescindível para preservar a sua credibilidade.
A condução do julgamento dos responsáveis pela tentativa de golpe de 2023 será um teste crucial para o futuro da democracia brasileira e para a confiança pública no sistema judicial. A maneira como o STF lidará com esse processo poderá consolidar sua autoridade institucional ou, caso contrário, aprofundar as percepções de politização e deslegitimação da Justiça. Mais que nunca, o STF precisa reafirmar sua autoridade, para que o notável trabalho que tem realizado na defesa da ordem democrática seja reconhecido como uma vitória de todos. •
Publicado na edição n° 1347 de CartaCapital, em 05 de fevereiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Justiça ou politização?’