A Justiça Federal do Rio de Janeiro estabeleceu prazos para que a União e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) apresentem um cronograma de trabalho, um plano de gestão e relatórios sobre o andamento das obras no Sítio Arqueológico do Cais do Valongo. A decisão foi proferida na quarta-feira (21).
A Justiça Federal determina que a União e o Iphan apresentem, em 30 dias, o cronograma de trabalho. Em 120 dias, o Iphan deve apresentar o plano de gestão exigido pela Convenção do Patrimônio Mundial e pela decisão do Comitê do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O plano deve ser elaborado e aprovado pelo Comitê Gestor do Sítio Arqueológico e contemplar as medidas estruturais voltadas ao planejamento, implementação e monitoramento da gestão do bem.
Além disso, a União e o Iphan devem divulgar à sociedade relatórios anuais contendo os resultados obtidos no período em relação às ações previstas no plano de gestão, pelo prazo de cinco anos.
Caso os prazos não sejam cumpridos, a Justiça estabeleceu aplicação de multa de R$ 1 mil por dia de atraso, limitada ao teto de R$ 5 milhões a ser recolhida ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos.
Relatório
O Cais do Valongo, localizado na zona portuária do Rio de Janeiro, foi o maior porto escravagista da História. Estima-se que entre 500 mil e 1 milhão de africanos escravizados tenham desembarcado no local para serem transferidos para diferentes regiões do país.
O documento afirma que quase um quarto de todos os africanos escravizados nas Américas foram trazidos para o Brasil e, desses, cerca de 60% entraram no país pelo Rio de Janeiro.
O documento acrescenta que, de acordo com informações da Riotur, a memória do local tentou ser apagada em ao menos dois momentos: em 1843, quando foi ampliado e reparado para a chegada da futura imperatriz Tereza Cristina, que se dirigia ao Brasil para se casar com D. Pedro II; e em 1911, quando foi aterrado para dar lugar a Praça do Comércio.
O Valongo foi redescoberto em escavações arqueológicas a partir de 2011, por conta das obras para as Olimpíadas do Rio 2016. Em 2017 foi reconhecido como Patrimônio Mundial pela Unesco.
Como contrapartida à concessão do título de patrimônio mundial ao sítio arqueológico do Cais do Valongo, o Estado brasileiro comprometeu-se, perante a Unesco, a instalar, no Armazém Central, um Centro de acolhimento turístico e um memorial da celebração da herança africana, em referência ao sítio, situado exatamente em frente ao prédio federal tombado.
“É lamentável que o projeto ainda não tenha sido finalizado. Agora, em audiência realizada nestes autos em março de 2024, foi anunciado que o projeto executivo tem previsão para ser concluído apenas em setembro de 2025. Esse atraso reflete uma preocupante negligência com a preservação da memória histórica e a importância de honrar as vítimas da escravidão, retardando a criação de um espaço fundamental para a educação e a justiça social”, diz a sentença.
A decisão diz ainda que o papel do Judiciário, neste contexto, é assegurar que o poder público estabeleça e cumpra prazos para a apresentação dos projetos que devem ser elaborados em conjunto com a sociedade civil e o comitê gestor. O Judiciário deve garantir que essas etapas sejam realizadas de forma eficiente, respeitando o processo democrático de discussão e planejamento, sem substituir a competência do Executivo na execução das políticas públicas.
A sentença é referente à ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), pela Defensoria Pública da União e pelo Município do Rio de Janeiro. A Agência Brasil procurou a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Iphan e aguarda posicionamento.