A justiça brasileira, em um ataque direto aos direitos das mulheres, condenou quatro em cada cinco pessoas denunciadas por aborto ou por permitir o procedimento em terceiros, entre 2012 e 2022. Os dados, extraídos de um estudo do Anis Instituto de Bioética, expõem a brutalidade do sistema judiciário contra as mulheres no País, revelando uma perseguição que se estende para além das sentenças. A pesquisa mostra que, nesse período, pelo menos 218 dessas pessoas foram submetidas ao sistema penitenciário, com 175 prisões ocorrendo de forma preventiva, ou seja, antes mesmo de um julgamento final.
Além das condenações que resultaram em detenção, parte das mulheres foi submetida a outras penas, como a prisão domiciliar ou as condições impostas pela Suspensão Condicional do Processo, um benefício legal que obriga o réu a cumprir certas regras, incluindo comparecimento periódico em juízo e proibição de frequentar determinados lugares. O estudo do Anis demonstra que, independentemente de terem sido condenadas ou não, a maioria das mulheres denunciadas é submetida a situações punitivistas, como uma prolongada perseguição judicial.
A codiretora do Anis, Luciana Brito, denunciou essa perversidade do sistema. Ela afirmou que “essa é a perversidade do sistema. Elas passam muitos anos respondendo ao juízo, com mecanismos de controle”.
A pesquisa identificou 186 pessoas submetidas ao Tribunal do Júri. Os processos judiciais frequentemente recorrem a estereótipos de gênero para justificar as punições, com documentos que descrevem as denunciadas como “maléficas”, “frias” ou “reprováveis”, o que mostra o caráter moralista e punitivista da justiça.
Brito também ressaltou que a pesquisa “demonstra padrões de violações sistemáticas na criminalização do aborto”. Ela apontou que grande parte dos processos penais por aborto se move por meio de provas ilícitas, sem materialidade, ou com o uso de confissões obtidas sob intimidação, ou coação dentro dos próprios estabelecimentos de saúde.
Em casos de emergências obstétricas, profissionais da saúde chegaram a negar atendimento, ameaçar pacientes e quebrar o sigilo médico para denunciá-las. “Em vez de oferecer cuidado, os hospitais atuam como espaços de investigação e violência”, afirma o documento.
A pesquisadora informou que foram identificados relatos de mulheres que confessaram o aborto após serem ameaçadas em unidades de saúde. As ameaças incluíam frases como: “se você não confessar, vou colocar um medicamento na sua veia que vai te matar” ou “vou te deixar sangrando até morrer”. Nem crianças com histórico de violência sexual são poupadas da perseguição judicial.
Em pelo menos nove processos analisados, as denúncias partiram de conselheiros tutelares. Há inclusive casos de violação da intimidade, com dados como nome, endereço e histórias de adolescentes expostas em documentos públicos, uma clara violação de direitos.
O estudo ainda localizou situações em que o acesso ao aborto legal é negado, mostrando que vítimas de violência sexual e aborto forçado foram perseguidas e ameaçadas pelo sistema de justiça. Em um dos processos analisados, a ré relatou ser abusada sexualmente desde os 15 anos pelo pai, o que culminou na sua gravidez.
Obrigada a tomar chás e remédios abortivos e, embora figurasse como vítima de estupro, foi denunciada pelo crime de aborto em coautoria com o abusador, evidenciando a barbaridade do sistema. Essa denúncia do ataque da justiça brasileira contra as mulheres, com utilização de métodos lavajatistas e desumanos, precisa ser enfrentada com uma ampla mobilização das forças da esquerda e das organizações de luta das mulheres, que devem defender o direito irrestrito ao aborto.