O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) autorizou a farmácia Nitratus Homeopatia e Manipulação, localizada em Mogi das Cruzes, na Região Metropolitana da capital, a fabricar e comercializar produtos derivados de cannabis sativa.
A decisão, proferida em 27 de maio, impede que a Vigilância Sanitária do município aplique sanções à empresa com base na restrição imposta pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) quanto à comercialização da substância.
A decisão foi tomada pela 5ª Câmara de Direito Público do TJ-SP após a farmácia ajuizar uma ação preventiva. A empresa alegou que a regulamentação atual da Anvisa permite a venda de produtos de cannabis apenas por farmácias convencionais com autorização para dispensação de medicamentos industrializados, excluindo as farmácias de manipulação.
Segundo a argumentação, essa norma violaria os princípios da isonomia e da livre concorrência previstos na Constituição Federal.
Durante o julgamento, o relator do processo, desembargador Magalhães Coelho, considerou que a regra da Anvisa representa uma “reserva de mercado injustificada” em favor da indústria farmacêutica e das drogarias.
De acordo com o magistrado, não há justificativa técnica para impedir que farmácias de manipulação autorizadas e fiscalizadas comercializem produtos à base de cannabis, especialmente considerando que esses estabelecimentos estão sujeitos a controles sanitários rigorosos.
“O argumento de proteção à saúde pública não se sustenta diante da realidade regulatória vigente, que já permite a importação de produtos à base de cannabis por pessoas físicas sem qualquer controle técnico nacional”, afirmou Coelho em seu voto.
Segundo ele, o tratamento diferenciado conferido pela Anvisa cria uma limitação que, além de contrariar os princípios constitucionais mencionados, não encontra respaldo técnico ou científico suficiente.
A Vigilância Sanitária de Mogi das Cruzes, por sua vez, defendeu a legalidade da norma da Anvisa. Segundo o órgão, a restrição decorre de análise técnica realizada pela agência reguladora, que possui competência legal para disciplinar o uso e a comercialização de substâncias sujeitas a controle especial, como é o caso da cannabis.
O órgão municipal também afirmou que a vedação busca minimizar riscos sanitários associados ao uso e à produção inadequada de medicamentos com derivados da planta.
No entanto, os desembargadores da 5ª Câmara de Direito Público rejeitaram os argumentos da vigilância local e mantiveram o entendimento do relator, assegurando à Nitratus o direito de manter suas atividades de manipulação e comercialização de produtos à base de cannabis, desde que obedecidas as normas sanitárias aplicáveis às farmácias do setor.
A sentença tem efeito imediato e impede que a Vigilância Sanitária aplique qualquer medida administrativa contra a empresa em razão da fabricação ou venda de substâncias derivadas de cannabis sativa. A decisão, no entanto, se aplica apenas à farmácia autora da ação e não altera diretamente a regulamentação nacional em vigor.
A Anvisa estabelece, desde 2019, que apenas produtos de cannabis industrializados e autorizados previamente podem ser vendidos em farmácias comuns, mediante receita médica. As farmácias de manipulação ficaram fora desse escopo, o que tem motivado ações judiciais de empresas que buscam autorização para atuar nesse mercado.
O tema tem sido objeto de discussão no setor regulatório e no Judiciário. Decisões semelhantes já foram tomadas por tribunais em outros estados, com base em fundamentos constitucionais e na avaliação de que as farmácias de manipulação estão sujeitas a exigências técnicas compatíveis com a produção e a comercialização desses produtos.
A decisão do TJ-SP é considerada um precedente relevante no debate sobre a regulamentação da cannabis medicinal no país, uma vez que amplia a possibilidade de oferta desses produtos por estabelecimentos farmacêuticos não-industriais, sob fiscalização sanitária. Ainda não há definição sobre eventual recurso da Anvisa ou da prefeitura de Mogi das Cruzes contra a sentença.
No Congresso Nacional, tramitam projetos de lei que tratam da produção, comercialização e regulação do uso medicinal da cannabis, mas nenhuma proposta foi aprovada até o momento. Enquanto isso, a judicialização tem sido a principal via utilizada por pacientes, médicos e empresas para viabilizar o acesso e a oferta dos produtos no país.