O Google não apenas foi o principal mecanismo de buscas na internet nas duas últimas décadas, mas definiu a maneira como as pessoas exploram conteúdo na rede. Devido a esse domínio, projetos de empresas concorrentes já nasceram e morreram, enquanto outros buscadores disputam uma ínfima parcela de mercado.
Toda essa superioridade, porém, pode ter sido fruto de sucessivas violações da lei antitruste dos Estados Unidos, indica a decisão de um juiz federal norte-americano publicada na última segunda-feira 5. A ordem pode ser um marco para as empresas de tecnologia.
Amit Mehta, juiz do Tribunal Distrital dos EUA para o Distrito de Columbia, considerou que o Google gastou bilhões de dólares em acordos exclusivos para se manter como o principal meio de buscas em aparelhos.
“Após ter considerado e pesado cuidadosamente o depoimento e as evidências das testemunhas, o tribunal chega à seguinte conclusão: o Google é um monopolista e agiu como tal para manter seu monopólio”, diz um trecho da sentença, de quase 300 páginas.
O juiz atendeu a um pedido do Departamento de Justiça dos EUA, que argumentou que o Google pagava valores a operadoras de telefonia móvel, fabricantes de dispositivos e desenvolvedores de navegadores. Apenas em 2021, segundo a decisão, os pagamentos totalizaram 26 bilhões de dólares.
Um dos fabricantes é a Apple. Não é de hoje que a Justiça norte-americana investiga os acordos entre as duas empresas, mas documentos em juízo já revelaram que só em 2022 o monante pago girou na casa dos 20 bilhões de dólares.
Os acordos de distribuição do Google, segundo Mehta, “bloqueiam uma parte substancial do mercado de serviços de busca geral e prejudicam as oportunidades dos rivais de competir”. Outro efeito direto do monopólio é que, desta forma, o Google pode “aumentar consistentemente os preços da publicidade online sem consequências”, aponta a Justiça.
O domínio do Google como mecanismo de buscas permite à empresa ter uma boa receita em publicidade. No ano passado, as receitas com publicidade somaram 175 bilhões de dólares – mais da metade do total da empresa, que ficou em 307 bilhões de dólares.
A empresa disse que recorrerá da decisão e que o domínio de mercado, na verdade, se deve à qualidade dos seus produtos. Segundo a big tech, a sentença reconhece o Google como o melhor mecanismo de buscas. “À medida que esse processo continua, continuaremos focados em criar produtos que as pessoas considerem úteis e fáceis de usar”, disse o presidente de assuntos globais, Kent Walker.
Já o governo de Joe Biden disse que a decisão é “uma vitória para o povo americano”. “Como o presidente Biden e a vice-presidente Harris disseram há muito tempo, os americanos merecem uma internet livre, justa e aberta à competição”, afirmou a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre.
O Departamento de Justiça dos EUA, por meio de seu chefe da divisão antitruste, Jonathan Kanter, classificou de “histórica” a decisão, chamando a atenção para o fato de que ela “abre caminho para a inovação para as gerações futuras e protege o acesso à informação para todos os americanos”.
Ainda não se sabe, na prática, quais penalidades serão aplicadas ao Google e como a decisão, caso seja referendada pelas instâncias superiores, poderá remodelar as ferramentas de busca.
O juiz evitou aplicar uma multa ao Google por um motivo simples: isso seria uma “gota no oceano para uma empresa enorme e muito lucrativa”, segundo a sentença. Além disso, multas não são “a principal forma pela qual o sistema antitruste americano aplica a lei”, de acordo com Mehta.
É possível, por exemplo, que seja necessário dar início a um processo à parte, visando determinar as penalidades. De imediato, a decisão pode exigir uma nova postura dos órgãos reguladores sobre os acordos entre o Google e os fabricantes. Na sentença, Mehta criticou diretamente a “extensão a que o Google vai para evitar criar um rastro de papel para reguladores e litigantes”.