A decisão do Banco Central (BC) de manter a taxa Selic em 15% ao ano — o maior patamar em quase duas décadas — começa a mostrar seus efeitos colaterais mais duros: empresas e famílias atoladas em dívidas, consumo desaquecido e risco crescente de recessão. O que era vendido como medida de combate à inflação se transformou em um freio generalizado na economia real.
Em julho, segundo a Serasa Experian, o Brasil bateu recordes históricos: 8 milhões de empresas — um terço das existentes — tinham dívidas em atraso. Do lado das famílias, 78,2 milhões de brasileiros estavam inadimplentes, quase metade da população adulta.
Dívidas múltiplas, renda minguada
O quadro revela a dificuldade estrutural de sair da inadimplência. Cada CPF negativado acumula, em média, quatro dívidas atrasadas. No caso das empresas, cada CNPJ carrega sete compromissos não pagos.
A explicação não se resume a “má gestão financeira” — trata-se de um ambiente sufocado pelo custo do crédito. Além dos juros, a explosão das apostas esportivas também tem sido apontada por economistas como fator de corrosão do orçamento das famílias de baixa e média renda.
Quando o salário acaba antes do fim do mês, a população recorre ao crédito caro, e o resultado é mais inadimplência. É um círculo vicioso alimentado pela política monetária.
Empresas menores na corda bamba
O impacto mais grave recai sobre as micro e pequenas empresas, responsáveis por 70% dos empregos no país. Das 8 milhões de empresas inadimplentes, 7,6 milhões são desse porte, somando 52,8 milhões de dívidas negativadas. Sem histórico sólido de crédito ou garantias, essas companhias encontram portas fechadas nos bancos e têm dificuldade para refinanciar débitos.
O risco é de um efeito dominó no emprego, já que a fragilidade dessas empresas pode se traduzir em fechamento de vagas em massa. “A inadimplência nesse segmento não é apenas um dado estatístico, mas uma ameaça direta ao mercado de trabalho”, observa Camila Abdelmalack, economista-chefe da Serasa Experian.
Crédito travado, atividade em queda
Outro sintoma do aperto monetário é a retração na concessão de crédito. Em 12 meses, o volume de empréstimos caiu tanto para pessoas físicas quanto para empresas. Isso não só limita a renegociação de dívidas como restringe investimentos e consumo, aprofundando a desaceleração econômica.
O próprio Banco Central registrou que a inadimplência no crédito livre atingiu 5,2% em julho, o maior nível desde 2017. Entre consumidores, chegou a 6,5%; entre empresas, 3,3%.
Uma política que cobra dos mais frágeis
Apesar do desemprego estar em mínima histórica e do PIB ainda mostrar crescimento, embora em desaceleração, a inadimplência segue batendo recordes. Isso indica que a política monetária atual está descolada da realidade social: não basta haver emprego se os salários são corroídos pelo crédito caro e pela inflação acumulada.
Críticos apontam que o BC age como se estivesse diante de uma economia superaquecida, quando na prática empurra famílias e empresas para um cenário recessivo. A estratégia atinge especialmente os mais vulneráveis — os pequenos empreendedores, os assalariados de baixa renda e os consumidores que dependem de crédito para sobreviver.
Perspectivas: alívio só com queda de juros
Economistas projetam meses ainda difíceis. Mesmo com a expectativa de entrada de recursos extras no fim do ano — como o 13º salário e precatórios —, a reversão do quadro depende essencialmente de uma mudança na política monetária.
Sem corte expressivo na Selic, a inadimplência continuará em alta e o risco de recessão pode se tornar concreto.