O Comitê de Política Monetária (Copom) elevou nesta quarta-feira (19) a taxa Selic em 1 ponto percentual, fixando-a em 14,25% ao ano, o maior nível desde agosto de 2016. A decisão já era amplamente esperada pelo mercado financeiro, que pressionou o órgão do Banco Central para isso, especialmente após sinais claros de ajustes nas reuniões anteriores.

Este é o segundo aumento sob o comando de Gabriel Galípolo, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e reitera a preocupação com a persistência inflacionária no país. Também é o quinto aumento consecutivo, atingindo o mesmo patamar que havia sido reduzido gradualmente desde 2016.

O encarecimento dos juros impacta diretamente o crédito e os serviços financeiros, tornando empréstimos pessoais, financiamentos imobiliários e veículos mais caros. Além disso, empresas enfrentam custos crescentes para acessar linhas de crédito, o que pode desestimular investimentos privados e contribuir para um ambiente recessivo.

Pressão fiscal e disputa pela narrativa

O aumento da Selic ocorre em meio a intensas pressões do mercado financeiro por cortes de gastos públicos. Para analistas, a dívida pública brasileira tem sido uma fonte crescente de preocupação, com pagamentos robustos de juros que favorecem a especulação financeira em detrimento do investimento produtivo.

Enquanto isso, as centrais sindicais organizaram manifestações em várias capitais na terça-feira (18), criticando duramente os juros altos como entraves ao crescimento econômico. Adilson Araújo, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), indagou se “faz sentido uma economia em crescimento como a nossa, que segundo a OCDE é uma das economias que mais cresceu no mundo, seguir praticando uma taxa de juros absurda?”, inviabilizando o desenvolvimento e corroendo os avanços conquistados nas áreas de emprego e renda.

“Toda e qualquer economia do mundo está indicando que para enfrentar o problema da grave recessão é necessário reduzir juros, melhorar o consumo das famílias e indicar um processo de reindustrialização”, explicou Araújo, durante ato em frente ao Banco Central em São Paulo. Para ele, a política monetária atual beneficia sobretudo o setor financeiro, enquanto penaliza o investimento produtivo e amplia as desigualdades sociais.

Pressão fiscal e câmbio: Um equilíbrio delicado

As justificativas para manter a Selic em níveis elevados incluem a necessidade de conter a inflação e garantir a estabilidade cambial. No entanto, analistas destacam que o dólar tem mostrado sinais de estabilização, fechando em R$ 5,6635 na véspera da decisão do Copom – a menor cotação desde outubro de 2023.

Segundo Igor Barenboim, economista-chefe da Reach Capital, o comportamento do câmbio pode ser um fator determinante para decisões menos restritivas no futuro. “Um dólar em retração seria uma boa justificativa para uma política monetária menos restritiva”, afirmou, sugerindo que o Banco Central poderia adotar um tom mais “dovish” nas próximas reuniões.

Embora analistas considerem uma recessão em 2025 “muito improvável”, há consenso de que a economia brasileira enfrentará desaceleração nos próximos meses. A XP projeta que o Copom sinalizará uma redução no ritmo de ajuste da Selic nas próximas reuniões, com a taxa básica de juros chegando a 15,50% até junho.

Sérgio Goldenstein, economista-chefe da Warren, destaca que o comunicado do BC será crucial para avaliar o ritmo futuro de aperto monetário. “O Copom deve indicar que antevê como mais adequada, neste momento, a redução do ritmo de ajuste da taxa básica de juros na reunião de maio”, afirmou.

No entanto, os riscos permanecem elevados. A persistência inflacionária, somada às incertezas globais com o início do segundo mandato de Donald Trump, pode exigir cautela redobrada do Banco Central.

Alternativas para combater a inflação

Embora o aumento da Selic seja visto como uma medida tradicional para conter a inflação de demanda, especialistas apontam que nem sempre é a solução mais eficaz ou justa. A inflação de oferta — causada por problemas como escassez de insumos ou aumento nos custos de importação — não pode ser resolvida apenas com juros mais altos.

É possível implementar políticas que restrinjam a oferta de crédito excessivo. Isso evita um aumento da demanda que possa gerar pressões inflacionárias. O BC também pode monitorar e regular a concessão de empréstimos e financiamentos.

Pode ainda controlar e monitorar políticas monetárias. O BC pode fazer uso de outras ferramentas de política monetária, como operações de mercado aberto e requisitos de reservas bancárias, para complementar o controle da inflação.

Há fatores externos que interferem na economia brasileira. A guerra entre Rússia e Ucrânia, por exemplo, envolve países que são fornecedores essenciais de insumos para o agronegócio. As restrições na importação desses insumos representam um problema de oferta, que não pode ser resolvido com o aumento da taxa de juros.

O preço das taxas de juros brasileiras está diretamente ligado ao desempenho internacional da balança comercial brasileira, muito dependente da variação no preço de commodities.

Impacto dos atuais juros altos nos Estados Unidos também afeta a política monetária no Brasil. Quando as taxas de juros aumentam no país, o capital especulativo tende a se deslocar para lá em busca de retornos mais altos. Isso diminui a oferta de dólares por aqui e aumenta a cotação do dólar e consequentemente os custos de importação, o que pressiona a inflação.

Em momentos de incerteza global, o Brasil tende a ser visto como um mercado arriscado, o que dificulta ainda mais a atração de investimentos estrangeiros e a estabilização econômica.

A inflação se refere à capacidade de compra de uma moeda. Para saber, então, como combater a inflação é preciso diagnosticar se ela é resultado de fatores de oferta ou de demanda. Para combater a inflação, resultado de um problema de demanda, o aumento da taxa de juros é vista como a solução mais óbvia. Já para combater a inflação, resultado de um problema de oferta, medidas como a redução de impostos para empresas, ou ainda que estimulem o crédito, e que facilitem e melhorem a disponibilidade de produtos podem ser mais eficazes.

Um ciclo de ajuste em fase crítica

Com a Selic em níveis recordes, o Brasil enfrenta um dilema entre controlar a inflação e estimular o crescimento econômico. Enquanto o mercado financeiro celebra a estabilização cambial e a perspectiva de juros menos agressivos no médio prazo, os trabalhadores continuam pressionando por políticas que priorizem o investimento produtivo e a distribuição de renda.

Para as centrais sindicais, a mensagem é clara: sem uma reversão na trajetória de juros altos, o país corre o risco de aprofundar desigualdades e comprometer o potencial de desenvolvimento.

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Last Update: 19/03/2025