A Polícia Federal enquadrou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em três crimes no relatório final do inquérito sobre a venda ilegal de presentes luxuosos recebidos pelo governo brasileiro: associação criminosa, lavagem de dinheiro e peculato.
No documento, enviado ao ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, os investigadores detalham a cronologia do esquema: o recebimento dos bens por Bolsonaro, o deslocamento e a venda nos Estados Unidos, e a operação deflagrada para recuperar os objetos após o caso entrar na mira da Justiça.
A Procuradoria-Geral da República tem 15 dias para decidir se denuncia o ex-presidente e os demais alvos da PF.
O primeiro delito atribuído pelos investigadores a Bolsonaro é o de peculato – quando um agente se apropria indevidamente de bens públicos. O relatório da PF cita ao menos dois kits de joias que teriam sido “subtraídos diretamente” pelo ex-capitão com objetivo de vendê-los no exterior.
Um desses conjuntos tinha abotoaduras, um anel, um rosário islâmico e um relógio Rolex de ouro branco. Ele foi entregue ao então presidente durante uma viagem à Arábia Saudita, em outubro de 2019. O outro kit – composto por um relógio Patek Phillipe Calatrava – foi recebido do governo do Bahrein em novembro de 2021.
Também há uma menção à tentativa de Bolsonaro e dos seus auxiliares de reaver objetos recebidos em 2021 de autoridades sauditas – um colar, um par de brinco, um anel, um relógio da marca Chopard e uma escultura de um cavalo dourado. Eles foram confiscados pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos (SP).
O crime não se consumou pela atuação profissional e técnica dos servidores da Receita que não aceitaram as pressões e evidenciaram o desvio de finalidade nos atos praticados pelos investigados.
A apropriação dos itens, sustentou a PF, acontecia com ajuda do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica, subordinado à Presidência. O capitão da Marinha Marcelo da Silva Vieira, responsável pelo órgão, teria o objetivo de “legalizar e consumar o desvio das joias”, adotando “interpretação contrária aos princípios da administração pública” sobre presentes oficiais.
Os objetos foram enviados aos EUA por meio de aviões da Força Aérea Brasileira. Para negociar os bens no exterior, Bolsonaro contou com a ajuda de militares que trabalhavam no Palácio do Planalto, a exemplo do tenente-coronel Mauro Cid e do segundo-tenente do Exército Osmar Crivellati.
Quem também recebeu a missão de articular a venda dos itens, segundo as investigações, é o general Mauro Cesar Lourena, pai de Cid. O dinheiro oriundo das negociações eram repassados em espécie a Bolsonaro, conforme a PF, e também teria custeado sua estadia em solo norte-americano entre dezembro de 2022 e março de 2023.
Os valores obtidos dessas vendas eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente da República, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores.
Os gastos de Bolsonaro durante a permanência nos EUA constam do material apreendido pela PF em posse do ex-ajudante de ordens Marcelo Câmara. Antes de deixar o Brasil, na antevéspera da posse de Lula (PT), o ex-capitão transferiu 800 mil reais da sua conta no Banco do Brasil para uma conta no BB Américas.
Ao deixar os EUA, Bolsonaro possuía o mesmo valor em conta, um indicativo de que teria utilizado apenas dinheiro em espécie para bancar a estadia no exterior. Esse método, concluiu a PF, é “uma das formas mais usuais para reintegrar o ‘dinheiro sujo’ à economia formal, com aparência lícita”. Estaria, portanto, configurado o crime de lavagem de dinheiro, previsto na Lei 9.613/1968.
As joias na mira da investigação somam cerca de 6,8 milhões de reais, de acordo com a PF.
Sabe-se que pelo menos 68 mil dólares (cerca de 372 mil reais em valores atualizados) em espécie chegaram a Bolsonaro por intermédio do general Lourena Cid, segundo o general relatou em depoimento.
Ao atribuir o crime de associação criminosa a Bolsonaro, a PF argumentou que o ex-presidente tinha “plena ciência” do esquema de venda de joias e presentes ao menos desde 2019.
Ele teria agido não apenas na coordenação do envio dos itens para o exterior e na tentativa de reaver os objetos apreendidos pelo Fisco, mas para desviar o foco da investigação e ocultar o dinheiro ilícito.
Conclui-se que os investigados se associaram para consecução de um fim comum, qual seja, a prática dos crimes de peculato e lavagem de capitais, objetivando o desvio de bens de alto valor patrimonial recebidos em razão do cargo pelo ex-Presidente da República e/ou por comitivas do governo brasileiro, que estavam atuando em seu nome, em viagens internacionais, entregues por autoridades estrangeiras, para posteriormente serem vendidos no exterior.