Não é exagero dizer que a sua roupa feita de fibras sintéticas, que tem origem no petróleo, pode fazer muito mal para a sua saúde. Muitos tecidos, como poliéster, nylon, polipropileno, acrílico, lycra e até mesmo viscose – considerada semi-sintética devido ao processamento químico – não passaram em testes de segurança. Eles apresentam níveis de agentes químicos acima do considerado seguro para a saúde humana. Esses agentes podem atuar como disruptores endócrinos, causando infertilidade, obesidade e até câncer.
Esses químicos estão presentes em roupas esportivas, íntimas, infantis, uniformes, meias e bolsas. Embora essas roupas sejam elásticas, resistentes à água e absorvam o suor, não é por essas características que quase 70% de todas as roupas produzidas no mundo hoje são sintéticas. As empresas optam por produzir roupas de plástico porque são mais baratas do que os tecidos naturais.
E a lei da fast fashion é produzir mais e vender mais.
A consequência é que 35% dos microplásticos presentes nos oceanos vêm das lavagens de roupas. Como estamos em constante interação com o meio ambiente, a poluição plástica nos afeta diretamente – esses microplásticos são absorvidos pela pele quando em contato com o suor.
No Brasil, a Anvisa impõe restrições ao uso do BPA em itens como mamadeiras, mas não há discussões sobre sua presença em roupas
Em 2021, no Canadá, especialistas recolheram 38 amostras de roupas e acessórios de grandes varejistas e descobriram que uma em cada cinco peças apresentava níveis elevados de produtos químicos, como chumbo, PFAS e ftalatos. “Estou alarmada. Estamos buscando um prazer de curta duração em peças de roupas que custam caro, tanto para nossa saúde quanto para o meio ambiente. Esse custo não vale a pena”, declarou Miriam Diamond, química ambiental e professora da Universidade de Toronto.
Outro relatório, das Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos relacionou a exposição ao PFAS ao câncer, disfunção da tireoide, alterações no peso ao nascer e colesterol elevado, entre outras preocupações. Em 2023, o mesmo composto químico voltou a chamar atenção em uma nova coleta de amostras de vestuário, desta vez em roupas íntimas, uniformes escolares e capas de chuva.
Utilizados em panelas antiaderentes, roupas impermeáveis e espumas de combate a incêndios, os PFAS são conhecidos como “químicos eternos” devido à sua persistência nos produtos e no meio ambiente, sem se decompor. Esses químicos podem se acumular em nossos corpos ao longo do tempo. Pesquisadores afirmaram que os PFAS estão presentes no sangue de quase todo americano.
Em 2022, o Centro de Saúde Ambiental (CEH) lançou uma nota indicando que roupas esportivas de grandes marcas estavam expondo os indivíduos ao bisfenol A (BPA) em níveis 22 vezes superiores ao permitido pela lei da Califórnia. O BPA é um disruptor endócrino que pode interferir em funções corporais como metabolismo, crescimento e reprodução.
Mais recentemente, o CEH celebrou um acordo legal com 30 empresas para remover o BPA de meias. A organização passou três anos movendo ações contra 100 empresas, e a resposta positiva de 30% delas já foi considerada um progresso significativo.
Neste ano, a Shein, uma das principais marcas de ultra fast fashion do mundo, também foi flagrada em testes de toxicidade realizados pelo governo da Coreia do Sul. O caso chamou atenção por envolver produtos químicos em roupas infantis – um par de sapatos, por exemplo, continha 428 vezes a quantidade permitida de substâncias tóxicas. Vários produtos apresentaram níveis elevados de ftalatos, um grupo de substâncias químicas usadas para amolecer plásticos.
No corpo, os ftalatos podem causar distúrbios hormonais e estão associados à obesidade, doenças cardíacas, câncer e problemas de fertilidade. Um mês antes da exposição do caso, a União Europeia já havia colocado a Shein no grupo de empresas “grandes o suficiente para estar sujeitas a regras de segurança mais rigorosas”.
Como depender menos do petróleo?
É imprescindível a descarbonização do setor da moda. Para isso, é preciso antes admitir a dependência do setor pelo uso dos combustíveis fósseis e do plástico – que vai além das roupas de poliéster –, desinvestindo nessas fontes, ao mesmo tempo que se promove outras mais sustentáveis.
A edição especial do relatório anual de transparência do Fashion Revolution Global abordará a transparência das marcas em relação aos dados de clima e energia em suas operações e rede produtiva. Um trecho destaca: “Pelo menos 90% das emissões das marcas são produzidas no âmbito 3. Isto abrange processos como produção de fibras, tingimento e acabamento, e transformação de matéria-prima em tecido. Todos estes processos consomem muita energia, requerem muitos combustíveis fósseis e produzem enormes quantidades de emissões.”
A transição para longe do petróleo exige mudanças estruturais, incluindo maior transparência, alteração nos hábitos de consumo e empresariais e, claro, novas leis. No Brasil, essa questão é praticamente ignorada: a Anvisa impõe restrições ao uso do BPA em itens como mamadeiras, mas não há discussões sobre sua presença em roupas. Enquanto isso, empresas de fast fashion continuam a vender tops por US$ 5 e tênis por menos de US$ 10, envenenando tanto a nós quanto o meio ambiente.