O julgamento no Supremo Tribunal Federal dos envolvidos na tentativa de golpe de Estado, a partir desta terça-feira 2, é um grande avanço para o Brasil, mas não elimina o risco de novas investidas autoritárias. A análise é do professor de Direito Constitucional Daniel Capecchi Nunes, autor do livro Promessa Constitucional e Crise Democrática: O Populismo Autoritário e a Constituição de 1988, recém-lançado pela editora Lumen Juris.

Em entrevista a CartaCapital, Nunes defende que o bolsonarismo não é a causa, mas sintoma da frustração de parte da sociedade com promessas não cumpridas da Constituição. Embora a Carta Magna tenha representado uma evolução significativa em diversas áreas, o País não foi capaz de atacar devidamente problemas como a profunda desigualdade social.

Por isso, reforça o professor, além de responsabilizar os agentes que atentaram contra a democracia, é fundamental refletir sobre os motivos que permitiram a ascensão dessas figuras com o endosso da maior parte da sociedade na eleição de 2018.

“É importante, mas não é a única medida para superar o risco do retorno autoritário”, ressaltou, em referência ao julgamento. Enfrentar a decepção e o ressentimento de uma fatia nada desprezível da população tem de ser um projeto coletivo, avalia.

Uma questão central a ser combatida para tornar a democracia mais resistente a arroubos autoritários é a concentração de renda. “Da ditadura até os dados mais recentes, ela permaneceu — e até piorou durante os governos Temer e Bolsonaro.”

A discussão sobre a reforma tributária, prossegue, é um passo nessa direção. Exatamente por isso, explica o professor, há uma resistência de grupos do sistema político capturados por interesses oligárquicos, em defesa de uma minoria privilegiada.

Tornar a democracia menos suscetível ao populismo autoritário de expoentes como Bolsonaro, portanto, passa por identificar e atacar os instrumentos de captura dos sistemas político e judicial pelo poder econômico.

Outro ponto fundamental é o caos orçamentário. Nos últimos anos, o governo federal perdeu consideravelmente uma de suas atribuições mais importantes: a de executar o Orçamento aprovado pelo Congresso Nacional. O processo se acelerou sob a gestão Bolsonaro, durante a qual o então presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) acumulou um poder sem precedentes.

As consequências disso, afirma Nunes, são a falta de transparência na destinação dos recursos públicos e o uso do dinheiro para favorecer a perpetuação da desigualdade. Um dos sinais mais evidentes desse movimento são as emendas parlamentares impositivas — aquelas que o governo é obrigado a pagar.

Para 2026, o Palácio do Planalto trabalha com a projeção de 40,8 bilhões de reais em emendas de execução obrigatória. Neste ano, são 38,9 bilhões. A palavra final será do Legislativo na votação do Orçamento.

“Esses grupos vão aplicando os recursos à luz de seus interesses pessoais e eleitorais”, resumiu o professor. “Fortalecer a desigualdade e aumenta a frustração. O presidente é eleito com uma agenda homologada pelo País. Eleito, vê que seu poder orçamentário é muito menor do que imaginava e não conseguirá fazer o que se comprometeu. Isso gera frustração, crise e deslegitimação democrática.”

O processo de construção coletiva para recuperar o potencial emancipatório da Constituição de 1988, completa Daniel Capecchi Nunes, depende, em suma, de combater as diferentes faces da desigualdade, inclusive de gênero e de raça. Quanto menor for o desencanto com o que a democracia não entrega, mais frágeis e infrutíferas serão as tentativas de subverter a ordem democrática.

Assista à íntegra da entrevista:

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Last Update: 02/09/2025