O decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, afirmou nesta segunda-feira 2 que o julgamento da Corte sobre trechos do Marco Civil da Internet podem representar uma prévia do que seria a regulação das redes sociais. O magistrado ainda considerou que a discussão deve ser um “paradigma para o mundo” e provocar o Congresso Nacional a destravar os debates sobre o tema.
“É uma questão importante para o Brasil e acho que pode ser um paradigma para o mundo, como lidar com a mídia social agora que temos também o desafio da inteligência artificial”, observou Gilmar. As falas foram durante o Seminário Franco-Brasileiro de Rádio e Televisão, organizado pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, na embaixada do Brasil na França.
O julgamento em questão debate se e em quais circunstâncias as big techs podem ser penalizadas por conteúdos ilegais publicados por seus usuários. O Marco Civil, em vigor desde 2014, estabelece as regras para as plataformas no Brasil, definindo os princípios, garantias, direitos e deveres para usuários e empresas.
O trecho em análise define que as redes só podem ser condenadas por postagens de usuários caso descumpram ordens judiciais para removê-las. Três ministros já apresentaram votos até o momento, entre eles o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, que defendeu uma responsabilização parcial das plataformas por conteúdos como pornografia infantil, terrorismo e ataques à democracia.
José Dias Toffoli e Luiz Fux, relatores das ações em julgamento, votaram pela responsabilização das plataformas, mas com uma abordagem mais ampla para que as empresas sejam obrigadas a retirar conteúdos ilegais após simples notificação extrajudicial. O próximo a votar é o ministro André Mendonça, que havia pedido mais tempo para analisar o tema em dezembro passado.
Na visão do decano do Supremo, a retomada da discussão abre caminho para regras “mais duradouras” sobre a responsabilização das plataformas sobre conteúdos supostamente ilegais publicados pelos usuários “até que o Congresso se debruce sobre o tema novamente”.
“Porque tivemos uma dificuldade, como sabem, o Senado aprovou um projeto que, depois, ficou parado na Câmara, e é preciso que isso seja retomado em termos legislativos”, disse Gilmar, mencionando em seguida o que considerou desafios para o País, a exemplo dos atos de 8 de janeiro de 2023, cuja articulação ocorreu “via internet e uso da mídia social”.
Ainda segundo ele, o debate ocorre em “um momento de inflexão histórica” que exige “uma revisão fundamental de nossas premissas conceituais e marcos regulatórios”. Manter as big techs sem responsabilização, emendou Gilmar, perpetua o que considera “um regime de irresponsabilidade”, já que as plataformas “exercem poder quase que soberano sobre o discurso público sem supervisão democrática”.
O ministro ainda criticou a tese do direito à expressão absoluto, utilizada com frequência por quem refuta a ideia de regulação das redes sociais. Esse argumento, de acordo com Gilmar, “tem sido paradoxalmente invocado não para proteger posições individuais, mas para erguer um escudo protetivo dos modelos de negócios de empresas em contrapartida às frentes regulatórias”.
“Regular as redes sociais não é tolher ou, de qualquer forma, mitigar o direito fundamental à liberdade de expressão”, rebateu o magistrado. Isso porque as plataformas não já estariam a regular o discurso online: “Boa parte do sistema de moderação de conteúdo online no Brasil já está concentrado no exercício de estratégias de autorregulação por parte das plataformas”.
A autorregulação, portanto, é “controversa” em razão do “impulsionamento massivo de conteúdos de terceiros potencialmente ilícitos”, disse o ministro. “Todos esses fatores levam a crer que, embora o artigo 19 tenha sido de inegável importância para a construção de uma internet plural e aberta no Brasil, hoje o dispositivo parece que se mostra ultrapassado”.