Após quatro anos de um mandato completamente abjeto, tenebroso, genocida e cruel, o ex-presidente Jair Bolsonaro finalmente figura como réu na tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

Apesar de o julgamento da Ação Penal 2668 não tratar sobre os crimes cometidos por ele e seus subordinados durante a pandemia de Covid-19, o sentimento é de justiça sendo feita diante dos mais 700 mil mortos em decorrência da completa inação durante a condução do país naquele momento de terrível crise sanitária. A memória ainda está fresca na mente de milhões de mulheres e homens, que sofreram com todos os desmandos provocados pelo inelegível durante sua gestão à frente do Palácio do Planalto. 

As brasileiras foram tremendamente afetadas pela postura beligerante que Bolsonaro adotou durante a Presidência. Jornalistas foram xingadas, mulheres humilhadas, parlamentares desrespeitadas. A misoginia foi institucionalizada, e os efeitos são sentidos até hoje, com o aumento dos casos de assassinatos de mulheres em razão de seu gênero.

A flexibilização do porte e posse de armas contribuiu diretamente para o aumento nos casos de feminicídios; os direitos reprodutivos foram atacados. O período ficou marcado também pela menor alocação orçamentária para as políticas de enfrentamento à violência contra a mulher, além da promoção do desmonte de equipamentos públicos, como as Casas da Mulher Brasileira. Não se pode esquecer do alto índice de mortes maternas devido à falta de vacinas.

Em entrevista à Agência Brasil, a secretária de Controle Externo de Desenvolvimento Sustentável do Tribunal de Contas da União (TCU), Vanessa Lopes de Lima, explicou que nos últimos anos houve retrocessos em termos de institucionalização das políticas públicas para as mulheres, principalmente durante a pandemia de covid-19, que impactou mais fortemente as mulheres, especialmente as negras.

As políticas para as mulheres foram desempenhadas sempre por pastas que reuniam também outros objetivos, como o Ministério dos Direitos Humanos. Não ter uma pasta específica, segundo Lima, enfraqueceu a promoção de políticas públicas.

“Isso impacta negativamente a garantia de direitos das mulheres, pois enfraquece a capacidade do governo de implementar políticas eficazes e coordenadas para promover a igualdade de gênero e proteger os direitos das mulheres.”

Um exemplo é que, em 2022, ocorreu a menor alocação de recursos federais para o enfrentamento da violência contra a mulher, e o registro também de baixa execução orçamentária e redução do escopo das ações implementadas.

Entre 2019 e 2022, foram autorizados R$ 68,22 milhões para o enfrentamento da violência contra a mulher, no entanto, apenas R$ 35,34 milhões (51,8%) foram de fato liquidados. Apenas no exercício de 2022, o crédito autorizado foi de R$ 950 mil, mas não houve nenhuma liquidação de recursos. 

A falta de políticas impacta também a garantia de direitos. Em relação à violência, no primeiro semestre de 2022, 699 mulheres foram vítimas de feminicídio, o que representa uma média de quatro mulheres mortas por dia. Este número é 10,8% maior que o total de mortes registrado no primeiro semestre de 2019.

Ao olhar para trás, fica evidente que, após o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016, as brasileiras tiveram praticamente seus direitos extirpados pelos representantes da extrema direita. 

Desmonte foi projeto de governo 

Fundamental relembrar que, durante o mandato do réu, a pasta das Mulheres ficou sob a coordenação da agora senadora Damares Alves (Republicanos-DF), fiel representante do campo reacionário e conservador. Em abril de 2019, durante audiência da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara dos Deputados, a então ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, afirmou que o programa Casa da Mulher Brasileira (CMB) – um dos eixos do Programa Mulher Viver sem Violência – não teria continuidade. 

Também naquele ano houve a unificação do Disque 180 ao Disque 100 por meio do decreto 10.174/2019. Portanto, em uma só central telefônica, eram recebidas denúncias diversas, com diferentes públicos e situações. Com o mesmo protocolo de atendimento para ambos os canais, ficaram prejudicados a diferenciação e o tratamento específico para as denúncias de violências contra as mulheres, desde os primeiros contatos das(os) usuárias(os) nos atendimentos. 

Além disso, abandonou-se o conceito de gênero, essencial para desvelar as desigualdades que atingem as mulheres, em especial mulheres lésbicas, bissexuais e trans, o que prejudicou abordagens mais profundas acerca do fenômeno. 

Promoção ao discurso misógino e ódio contra as mulheres

Com Bolsonaro, houve a ascensão do discurso religioso ancorado no fundamentalismo simbólico e ideológico da extrema direita de que as mulheres devem apenas exercer a função de dona de casa, como centro da família e sustentadora da família como cuidadoras. O incentivo aos discursos ultraconservadores reforçou a ideia de que a mulher deveria se subordinar, ocupando somente funções de cuidado e domicílio.

Com o cenário de crescimento dos crimes de ódio a partir da ascensão de movimentos ultraconservadores na política brasileira, o debate sobre igualdade de gênero foi eleito como inimigo número um.

Damares chegou a afirmar que “a mulher deve ser submissa ao homem no casamento”. A fala foi feita após ela se recusar a dar opinião sobre de que forma a flexibilização da posse de armas poderia aumentar os casos de feminicídio.  

Incentivo à posse e ao porte de armas 

A flexibilização do porte e posse de armas, aliada a um contexto de violência crescente. Entre 2019 e 2022, mais de um milhão de armas de fogo entraram em circulação no país. O último ano de Bolsonaro na Presidência do país foi o período com o maior aumento de todos os indicadores de violência contra mulheres no Brasil da história. Os dados constam no Anuário Brasileiro de Segurança Pública – 2022 – elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Os feminicídios aumentaram 6,1%, totalizando 1.437 mortes e as tentativas aumentaram 16,9%, em comparação com 2021. Sete a cada 10 mulheres foram assassinadas dentro de suas casas e, em 53,6% dos casos, o assassino foi o parceiro íntimo, sendo que em 19,4% dos casos, os crimes foram cometidos pelo ex-parceiro e 10,7%, por algum familiar.

Segundo os dados, naquele ano, foram 245.713 agressões por violência doméstica (2,9%), 613.529 ameaças (7,2%), 899.485 chamadas ao 190 (8,7%), sendo 102 acionamentos por hora. Foram 147 casos diários de Stalking , totalizando 53.918 registros.

Bolsa estupro

Enquanto ministra do governo Bolsonaro, Damares foi defensora do estatuto do nascituro, que prevê, além de restringir os direitos da mulher em relação ao aborto, uma pensão seja paga em casos de gravidez decorrente de estupro. Os custos da criança, como a pensão alimentícia, deveriam ser pagos pelo estuprador, e nos casos em que ele não for identificado, o Estado arcaria com esse valores. Uma verdadeira atrocidade.

Ausência de dignidade menstrual 

Em 2021, Bolsonaro vetou trecho de uma lei que distribuiria absorventes de forma gratuita para pessoas em vulnerabilidade social. Segundo o chefe do Executivo, não havia previsão orçamentária no Projeto de Lei para custear a medida. Meses depois, após pressão da sociedade civil, no Dia Internacional da Mulher de 2022, ele sancionou um decreto viabilizando a ação. 

Impacto da pandemia de Covid-19 

A pandemia agravou a vulnerabilidade das mulheres. Em virtude dos serviços de acolhimento, que foram reduzidos ou interrompidos, somado à redução dos equipamentos públicos de proteção à mulher, os casos de violência doméstica aumentaram no período.

Mulheres e o #EleNão

Vale relembrar que, ainda na campanha presidencial de 2018, em 29 de setembro, milhares de brasileiras, cientes do perigo que representava a possibilidade de Bolsonaro assumir a Presidência, ocuparam as ruas em mais de 100 cidades no país para protestar contra o discurso de ódio que o então candidato propagava durante a campanha à Presidência da República. Várias cidades da Europa e dos Estados Unidos também tiveram edições simultâneas do ato, que ficou marcado como #EleNão.

Faixas, cartazes, músicas temáticas que traziam um recado claro: as mulheres iriam lutar contra o fascismo e o retrocesso. As ruas também gritavam por clamor de Justiça por Marielle Franco, calada pela violência no início do ano, por Lula Livre e também pedindo o fim do discurso de ódio e violência proferidos por Bolsonaro. “Ele prega o ódio, nós pregamos o respeito. Ele defende a morte e a tortura, nós defendemos a vida. Por isso dizemos: ele não.”

Da Redação do Elas por Elas, com informações da Agência Brasil 

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Last Update: 03/09/2025