Em tempos de guerra, a verdade é uma das primeiras vítimas. Essa é a convicção de João Quaresma, jornalista amador que decidiu romper com a passividade diante da narrativa dominante sobre a guerra na Ucrânia — e foi ao terreno ver por si mesmo.
No programa Observatório de Geopolítica da última quinta-feira (12), Quaresma compartilhou sua experiência no Donbass, onde entrou sozinho, sem apoio institucional, atravessando a fronteira russa de madrugada, com um passaporte português confundido com um russo.
“A verdade é que não fui em nome de nenhuma redação. Fui por conta própria, guiado pela frustração de não ver correspondência entre a realidade e a forma como ela nos é apresentada pelos meios ocidentais”, contou.
João Quaresma não é jornalista profissional, mas um cidadão movido por inquietações. Trabalhador da indústria com formação em Educação, conta que o gosto por História o acompanha desde a adolescência e que sempre foi educado a pensar criticamente.
“Sou do tempo em que íamos às bibliotecas, não à internet, buscar informação”, relembra. Para ele, essa base formativa foi essencial para identificar contradições nas narrativas midiáticas. “Desde o 11 de setembro de 2001, percebi que havia muito mais por trás das versões oficiais.”
Maidan, guerra e desinformação
O estopim para o engajamento mais direto foi a cobertura da Revolução de Maidan, em 2014. “Vi uma narrativa sendo vendida como se fosse unânime e popular, quando era visivelmente coordenada, com apoio externo e presença de agentes dos EUA. Não fazia sentido”, relata.
A incoerência entre o que via nas imagens e o que ouvia dos analistas nos grandes veículos acendeu um alerta: “A imprensa virou um instrumento de manipulação e não de informação.”
“Já que ninguém acreditava, decidi ir ver com os meus próprios olhos”, diz Quaresma, explicando a decisão de viajar até o Donbass. Em contato com outros comunicadores independentes, como o norte-americano Russell Bentley, ele encontrou apoio logístico e iniciou suas visitas à região, documentando o que via por meio de vídeos e relatos.
Em sua avaliação, a cobertura ocidental é marcada por sensacionalismo, distorção e omissão deliberada de fatos. “O Ocidente já começou a guerra com a propaganda de que os soldados russos estavam mal equipados e desesperados, chorando para as mães. Tudo isso foi desmontado depois, mas ainda assim a narrativa se sustentou por meses”, critica.
Questionado sobre o ambiente informativo na Rússia, Quaresma foi direto: “Há propaganda dos dois lados, claro. Mas na Rússia ela é mais sóbria, não apela ao ódio, nem à demonização do inimigo.”
Para ele, a imprensa russa é voltada ao público interno, com um apelo a valores tradicionais e patrióticos. “A diferença é que, do lado de lá, não precisam inventar tanto. O Ocidente fornece o material — e eles apenas satirizam.”
Segundo Quaresma, a comunicação russa se beneficia de um público mais crítico, educado dentro de um sistema que ainda carrega os traços do modelo soviético, baseado em ciência e raciocínio dialético. “Senti isso na prática. Fosse numa oficina ou num café, as pessoas tinham uma leitura mais profunda do contexto geopolítico.”
Educação e pensamento crítico
Para Hugo Dionísio, anfitrião do programa, a questão da informação está diretamente ligada à educação. “No Ocidente, temos um sistema escolar cada vez mais burocratizado e mercantilizado. Os professores não têm tempo para ensinar a pensar, apenas para cumprir metas e preencher relatórios”, observou.
João Quaresma concorda. “Fui professor e sei do que falo. Hoje, a escola virou um lugar de formatação e não de construção de autonomia. O ensino deveria ser todo baseado no método científico, desde o jardim de infância. Ensinar o aluno a pensar, não a repetir.”
A falta de uma visão dialética — a capacidade de ligar os fatos, entender contextos e contradições — é, na visão de ambos, o que impede as sociedades ocidentais de interpretar corretamente os acontecimentos internacionais. “Aqui, os factos são tratados como peças soltas. Lá, são conectados como uma narrativa com sentido histórico.”
A luta solitária contra o ruído informativo
João Quaresma sabe que faz parte de uma minoria. “Somos um pequeno exército de formigas que desafia a imprensa dominante. Mas alguém tem que fazer esse trabalho.” Para ele, a batalha contra a desinformação é uma missão pessoal. “Não sou pago para isso. Faço porque acredito que a verdade precisa de defensores.”
Seu canal, Odemira Livre Geopolítica, mantém-se ativo nas redes, onde publica vídeos, análises e entrevistas. A audiência ainda é modesta, mas crescente. “O mais importante é oferecer um contraponto. Se uma só pessoa acordar para a manipulação, já valeu a pena.”
Assista a entrevista na íntegra:
Nota da redação: Este texto, especificamente, foi desenvolvido parcialmente com auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial na transcrição e resumo das entrevistas. A equipe de jornalistas do Jornal GGN segue responsável pelas pautas, produção, apuração, entrevistas e revisão de conteúdo publicado, para garantir a curadoria, lisura e veracidade das informações.
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