Por Jordan Michel-Muniz*
Os ideais da ‘sociedade civilizada’ são pisoteados por políticos eleitos para defendê-los.
A grande mídia exalta tais ideias, como as da democracia – governo do povo – e dos direitos humanos universais – proteções individuais, sociais, ambientais e das gerações futuras.
Mas o desrespeito a tais metas não recebe igual atenção das mídias, para evitar a revolta dos despossuídos.
O governo do povo virou oligarquia, governo de poucos, ou plutocracia, governo dos ricos: independente do nome, prevalecem os interesses do capital – da classe abastada e de grandes corporações.
Grupos de pressão empresariais (lobbies) usam sua riqueza para obter dos parlamentos leis em favor dos seus objetivos.
O povo, pobre, sem posses ou dinheiro para lobbies, é desfavorecido, por não poder comprar favores.
Tem-se a ‘democracia oligárquica’, na qual milionários mandam e os demais podem votar só para serem obrigados a obedecer.
O domínio econômico destrói a representação política igualitária, ideal nunca efetivado, devido ao elitismo de eleições caríssimas custeadas por corporações lobistas.
Criada no século XVIII, a democracia representativa funciona como oligarquia, onde milionários pagam impostos irrisórios e impõem sua vontade, como faziam as classes feudais ricas isentas de taxação, a nobreza e o clero.
Graças aos baixos impostos, sobra dinheiro para os ricos comprarem parlamentares, que então rejeitam a taxação da riqueza, num círculo vicioso. E querem mais!
O capital rentista exige austeridade fiscal, velha meta neoliberal do Consenso de Washington, que fomentou lesivas privatizações.
Austeridade fiscal significa cortar gastos sociais para pagar a dívida pública, nunca auditada. Estes ‘gastos’ são de fato investimento no povo, dever do Estado, e integram os direitos humanos – saúde, educação, previdência, combate à fome, habitação, água, saneamento…
O Congresso Nacional, com a pior composição que já existiu, quer reduzir tal investimento para garantir o ‘bolsa renda’ a quem vive da dívida pública.
Ao mesmo tempo, o Congresso recusa aumentos em alíquotas do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) que incidem sobre ganhos dos rentistas.
Estes ricos vivem de juros pagos pela cobrança de impostos regressivos, que oneram proporcionalmente mais os trabalhadores que os capitalistas. Assim, os ricos além de comprar congressistas podem adquirir bens públicos que são privatizados.
Privatizar é entregar o que foi pago com impostos de todos para o lucro de poucos, oligarcas daqui e do exterior, como ocorreu com a Vale do Rio Doce e com tantos recursos naturais e bens do povo brasileiro.
Também pertence aos direitos humanos a preservação ambiental – o cuidado com a flora, fauna e natureza, essenciais à nossa sobrevivência.
Mas o paraíso lobista do Congresso aprovou o PL 2159/2021, o PL da Devastação, mutilando leis ambientais. Sem elas a destruição será inevitável e irreversível.
A campanha “Veta tudo, Lula!” é para não facilitar novos assassinatos lucrativos.
Áreas degradadas ou mal fiscalizadas tornam-se letais, como no rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, nos crimes da Vale e BHP Billiton. Nenhum homicida foi preso.

Foto: MAB
Uma espécie extinta não pode ser recriada, assim como nenhum dinheiro devolverá vidas humanas criminosamente afogadas na lama das mineradoras.
Devastação e assassinatos não podem ser reparados. Falar em reparação é ofertar migalhas das fortunas acumuladas pela ganância insaciável.
Por que explorar petróleo no Amapá, na Margem Equatorial, se nossa riqueza é entregue a corporações multinacionais? Nestas privatizações o risco é nosso, o lucro, novamente, de oligarcas.
Um vazamento de petróleo pode poluir centenas de quilômetros de litoral, assim como a lama da Samarco levou morte do Rio Doce ao mar. Estas mortandades tem alcance global.
A natureza ignora as fronteiras artificiais da ‘sociedade civilizada’, referida no início deste texto ao falar dos ideais políticos: dita civilização se acha melhor que ‘selvagens’, que não matam rios, praias, florestas, nem caçam por diversão, mas os povos indígenas também sofrerão com o PL da Devastação.
Todos os ecossistemas estão interligados, danos locais repercutem no planeta.
Por isto é tolice reagir apenas às grandes catástrofes, como em Mariana e Brumadinho.
“Transformam o país inteiro num puteiro, pois assim se ganha mais dinheiro”, cantou Cazuza.
Cui bono? A quem interessa? Aos oligarcas, que nos querem súditos, não cidadãos.
*Jordan Michel-Muniz é ativista social, mestre e doutor em filosofia pela UFSC, e pesquisa temas ligados à geopolítica, democracia e injustiças
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.