O surto de viroses no litoral de São Paulo chamou atenção para um problema histórico na região: a fiscalização de esgotos clandestinos. Isso porque, quando mais de dois mil casos de gastroenterite aguda foram registrados no início deste ano só na Baixada Santista, logo vieram à tona os questionamentos sobre a contaminação da água do mar. 

No início da crise, a Prefeitura do Guarujá, município em que ocorreu a maioria dos casos de viroses, chegou a sinalizar que a possível causa do problema seria o escoamento de esgoto clandestino nas águas da cidade. Logo após, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) negou a situação, alegando que não identificou vazamentos ou ligações clandestinas na rede de esgoto. 

Hoje, já se sabe, que um relatório da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (ARSESP) apontou falhas no tratamento de esgoto sob responsabilidade da concessionária. Em dezembro de 2022, dois anos antes do surto, técnicos constataram, com base em dados da própria Sabesp, que o esgoto da região era devolvido ao meio ambiente sem o tratamento exigido e previsto nos parâmetros legais.

A ação foi deflagrada a partir de um inquérito aberto pela 4ª Promotoria de Justiça de Guarujá para apurar interrupções no fornecimento de água. Recentemente, uma ação apresentada à Justiça pelo Ministério Público de São Paulo integrou o documento. 

A reportagem do GGN contatou tanto a Sabesp, quanto a Prefeitura do Guarujá, sobre a fiscalização do esgoto, relembrando as operações conhecidas como caça-esgoto, realizadas anos atrás a partir de uma espécie de convênio entre as administrações municipais e a Sabesp – o que, na época, minimizou os problemas.

De maneira informal, a companhia afirmou que monitora a rede regular e atende as denúncias de ligações clandestinas e as encaminha ao Poder Público, uma vez que não tem autoridade para entrar no local onde supostamente estaria esse esgoto, nem como aplicar sanções contra os possíveis responsáveis. 

Já a Prefeitura do Guarujá afirmou que “estas ações são executadas pela Sabesp” e que o “município está permanentemente à disposição para prestar apoio logístico ou qualquer outra demanda que a empresa necessite para executar os serviços”. 

Para o engenheiro José Manoel Ferreira Gonçalves, residente do Guarujá e membro da entidade Água Viva (Associação Guarujá Viva), esse “jogo de empurra é criminoso”. “É preciso se entender que durante décadas a Sabesp fez o que quis e contou com uma prefeitura conivente, contou com uma Câmara de Vereadores que não fiscalizou a prefeitura e que também, portanto, foi conivente, além de uma sociedade civil em grande parte covarde, que não enfrentou o problema, e nós chegamos nisso, agora fica esse jogo de empurra”, afirmou em entrevista ao GGN

Quem tem razão e quem sofre é a população que é absolutamente vítima de tudo isso. Este jogo de empurra é criminoso. A Sabesp não tem poder de polícia e isso é verdade, mas ela tem que ter uma conexão com a prefeitura. Porque é a Sabesp que tem as condições técnicas de identificar a ligação clandestina de esgoto”, acrescentou Manoel. 

No caso do Guarujá, dados públicos dão conta que cerca de 34 mil pessoas não tem acesso à água potável e cerca de 80 mil residências que não têm coleta de esgoto regular. “Existem as ligações clandestinas e precisamos corrigir isso porque senão a contaminação da população é muito grande. A Sabesp, agora privatizada, tem que declarar de forma clara quais são os investimentos serão feitos sobre isso, porque hoje é muito pouco que ela faz”, disse o engenheiro. 

Sabesp reage, mas o problema é ainda maior

No último domingo (12), a Sabesp divulgou um comunicado afirmando que executaria ao longo desta semana testes com fumaça e corante para identificar ligações irregulares em Itanhaém e também no Guarujá.

Como o litoral de São Paulo tem baixa cobertura de rede de drenagem, a ocorrência de conexões irregulares é alta. Em época de chuvas fortes, entra água pluvial em excesso na rede de esgoto e pode provocar vazamentos nas ruas. A Sabesp conta com equipes de prontidão que realizam os reparos rapidamente, mas também busca atuar em parceria com as prefeituras para contribuir na busca por uma solução”, diz a nota. 

Manoel, inclusive, trouxe à tona a questão das águas da chuva para chamar atenção para um problema ainda maior: uma rede regular sobrecarregada. “A água da chuva pode ir para rede coletora de esgoto e isso acaba aumentando a pressão da rede. E não só por isso, mas porque também a rede foi dimensionada para anos e anos atrás e não passou por uma revisão rigorosa”, explicou.

As estações de bombeamento do esgoto devem levar esse esgoto até uma região de um tratamento primário, que fica na Vila Zilda, de lá vai a queda livre para a Rua Chile na Praia da Enseada, entra no emissário que tem 4,5 km de extensão e joga tudo isso mar a dentro. Nós precisamos compreender que essa água de chuva tá entrando na rede coletora de esgoto e não tá certo. E o pior é o esgoto que entra na rede de chuva e que vai para praia”, pontuou o especialista. 

Moradores do Guarujá organizam protesto

Manoel ressaltou a necessidade do engajamento popular em cobrar ações concretas relacionadas aos direitos básicos. Diante disso, a entidade Água Viva, junto com a Confederação Municipal das Associações de Moradores de Guarujá (CMAG), estão mobilizando um protesto neste sábado (18), em frente à sede da Sabesp, na Avenida Leomil, no Guarujá, a partir das 15h. 

A participação da população e das associações é fundamental para que a gente possa exigir de fato medidas concretas contra esses absurdos de saneamento básico e que vão para questões de saúde pública”, disse o engenheiro.

Norovírus “é desafio para as autoridades sanitárias do mundo inteiro”

Na semana passada, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) confirmou por meio do Instituto Adolfo Lutz (IAL), a presença de norovírus em amostras de fezes humanas coletadas na Baixada Santista. Seria, então, o vírus o responsável pelo surto de gastroenterite aguda na região. 

Ao GGN, o doutor Unaí Tupinambás, professor e infectologista do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), falou sobre o norovírus e destacou sua resistência. 

O norovírus é uma das questões mais difíceis de controlar porque a quantidade de inócuo para causar infecção é muito pequena. Além da transmissão via oral-fecal, o vírus também se transmite de pessoa para pessoa, por exemplo, pelas superfícies. Ele é um vírus muito estável no meio ambiente e quando a água não é tratada de forma adequada pode ocorrer esses surtos. Devido a essa facilidade de propagação e de sobreviver até 60 graus, esse é um desafio para as autoridades sanitárias do mundo inteiro“, explicou o médico. 

Apesar de ter uma letalidade baixa, quem mais sofre com o norovírus são as crianças menores de cinco anos e também os adultos acima de 65 anos de idade. É importante lembrar que não se pode usar nos pacientes remédios que cortam a diarreia, porque pode prolongar esse estado, muito menos fazer o uso antibióticos. O que é indicado é muita hidratação oral e, em alguns casos, a hidratação endovenosa”, explicou Unaí.

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Last Update: 17/01/2025