Joesley Batista participou, na semana passada, do Fórum Econômico Brasil–França, em Paris. Ele e o irmão, Wesley Batista, controladores da JBS, almoçaram com o presidente francês Emmanuel Macron. Nas redes sociais, Ticiana Villas Boas, jornalista e esposa de Joesley, descreveu os eventos na capital francesa como momentos em que “a cultura, a criatividade e o mercado brasileiros” foram reconhecidos “como forças transformadoras e de futuro”.
Dois dias depois, a Bolsa de Valores de Nova York recebeu uma notificação formal. A organização Mighty Earth entregou uma denúncia afirmando que a JBS, maior produtora de carne do mundo, obtém lucros com “conduta criminosa persistente” ligada ao desmatamento ilegal em sua cadeia produtiva.
A denúncia da Mighty Earth se soma a uma onda de críticas internacionais. Organizações como Greenpeace e Global Witness e 15 senadores norte-americanos já haviam se manifestado contra a listagem, apontando o histórico da JBS com desmatamento, corrupção e violações socioambientais.
A JBS está em processo de dupla listagem, com ações sendo negociadas na Bolsa de Nova York a partir desta quinta-feira 12. O objetivo declarado da empresa é ampliar o acesso a capital com menor custo.
O documento da organização ambiental se baseia em diversas fontes, incluindo dados da Environmental Investigation Agency (EIA), relatórios da AidEnvironment e investigações jornalísticas. A EIA identificou 767 milhões de dólares em exportações da JBS aos EUA, entre maio de 2024 e abril de 2025, com conexão com áreas desmatadas ilegalmente.
Investigações jornalísticas vêm documentando como bois criados em áreas desmatadas ou embargadas entram na cadeia formal por meio do que pecuaristas descrevem como “lavagem de gado”.
Em abril, uma apuração conujnta da Repórter Brasil, em parceria com The Guardian e Unearthed — da qual fui um dos repórteres — mostrou que é comum transferir animais de fazendas ilegais para propriedades “limpas”, que servem de fachada documental antes da venda aos frigoríficos.
Essa investigação é citada na denúncia da Mighty Earth como exemplo da falha sistêmica de controle dos fornecedores indiretos da JBS. Alguns pecuaristas afirmaram que a prática é amplamente conhecida no setor e que os frigoríficos “sabem de tudo”.
Entre 2009 e 2024, a organização AidEnvironment identificou 105 alertas de desmatamento ilegal, cobrindo mais de 185 mil hectares, em fazendas ligadas à rede de fornecimento da JBS. Os dados mostram, segundo a denúncia da Mighty Earth, um padrão de falhas no controle da origem do gado.
A questão fundiária na Amazônia tem casos emblemáticos. Um deles ocorre na Terra Indígena Apyterewa, onde vive o povo Parakanã. A área esteve por anos entre as mais desmatadas da Amazônia. Cerca de 60 mil bois eram criados ilegalmente no território e vendidos para frigoríficos da região, como a JBS, segundo reportagens e estudos.
Contudo, uma operação do governo federal removeu centenas de invasores do território em outubro de 2023. Não é exagero chamá-la de operação de guerra: eu estava lá como repórter e presenciei a tensão, que culminou na morte de um invasor por homens da Força Nacional e um sem número de ameaças e ataques aos órgãos governamentais.
Após a operação, o povo Parakanã segue sofrendo uma série de ataques e exige responsabilização do BNDES — segundo maior acionista da JBS —, já que parte do gado criado ilegalmente na terra indígena foi absorvida pela cadeia da empresa. Pedem mais segurança e o reflorestamento da área devastada.
Em novembro, Belém, no Pará (mesmo estado da Terra Indígena Apyterewa), sediará a COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. A JBS patrocina cotas comerciais para a cobertura da COP30 em veículos de imprensa como a Folha de S.Paulo, o Grupo Globo e o jornal O Liberal, como tratei em coluna anterior publicada nesta CartaCapital a respeito dos conflitos de interesse.
“A cobertura já começa sendo patrocinada por empresas ligadas ao desmatamento”, disse a ombudsman da Folha de S.Paulo, Alexandra Moraes. “Não acho que o jornal vai deixar de fazer jornalismo por causa disso, mas é sempre estranho para quem lê”, complementou em uma entrevista ao jornal em que trabalha.
É estranho mesmo.
Além dos problemas ambientais, as denúncias trabalhistas também são recorrentes contra a JBS. Para citar apenas casos recentes, dez trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em uma granja fornecedora da JBS Aves, no Rio Grande do Sul. Cumpriam jornadas de até 16 horas por dia e comiam frangos descartados. Em janeiro, um trabalhador foi resgatado em Minas Gerais em uma granja fornecedora da Seara, também da JBS. Ele cuidava dos aviários por até 20 horas por dia, sem salário.
As fiscalizações se somam a outros casos em que fornecedores da empresa foram incluídos na Lista Suja do trabalho escravo – publicação oficial do governo federal com empregadores responsabilizados por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão. Em outubro de 2023, por exemplo, cinco fornecedores da JBS entraram no cadastro.
Em comunicados públicos e respostas a reportagens citadas aqui, a JBS afirma manter políticas rigorosas de compra responsável, incluindo o bloqueio de fazendas por descumprirem seus critérios socioambientais. A empresa também contestou a metodologia de algumas investigações. Sobre denúncias de trabalho análogo à escravidão, afirma adotar tolerância zero a violações de direitos trabalhistas, bloqueando fornecedores assim que toma conhecimento dos casos.
A listagem na Bolsa de Nova York visa alinhar a estrutura da empresa ao seu perfil internacional e angariar recursos. Em paralelo, o reposicionamento de imagem de Joesley Batista avança. Segundo a coluna de Guilherme Amado, ele até cogita lançar candidatura à Presidência da República em 2026.
Em 2017, protagonizou o chamado Joesley Day, quando gravações entregues à Procuradoria-Geral da República implicaram o então presidente Michel Temer e resultaram em acordo de leniência bilionário com o Ministério Público, num dos maiores escândalos da história recente do País.
Passada a tempestade, os irmãos Batista retornaram ao centro do poder. Foram anfitriões do presidente Lula em uma unidade da JBS em Campo Grande (MS) quando o petista declarou ter “muito orgulho” da empresa. Logo depois, recebeu Joesley e Wesley no Palácio do Planalto. Em março deste ano, ambos retornaram ao conselho de administração da companhia.