A polêmica – ou “falsa polêmica”, como prefiro chamar – sobre a participação da primeira-dama, a socióloga Janja da Silva, na conversa entre os presidentes Xi Jinping e Lula, em um jantar reservado na China, não pode ofuscar a relevância de um debate que o mundo precisa encarar com a maior urgência – a regulação das plataformas e redes da internet, como medida prioritária e civilizatória, especialmente, na proteção de crianças, adolescentes e mulheres.

Janja está certíssima ao defender que “por mais que algumas pessoas se sintam incomodadas ou achem que não cabe a mim falar, questionar ou discutir sobre isso, reforço o meu compromisso de seguir lutando por um espaço digital respeitado, principalmente, porque me preocupo imensamente com as mulheres e crianças deste país, as principais vítimas dos crimes digitais”.

Até protocolarmente, é função da primeira dama do país se envolver em ações sociais e iniciativas de interesse público. E a regulação digital é de alto interesse público. Precisamos discutir o dano que o descontrole do espaço digital vem causando às pessoas, famílias e sociedade. E isso exige o engajamento de todos.

A série “Adolescência”, da Netflix, lançou luzes sobre os graves impactos do ambiente digital na formação emocional, moral e psicológica de crianças e jovens. Mostrou como as redes sociais podem ser profundamente nocivas e gerar problemas de saúde mental, vício e desinformação.

Um estudo da Universidade de Oxford, publicado em 2024, revelou que adolescentes que passam mais de três horas por dia nas redes têm 60% mais chances de desenvolver depressão.

As redes trabalham intensamente para atrair crianças e adolescentes. Veiculam conteúdos que sugerem sucesso, empoderamento e reconhecimento a partir de desafios de extrema periculosidade e, muitas vezes criminosos.

A busca frenética por likes e engajamento inclui apelos à beleza, ao consumismo, ao sucesso financeiro tão fácil quanto ilusório, à sexualidade distorcida, a estupros e automutilações coletivos, à pornografia infantil, a ataques a populações vulneráveis, ao crime. As mensagens trocadas são repletas de ódio a pobres, mulheres, negros, deficientes, população LGBTQIA+ e até ao trabalho formal (“CLT” virou xingamento, nas redes de jovens!).

A ficção de “Adolescência” traz à tona essa realidade trágica, essa catástrofe social e humanitária. Segundo a juíza Vanessa Cavalieri, da Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, as plataformas digitais estão por trás do envolvimento crescente e cada vez mais precoce de menores em crimes graves, tanto como vítimas quanto como agentes, incluindo estupro e até mesmo homicídio. Para ela, as mais perigosas são o Discord, o Twitter, o Instagram e o Telegram. Mas não são as únicas; os grupos de WhatsApp, por exemplo, também contribuem para o exercício desenfreado de crimes como misoginia, racismo, homofobia, capacitismo e bulling.

Como se não bastante, os sites de apostas aliciam, viciam e corrompem um número cada vez maior de jovens. Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, adolescentes de 14 a 17 anos recorrem a sites ilegais de apostas e representam o grupo mais vulnerável, com 55% dos apostadores com algum grau de risco ou transtorno relacionado ao vício.   No último ano, 10,5% dos adolescentes dizem que jogaram.

É esse o ambiente a que expostos nossos filhos e netos. É preciso coragem para enfrentar o poderio das bigtechs e assemelhadas.

Na presidência da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, solicitei a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, da Procuradoria-Geral da República, a suspensão das atividades das plataformas Discord e 4chan, após a revelação dos planos felizmente frustrados de um atentado à bomba ao show da cantora Lady Gaga – em grave ameaça às mais de 2 milhões pessoas reunidas em Copacabana.

As duas plataformas estão nas listas das mais acusadas por propagação de conteúdos de violência, misoginia, racismo, pedofilia e exploração sexual envolvendo crianças e adolescentes. Ambas, até agora, não demonstraram qualquer intenção de ao menos tratar do assunto, ao contrário da TikTok, que, após a manifestação do presidente Lula e da primeira dama, adiantou uma solicitação de diálogo.

O Brasil tem que deixar de lado a fofoca, a distorção e a intriga, para somar esforços na regulação do ambiente digital. Não é censura, não é autoritarismo. O mundo inteiro está nessa luta, que, esta sim, merece todos os likes e engajamentos.

Como disse a primeira dama Janja, “a gente precisa que as mães se unam numa voz forte que seja ouvida no Congresso Nacional, para que efetivamente a regulamentação das plataformas aconteça e que a gente não viva mais casos como o da menina de oito anos que morreu porque cheirou desodorante, em um desafio da internet”, lembrando a menina Sarah Raíssa Pereira.

Já passou da hora de nos juntarmos em defesa das crianças, dos jovens, das famílias e da sociedade. Isso é sério e, repito, Janja está certíssima.

ADENDO – É indigna a campanha contra a Janja. É misoginia, é canalhice. Total solidariedade a primeira-dama e companheira.

Deputado federal Reimont (PT-RJ) e presidente da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados

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Last Update: 21/05/2025