Por Conceição Lemes

O SUS é uma política social avançadíssima num país que tem a área econômica dominada pela ideologia neoliberal. No fundo, uma contradição”

“Quando vemos vê o tanto que o SUS consegue produzir no meio deste temporal, a gente admira mais o nosso Sistema de Saúde. Cresce a vontade de lutar ainda mais para defendê-lo dos ataques frequentes que visam destruí-lo em nome de interesses de mercado’’.

Como os inimigos do SUS não conseguem acabar com o sistema por meio de um ato de poder, definitivo, eles fazem um envenenamento progressivo, escamoteado, por meio do subfinanciamento e das privatizações. No coração desse processo encontra-se hoje a terceirização da oferta de ações e serviços de saúde do SUS para as OSS’’.

Quem faz essas afirmações ao Viomundo é Jairo Bisol, promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Território.

Graduado em Direito e Comunicação Social, mestrado (UnB) e doutorado em Direito (UFPE), Bisol é membro da Comissão de Saúde do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma das maiores conquistas da democracia brasileira.

Criado pela Constituição de 1988 e oficializado pela lei nº 8.080/90, o SUS fará 35 anos em 19 de setembro.

Atualmente, porém, vive um momento crucial.

Em todo o País, aumenta a entrega dos seus serviços a Organizações Sociais de Saúde (OSS).

Aos poucos, o sistema deixa de ser único para ser público e privado.

E o público, cada vez mais, torna-se complementar do privado e não vice-versa, como está na Constituição de 1988.

E com o programa ‘Agora Tem Especialistas’, a privatização se aprofundará.

O promotor Jairo Bisol e o pai, ex-senador constituinte José Paulo Bisol; foto 2016 e 2017

No Brasil, constitucionalmente, a saúde é Direito de todos e dever do Estado. E cabe ao Ministério Público (MP), entre outras tarefas institucionais, a de zelar pelo efetivo respeito a esses Direitos referentes à saúde.

Daí esta entrevista com o promotor Jairo Bisol, que acompanha o SUS desde a Constituinte de 1988.

Primeiro, como filho do ex-senador constituinte gaúcho José Paulo Bisol (1928-2021), de quem foi o braço direito na carreira política. Depois, como promotor.

Na foto ao lado, tirada entre 2016 e 2017, filho e pai.

Segue a nossa entrevista.

Viomundo – Como avalia a privatização do SUS por meio da desenfreada entrega de serviços a OSS?

Jairo Bisol – Não se trata de um ataque pontual, mas de uma desconstrução que avança lenta e continuamente e cujo eixo central é o estrangulamento do financiamento da saúde. Esta me parece a agressão mais danosa que o SUS sofre desde a sua implantação. Ainda não encontramos formas de conter ou mesmo fazer regredir esse processo.

Viomundo – Explique mais.

Jairo Bisol – Desde que o SUS foi criado, a área econômica dos sucessivos governos tem feito malabarismos e conseguido, com manobras na equação econômica, encolher o orçamento da saúde. O subfinanciamento está cada vez mais marcante e insuportável.

O estrangulamento do financiamento é justamente a forma mais eficaz de desconstruir uma política social de saúde como o SUS, concebida para ser universal e integral, o que demanda investimentos significativos. O subfinanciamento é uma ofensa ao compromisso constitucional de aumento progressivo do financiamento.

Hoje, embora tenhamos um governo progressista com compromisso maior com as políticas sociais, o investimento na saúde da população se mantém num patamar vergonhoso.

A bem da verdade, a área econômica nunca abraçou realmente a ideia de fazer avançar a construção de uma política social tão ousada como a do Sistema Único de Saúde.

Viomundo – No Judiciário, dissemina-se também um entendimento a favor da privatização do SUS. É isso mesmo?

Jairo Bisol — Vamos por etapas. Primeiro, o Judiciário brasileiro nunca foi uma força muito progressista. Segundo, é complicado falar em Judiciário como uma unidade. Terceiro, acho que a privatização da saúde não é exatamente culpa do Judiciário.

Na verdade, existe um choque entre dois gigantescos continentes na relação do sistema judicial com o SUS. As decisões judiciais são casuísticas e a gestão da saúde é sistêmica.

De um lado, o sistema judicial não foi concebido para responder a um volume tsunâmico de demandas oriundas de uma política social sensível não plenamente efetivada. De outro, o sistema de saúde não suporta ter parte substancial do seu orçamento executado pela lógica casuística das decisões judiciais.

Além disso, o SUS tem suas próprias irracionalidades estruturais que não conseguimos dar conta. Por exemplo, não conseguimos implantar um modelo de atenção adequado, colocando a atenção primária como a porta de entrada do sistema.

Daí o que se fez foi abrir emergências como porta de entrada do sistema. Hoje, testemunhamos as longas filas de espera nas emergências hospitalares. E a maior parte dos casos não é emergência.

Chegamos até a inventar emergências sem hospitais por detrás, as UPAS, solução politiqueira.

Viomundo – Por que solução politiqueira?

Jairo Bisol – Porque foram para escamotear a falta de recursos e de vontade política para se investir na atenção primária, que deveria ser a porta de entrada principal do Sistema Único de Saúde.

Isso só reforça a ideia distorcida da população de que ter saúde é ter acesso à assistência. Puro populismo sanitário. Em Brasília, o governo até tentou colocar UPAs de lata…

Viomundo – O que o senhor chama de irracionalidades do sistema?

Jairo Bisol – Irracional é o que não é universal; é o singular, o casuístico. Todo sistema é, por natureza, universal, funciona por repetições. Quanto mais irracionalidades, mais casuísticas você impõe a um sistema, menos sistêmico ele se torna. A casuística destrói o sistema por dentro.

Viomundo – Traduzindo.

Jairo Bisol — Por exemplo, quando o SUS disponibiliza determinado tratamento a um usuário com a  doença y ou z, ele precisa oferecê-lo a todos com o mesmo problema. Assim, de forma sistêmica, resolve essa demanda sanitária coletiva, e não individualmente, como faz o sistema judicial.

Para compreendermos, portanto, o impacto da judicialização no SUS, a primeira coisa a se considerar é que as decisões judiciais são casuísticas. Para o Direito, cada caso é um caso, e o caso é decidido independentemente do seu impacto no todo.

Já as decisões da gestão de saúde são sistêmicas, ou seja, são tomadas para todos e sempre pensando no seu impacto no sistema. O sistema tem que ser gerido racionalmente, pensando sempre que as medidas possam ser universais, repetidas, para todos.

Em consequência, cada decisão casuística da justiça impõe ao SUS um ganho de irracionalidade que vai comprometendo o seu funcionamento.

Viomundo – Tem mais irracionalidades no SUS?

Jairo Bisol – São muitas, na verdade. Podemos subdividi-las em três grandes fontes que giram em torno da questão orçamentária.

Em primeiro lugar, como acabei de dizer, temos um volume gigantesco de decisões casuísticas da justiça, que comprometem a execução do orçamento da saúde.

Em segundo lugar, existe a interferência do sistema político-partidário, que tem interesses inconfessáveis na execução orçamentária. São interesses também casuísticos e que impactam negativamente na gestão do sistema sanitário.

E, por fim, temos o subfinanciamento da política de saúde, que compromete o seu planejamento e execução, uma irracionalidade estrutural do sistema que acaba gerando outras irracionalidades graves, não menos estruturais, tais como a dificuldade de se implantar um modelo de atenção e um modelo de gestão adequados.

E, como num efeito dominó, essas irracionalidades acabam atingindo o coração do SUS e abrindo caminho para a sua desconstrução via privatização.

Todos nós sabemos que o modelo de gestão pública tem vícios terríveis. Só que os processos de privatização são muito piores.

As privatizações via entrega de serviços às Organizações Sociais de Saúde, as famigeradas OSS,  por exemplo, são uma verdadeira casa de horrores. É quase impossível separar o que é exclusivamente técnico do que é também político-sanitário na organização e oferta de ações serviços de saúde. E não se pode privatizar o que é político em saúde. As decisões políticas competem ao Estado e não à iniciativa privada.

Além disso, basta revisar sua breve história para ver que o modelo das OSSs sempre deixou aberta a torneira da corrupção na execução orçamentária, conduzida via de regra pelos interesses do sistema político-partidário.

Aí, chegamos à questão que te preocupa. A crescente privatização do SUS não é um problema do Judiciário. É um problema político, mesmo.

O brasileiro tem que tirar o chapéu para o movimento da Reforma Sanitária, que, sem sombra de dúvida, numa luta política histórica, conseguiu esculpir o capítulo mais avançado da nossa Constituição: o SUS, nosso sistema de saúde universal e integral, que foi concebido para ser único.

É preciso dizer que o SUS é uma política social avançadíssima num país que tem a área econômica dominada pela ideologia neoliberal. No fundo, uma contradição e uma fonte permanente de enfrentamentos e tensões.

Os governos que sucederam o processo constituinte tiveram homogeneidade marcante na área econômica: todos pintaram suas políticas com as tintas do neoliberalismo. Testemunhamos neoliberalismos de extrema direita, de direita, de centro e, inclusive, de esquerda.

E o SUS é uma política de Estado antineoliberal. Há um entrechoque profundo entre a concepção neoliberal e a concepção social.

E, claro, todo esse processo de privatização do SUS vem impregnado por essa ideologia neoliberal, que é hegemônica mesmo em governos mais à esquerda.

Viomundo — Cada vez mais, né?

Jairo Bisol – Exatamente. A cena acima permite-nos começar a entender o quadro atual e ter uma resposta ao teu questionamento.

Veja bem. A política de saúde não consegue eliminar as suas próprias irracionalidades para dar conta da sua tarefa social. Ela precisaria de investimento maior, de um modelo de atenção e um modelo de gestão compatíveis com os desafios da universalidade e da integralidade. Portanto, seriam necessárias mudanças estruturais na política de saúdee para ela dar conta da sua tarefa.

Não dando conta da sua tarefa, o que acontece? Grande parte dos direitos sanitários da população deixa de ser atendida pela via administrativa da gestão, gerando a imensa onda da judicialização.

Viomundo – Como se dá a judicialização no âmbito do SUS?

Jairo Bisol – Em dois níveis. Um deles diz respeito aos Direitos não resolvidos dentro de protocolos já reconhecidos pelo próprio sistema. Ou seja, são Direitos reconhecidos, mas o sistema não dá conta de resolvê-los por conta das irracionalidades que mencionei acima.

O outro nível de judicialização está relacionado à incorporação tecnológica e traduz uma interferência absolutamente nefasta da indústria farmacêutica, que se banqueteia com os recursos do SUS, valendo-se da ingenuidade da estrutura judicial do Brasil.

Viomundo – Como assim?

Jairo Bisol — Organizando politicamente grupos de pacientes de doenças raras em torno de medicamentos de última geração, tecnologia de ponta e preços estratosféricos.

A indústria farmacêutica dá-lhes suporte advocatício e força o SUS a comprá-los a custo de pequenas fortunas. E, sentença a sentença, conquista espaço até formar jurisprudência e forçar a incorporação formal pelo SUS.

Assim, inadequadamente, impõe-se uma dinâmica irracional de incorporação tecnológica, conduzida pela via judicial e sua lógica casuística e não pelo interesse público, pelas necessidades sistêmicas da execução da política de saúde.

Em suma, analisando o conjunto da obra, percebe-se uma cena grotesca do Judiciário exercendo a função regulatória do sistema, que é competência exclusiva da gestão.

Isso faz com que o SUS, em grande medida, acabe financiando o custo das pesquisas dos grandes laboratórios, que é um custo mundial e não só nosso.

E, aí, entra uma questão mais grave ainda: a gente não consegue blindar o SUS da política partidária, outra irracionalidade bastante nefasta.

Viomundo – Como a política partidária gera essa irracionalidade?

Jairo Bisol – Como é sabido, a política faz a nomeação dos principais cargos de gestão. E, aí, vem a pressão da máquina político-partidária para que as decisões sanitárias desses gestores acabem contemplando os seus interesses casuísticos, eleitoreiros, e não os interesses sistêmicos oriundos das necessidades de saúde da população.

No Brasil, a máquina político-partidária é nitidamente financiada por desvios dos recursos do orçamento. Além disso, o poder legislativo e sua máquina político-partidária se apropriaram completamente — e de forma vergonhosa! — do orçamento da União.

Isso impõe ao SUS irracionalidades insuportáveis. Por exemplo, ora faz o sistema servir de cabide de emprego para cabos eleitorais, ora interfere nos processos regulatórios para politicagem eleitoreira com oferta de assistência, ora desvia recursos do fundo de saúde em contratos superfaturados, e assim por diante.

Então, à irracionalidade pela não blindagem da máquina político-partidária juntam-se as estruturais do sistema e as impostas pela judicialização da saúde.

O resultado é esse conjunto de irracionalidades que vai comprometendo a governabilidade do SUS, sua capacidade de planejamento, sua execução orçamentária e, por fim, a efetivação da política de Estado como um todo.

Por outro lado, quando vemos o tanto que o SUS consegue produzir no meio deste temporal, a gente admira mais o nosso Sistema Único de Saúde. Cresce a vontade de lutar para defendê-lo dos ataques frequentes que visam destruí-lo em nome de interesses de mercado.

Neste ponto, um dos capítulos mais estratégicos é lutar contra a privatização do SUS.

Viomundo – Mas a privatização do SUS não é inconstitucional!?

Jairo Bisol – Para mim é inconstitucional, não tenho a menor dúvida. Mas para o Supremo Tribunal Federal, não. Logo, a questão não é tão simples. Não se pode tentar encerrá-la numa lógica disjuntiva do tudo ou nada, desde que se queira compreender o que está em curso, como funcionam as estruturas do Estado e o que se pode fazer para mudar esse cenário.

Além disso, numa leitura mais política e aberta, a questão da inconstitucionalidade pode – e deve – ser vista como um mito, na exata medida em que o próprio Estado constitucional de Direito é também um mito.

Nós lidamos com o Estado de Direito como se ele fosse algo posto, concreto, espécie de obra acabada. E não é. O Estado de Direito me parece mais uma ideia regulatória, pela qual precisamos lutar cotidianamente para que alcance alguma realidade, alguma concretude.

Nesse contexto, eu diria que no Brasil não consolidamos suficientemente o Estado de Direito para fazermos com êxito um debate judicial sobre a inconstitucionalidade dos processos de privatização do SUS.

Em outras palavras. Não temos cultura jurídica e política que comportem uma discussão séria e eficaz da privatização do SUS conduzida pela via da inconstitucionalidade. Neste momento, me parece, não vale a pena discutir por aí.

Viomundo — Por que um mito?

Jairo Bisol – Gosto de pensar o Estado de Direito para além da perspectiva constitucionalista, que nos empresta visão importante mas excessivamente juridicista. Inclusive, gosto de pensá-lo para além do alcance das ferramentas da filosofia política clássica.

Perspectivas como as da antropologia são mais viscerais, especialmente da antropologia filosófica, que nos permite compreender como as estruturas sociais funcionam por mitos.

A gente aprende a acreditar em mitos na infância. Primeiro, aprendemos a acreditar em Papai Noel, mula-sem-cabeça e coelhinho da Páscoa.

Depois, crescemos e trocamos de mitos, acreditamos em Estado de Direito, democracia, norma jurídica, e tantas outras instituições. É preciso acreditar para se submeter. A crença é o fundamento de toda submissão. Sem submissão não há ordem social.

As sociedades se mobilizam, se organizam, através dos seus mitos. E funcionam através de ritos e jogos, que são processos vetorialmente opostos.

Os jogos partem da igualdade dos participantes para estabelecer a diferença, ao final, entre vencidos e vencedores. Os ritos partem do pressuposto que os participantes são diferentes, e tratam de estabelecer a igualação de todos através de seus procedimentos.

O Estado de Direito, pensado sob a ótica formal juridicista, ou mesmo pelos instrumentos conceituais da filosofia política, é todo ritualístico.

E, aí, tu, Conceição, me dizes: “O Estado de Direito é neutro, porque é todo ritualístico. Os ritos estão previstos na lei, e todos são iguais perante a lei.’’.

Mas, aí, eu te alerto: “Conceição, tomes cuidado, porque detrás dos ritos se escondem jogos e detrás dos jogos se escondem ritos”. É o que nos ensinou a antropologia filosófica.

O brasileiro que todo dia vê o noticiário percebe os jogos – às vezes ostensivos e desavergonhados  — que se escondem por detrás dos ritos do Estado de Direito, da elaboração legislativa, das práticas judiciárias, da tomada de decisões do Executivo. Pode até falar mal do que está em curso, mas se submete.

Viomundo – Consciente disso tudo e com a tua formação acadêmica, intelectual, o que está fazendo no Ministério Público? Defendendo um mito?!

Jairo Bisol – Sim, exatamente. Por essa ótica o que faço é defender mitos. Mas assim o faço de forma consciente. Lutar pela efetivação de mitos socialmente relevantes como o Estado de Direito é buscar o máximo de civilidade que conseguimos alcançar. É a forma mais eficaz que encontramos para nos afastar da barbárie natural que habita a condição humana.

Viomundo – Traduzindo.

Jairo Bisol – O Estado de Direito me parece mesmo uma ideia regulatória. É preciso fazer com que ele aconteça, que ele seja normativamente o que se propõe a ser.

As políticas de Estado, tal como o SUS, não vão acontecer simplesmente porque estão previstas na Constituição. É preciso ter e exercer força política para que elas aconteçam.

É que detrás da máscara formal do Estado de Direito existe o Estado real. E este Estado real é composto por muitas forças políticas que não querem, consciente e articuladamente, que certas políticas de Estado aconteçam, apesar de elas estarem na Lei Maior e serem constitucionalmente obrigatórias. É o caso do SUS.

Viomundo – Voltando à privatização do SUS, é ou não inconstitucional?

Jairo Bisol – Reitero: a mim, com certeza, a privatização do SUS é ostensivamente inconstitucional.

Mas vamos abordar a questão por outro ângulo. Fala-se de uma pequena brecha aberta lá na organização principiológica do SUS, quando se permite que os serviços privados tenham papel complementar.

Porém, a meu ver, tal brecha nem de longe legitima o alcance e a profundidade do processo de privatização da saúde que está em curso.

Ou seja, a história de brecha é no fundo uma grande balela. Na verdade, estamos simplesmente descumprindo uma política de Estado, descumprindo a Constituição.

E os sistemas político e judicial parecem estar fazendo vista grossa a essa grotesca ofensa ao texto e ao espírito da Constituição Federal. É o Estado real se impondo sobre o mito do Estado de Direito.

Viomundo – O senhor é contra o modelo das OSS?

Jairo Bisol – Sou. Se elegante é parecer ser o que se é, como nos ensinou Balzac, então a deselegância desse modelo de gestão terceirizada começa já pelo próprio nome: o que há de social nessas organizações privadas? Nada. Absolutamente nada.

As OSS são apenas a expressão de nossa incompetência para pensarmos um modelo de gestão novo, capaz de dar conta dos desafios de se implantar uma política pública de saúde. O fato é que o modelo público de gestão também não consegue dar respostas a estes desafios…

A questão maior das OSS nem é o modelo de gestão. É o compromisso das pessoas que administram. Pode até existir OSS com gestão comprometida com o SUS, mas será por exceção, e não pelo modelo. Lá em Brasília tinha uma OSS maravilhosa, que eu a defendi. Só que agora a estão a destruindo também.

Viomundo — Qual OSS?

Jairo Bisol — Hospital da Criança. Está sendo destruída não por causa do modelo, mas devido à falta de blindagem da classe política.

Essa OSS foi construída por pais, mães, médicos que estavam preocupados com a falta de atendimento especializado de oncologia para as crianças.

Apaixonados pela ideia de ter uma estrutura que as protegesse, construíram o hospital e ganharam o controle da OSS. Eram pessoas completamente comprometidas em fazer aquilo funcionar.

Dez anos depois, porém, veio a classe política com seus interesses espúrios e puxou o tapete deles. Foi cortando o pescoço deles, um a um. Vão transformar aquilo num desastre. É muito fácil transformar uma OSS num desastre.

Viomundo — Por que é contra as OSS?

Jairo Bisol – Como disse, o grande drama não é nem o modelo de gestão. As OSS acabam tendo, em vários aspectos, ferramentas de gestão mais adequadas para a sociedade de mercado que a gente vive.

O problema é que a manipulação do sistema de licitações permite o direcionamento do controle desses serviços por grupos ligados a projetos político-partidários. Ou seja, o modelo das OSS acaba se prestando à politicagem. São estruturas facilmente suscetíveis aos interesses e manobras da máquina político-partidária.

Infelizmente, a gente vive num país em que o financiamento sistêmico da máquina político-partidária se dá por desvios de recursos do orçamento. E o modelo das OSS é um viés eficiente para esses desvios na medida em que dificulta – e muito – a fiscalização pelo sistema de controle.

Viomundo – O Estado de Direito é uma máscara?!

Jairo Bisol – Veja bem, a semiologia nos ensina que toda palavra tem origem metafórica. De modo que sempre me pareceu muito ingênuo tomá-las ao pé da letra. Usamos metáforas para poder ler e interpretar o mundo.

Nesse sentido, me parece um instrumental muito rico pensar o Estado de Direito através da metáfora máscara.

Não é nenhuma novidade. Essa ideia já estava contida num texto clássico da filosofia política e do constitucionalismo: A Essência da Constituição, de Ferdinand Lassale.

No fundo, há dois Estados: o Estado real, que são as estruturas reais de poder que tecem as relações sociais, e o Estado de Direito, que é uma estrutura formalizada em normas, um sistema normativo que empresta forma às instituições estatais.

É da natureza do poder real não se submeter naturalmente aos trilhos da legalidade. Por isso, mesmo o Estado de Direito se mostra como uma ideia regulatória, que precisa ser defendida permanentemente para que os jogadores do tabuleiro político joguem de acordo com as regras do jogo.

Sob esse ponto de vista, o Estado de Direito mais se parece uma máscara por detrás da qual se esconde a verdadeira face do poder. Mas essa máscara, esse arcabouço normativo, é o máximo de controle que alcançamos ter do poder real, é o maior nível de civilidade que alcançamos.

Todo debate atual em torno da força normativa da Constituição está edificado sobre essa questão. É preciso lutar para fazer a constituição valer, ter força normativa. É a tensão entre a facticidade e a validade que Habermas coloca. Entre o jurídico e o político, entre as normas e a realidade.

Por isso, escolhi a trincheira do Ministério Público para atuar, pois fazer valer a constituição é a função primordial dessa instituição.

Bem observado, é preciso organizar as forças sociais – e exercer o poder político que daí decorre – para fazer essa máscara se traduzir em realidade. Vencer os jogos que se escondem por detrás dos ritos das instituições do Estado.

Nesse campo dissimulado dos jogos, o que temos é o Estado real tomando as decisões políticas em nome do Estado Constitucional, escondido por detrás de seus ritos.

E nesse Estado real, o financiamento da máquina política, que é uma parte poderosa e articulada do Estado real, se dá por desvios dos recursos do orçamento. E isso atinge severamente o SUS.

Por aí, você consegue ter uma ideia do tamanho do desafio que traduz a luta em defesa do SUS.

Viomundo — Em todo o País acelera a entrega dos serviços do SUS a OSS. Esse processo não é fatal para o sistema público de saúde?

Jairo Bisol — Totalmente fatal. Tal como a iniciativa privada, a atividade suplementar também não suplementa o SUS, ela engole o SUS.

Pelas razões que expus até aqui, estou convicto de que o processo de privatização é um processo de desconstrução do SUS.

O poder político maior, a ideologia dominante neoliberal, sabe que não consegue revogar o SUS, porque causaria reação muito grande na sociedade brasileira.

E como os inimigos do SUS não conseguem acabar com o sistema por meio de um ato de poder, revogatório, definitivo, o que fazem?

Fazem um envenenamento progressivo, uma desconstrução paulatina, escamoteada, por meio do subfinanciamento e das privatizações em curso. No coração desse processo encontra-se hoje a terceirização da oferta de ações e serviços de saúde do SUS para as OSS.

Viomundo – E o ‘Agora tem Especialistas’?

Jairo Bisol – Uma vez que o programa busca se viabilizar via OSS, ele vai aumentar o processo de privatização do sistema. O que aparentemente se mostra como uma solução a curto prazo, pode ser um tiro no pé. Num primeiro momento, programa pode até dar à população um acesso um pouco maior aos especialistas, mas a médio e longo prazos vai diminuir o acesso.

Viomundo – Por quê?

Jairo Bisol – Uma vez que esse processo deletério e progressivo de privatização está desconstruindo o SUS, inviabilizando o sistema.

Viomundo – O envenenamento progressivo, escamoteado, a que se referiu um pouco antes está ocorrendo agora?

Jairo Bisol – Sim, e vai se agravar bastante.

Viomundo – Como lutar contra esse envenenamento do SUS?

Jairo Bisol – Insisto na tese de que o Estado é um jogo de poder que se esconde por detrás da máscara dos ritos. É da natureza do poder dissimular.

Do ponto de vista da filosofia jurídica e política, eu diria que o Estado de Direito está construído em cima de inversão fantasiosa da relação entre poder e Direito.

O Estado, como uma estrutura unitária de poder, foi construído a partir do conceito de soberania. O Direito era uma expressão da vontade política do poder. E com isso a gente construiu o Estado absoluto.

O Estado absoluto é a mais absoluta expressão do conceito de soberania, que vem desde os Seis Livros da República, obra do jurista e filósofo francês Jean Bodin, publicada em 1576.

Quando a gente sai do Estado absoluto para o Estado de Direito, inverte essa lógica. Coloca o conceito de soberania de cabeça para baixo.

Aí, tu me dizes: “O poder agora vai ser uma expressão da vontade do Direito. O poder vai se traduzir em feixes de competência definidos por normas jurídicas válidas’’.

Estado de Direito, em tese, é o poder determinado pelo Direito. Estado é poder, Direito é Direito. Daí, o nome Estado de Direito.

Aí, eu te digo: ‘’Muito bonito, muito bem concebido. Mas tu combinastes com o poder? O poder vai se submeter aos limites da legalidade?”

Não vai. O poder, espertamente, vai usar isso como fachada, como máscara, e vai se exercer por detrás dessa máscara.

É isso que a gente vê acontecer em todos os níveis. O mundo é assim.

Nas nossas batalhas pelo SUS, a gente tem que saber enxergar isso, para ver quando pode avançar e quando tem que recuar. No mundo neoliberal, tentar implantar uma política social como o SUS vai ser uma eterna guerra.

Viomundo – Por quê?

Jairo Bisol – Porque num mundo onde a economia está globalizada, quem acaba comandando a política é a área econômica dos governos, que impõe a defesa do mercado.

O fato é que a condição humana atrapalha o mercado. É um estorvo para o mercado.

Ou inventamos um mundo voltado para o mercado, ou inventamos um mundo voltado para a condição humana. Tercius non datur.

No mundo neoliberal, o que importa é o mercado. As políticas sociais são um estorvo. O SUS é um estorvo para o mercado, atrapalha.

Nos Estados Unidos da América, não há o SUS. Lá, você tem um mercado funcionando maravilhosamente bem, a mais perfeita medicina neoliberal. Um sistema de saúde de altíssima tecnologia, com resultados econômicos fantásticos, mas a maior parte da população morre sem assistência.

Viomundo — Por falta de acesso?

Jairo Bisol — Não é porque a população não tem acesso. O sistema de saúde lá não foi feito para as pessoas. Foi feito para produzir dinheiro, riqueza. A medicina dos EUA é neoliberal. Ela produz dinheiro. Só não produz saúde.

Viomundo – E a condição humana?

Jairo Bisol – ‘’Que se lixe de condição humana’’, vão te dizer. ‘’Nós somos neoliberais’’.

Essa é a questão de fundo. A sociedade neoliberal é organizada para fazer funcionar o mercado. E se o ser humano ou a natureza são estorvos para o mercado, então, dane-se o ser humano, dane-se o equilíbrio ecológico do planeta.

E fazer saúde pública é proteger a nossa humanidade, a despeito dos interesses do mercado. E até mesmo contra eles.

Portanto, construir o SUS num Estado com a economia neoliberal significa guerra permanente. E a gente tem que aprender a fazer essa guerra de guerrilha. Às vezes, avançar quando há espaço, às vezes recuar. Só não pode baixar a guarda. Nunca!

Eu vejo grandes defensores do SUS em todos os níveis, no pessoal ligado ao Movimento da Reforma Sanitária, nas equipes de gestores do Conass [Conselho Nacional de Secretários de Saúde] , Conasems [Conselho dos Secretários Municipais de Saúde], na área técnica do Ministério da Saúde, no controle social, como o Conselho Nacional de Saúde.

São guerreiros que estão fazendo o dia a dia dessa importante luta social. A gente tem que se alinhar a esses guerreiros e guerreiras e guerrear junto, também. Ponto.

Viomundo – O senhor disse que a crescente privatização do SUS é fatal para o sistema. Como fica o MP, já que foi empoderado pela Constituição de 1988 para defender os interesses coletivos da sociedade?

Jairo Bisol – Vamos lá. O Ministério Público recebe da Constituinte, entre outras funções, a de controle da efetivação das políticas públicas.

O fato é que a tarefa de controle da efetividade das políticas públicas vem impondo à instituição uma mudança substancial de perfil. O Ministério Público passa a ser mais representante dos interesses da sociedade do que do Estado, mais um ombudsman.

Só que o MP vem com uma cultura e uma tradição criminalista, punitivista. E mudanças culturais implicam processos lentos. Ademais, não tínhamos uma cultura interna a nos apontar como exercer adequadamente esse controle, não tínhamos tradição nessa área.

Começamos a defender da sociedade metralhando gestores que não executavam a política.

Viomundo – Como assim?

Jairo Bisol — A gente entrava com ações civis públicas sempre que nos deparávamos com inexecuções setoriais da política de saúde. Não percebíamos ainda as ingovernabilidades do sistema. Não sabíamos discernir ainda o que era desgoverno e o que era ingovernabilidade.

E nos casos de ingovernabilidade a sabedoria aponta a necessidade do controle se aliar à gestão para exigir das esferas superiores da política condições mínimas que sejam de efetivação do SUS, de garantia dos Direitos da população.

O SUS é cheio de ingovernabilidades, por todas essas irracionalidades que apontamos até aqui.

Por exemplo, se tu determinas que o SUS tem que realizar as necessidades em saúde da população, que implicam num volume X de ações e serviços de saúde, mas coloca um orçamento insuficiente, você vai gerar uma ingovernabilidade, não vai?

Viomundo – Claro.

Jairo Bisol — Se tu não construir um modelo de gestão adequado para o gestor conseguir organizar o serviço, você vai gerar outras ingovernabilidades.

E nós, do MP, atacamos com ações civis públicas muitos gestores vindos inclusive do movimento da Reforma Sanitária, pessoas profundamente comprometidas com o SUS.

Isso aconteceu de fato, acho que fomos muito ingênuos no começo. Falo por experiência própria, pois comecei minha atuação impregnado por essa cultura punitivista. Mas comecei a perceber que, no fundo, estava prestando um desserviço à sociedade e ao desafio de efetivação da política.

É nesse contexto que nasceu no MP uma geração – eu sou um deles — voltada para a questão dos Direitos humanos. O Conselho Nacional de Procuradores Gerais criou o Grupo Nacional dos Direitos Humanos (GNDH), que, por sua vez, criou comissões especializadas de vários Direitos, dentre eles o Direito à saúde.

A partir dali, começamos a reunir promotores do Brasil inteiro e discutir: “a gente está fazendo errado. Estamos atirando nos gestores que defendem a saúde, quando devíamos nos aliar a eles, para buscar governabilidade para o sistema’’.

Começamos, então, a mudar a compreensão do Ministério Público sobre o que significa o afazer de controlar políticas públicas e que ferramentas temos de desenvolver. Este é um processo em curso, ainda.

O perfil inicial do MP começa a mudar, mas uma cultura se muda aos poucos e ainda estamos desenvolvendo ferramentas que nos permitam um exercício mais eficaz dessa função de controle.

Viomundo – E como tem de ser feito o controle?

Jairo Bisol — Dialogando com a gestão. Profundamente. Intensamente.

Viomundo – Em relação ao SUS o que está sendo feito?

Jairo Bisol – Está crescendo a nossa compreensão do sistema, estamos compreendendo melhor as irracionalidades e as ingovernabilidades do SUS.

Estamos buscando estratégias muito mais dialógicas com gestores, estabelecendo parcerias estratégicas.

Tem um grupo muito avançado no MP fazendo a defesa do SUS. Ele é ligado à Comissão Permanente de Defesa da Saúde, do GNDH. É um grupo que propaga toda uma compreensão da necessidade de defesa do SUS para o MP da Saúde no Brasil inteiro.

Viomundo – Na prática, a privatização do SUS vai contra os interesses coletivos. Não o incomoda o MP não cumprir o que foi pensado na Constituinte?

Jairo Bisol – Claro que me incomoda quando o MP adota uma posição complacente com a privatização da saúde. Mas, também, muito me orgulha quando ele luta com unhas e dentes contra a privatização e em defesa incondicional dos Direitos sanitários da população, em defesa do SUS.

Ademais, tal como o Judiciário, o Ministério Público, embora concebido formalmente como unitário, não pode ser pensado e entendido, na prática, como uma unidade.

Alguns membros do Ministério Publico, em uma atitude mais conservadora, entendem que se a questão das OSS foi definida por interpretação constitucional do STF, tal entendimento tem que ser adotado e respeitado.

Outros, em atitude mais progressista, entendem que é necessário lutar contra esse entendimento, resistir a ele no plano infraconstitucional do Direito. Uma forma batalhar pela mudança de compreensão do tema pelo Supremo Tribunal.

Afinal, água mole em pedra dura…Penso que devemos, em todos os níveis possíveis e com as ferramentas que dispomos, lutar contra o processo de privatização do SUS.

Se não estamos conseguindo vencer a guerra, não vamos afrouxar a corda, não.

Precisamos resistir, pois se trata de um processo de destruição por dentro dessa política. Seus inimigos não conseguiram explodir com ela; agora estão tentando a sua implosão.

Resistir é o nosso mantra. Quem sabe lá na frente o quadro muda um pouco e a gente possa voltar a avançar, como fizemos no processo constituinte.

E essa luta consiste visceralmente em segurar o SUS como um sistema público, pois no público o que importa é a condição humana, o mercado é secundário.

Portanto, a gente tem que manter viva a luta contra a privatização. Se esse processo de privatização for vitorioso, lá na frente os Direitos sanitários da população vão estar totalmente comprometidos, porque irá prevalecer a lógica do mercado na saúde.

É difícil engolir um sistema de saúde onde a condição humana se torne algo secundário.

Viomundo – Pelo Brasil afora, há muitos serviços do SUS, inclusive hospitais novos, sendo entregues a OSS, com respaldo do Ministério Público. Se fosse promotor em um desses locais, o que faria?

Jairo Bisol – Penso que não se pode privatizar a oferta de ações e serviços de saúde nos moldes em que está se fazendo atualmente, porque esse caminho é visceralmente inconstitucional.

O volume e a intensidade do processo de privatização em curso no SUS estão ostensivamente descaracterizando e ofendendo o desenho constitucional do sistema.

Mas como eu disse, a visão do judiciário é casuística, e isoladamente falando, o Supremo decidiu que a terceirização de um determinado serviço para as OSS, não é inconstitucional. O fato é que essa decisão não vê o todo, não vê o processo. Vê apenas um movimento dele, um lance, isoladamente.

Diante dessas considerações, se eu fosse promotor, atuaria de forma intensa para evitar essas terceirizações para as OSS.

Aliás, não apenas faria. Eu o fiz enquanto estava atuando na ponta. A retomada da gestão pública do Hospital de Santa Maria, por exemplo, foi articulada por mim com a então Secretaria de Saúde e com o governador do DF, a titulo de exemplo.

As UPAS de lata não foram implantadas no Distrito Federal por ações judiciais movidas por mim. Isso eu chamo de efetividade no exercício do controle do SUS para impedir a privatização e a desconstrução do Sistema Único de Saúde.

De um modo geral, falar contra a privatização é fácil. O difícil mesmo é ser eficaz na conquista de vitórias. Tocar de fato na realidade.

Viomundo – Só que há locais em que o Ministério Público, por omissão e inércia, faz vista grossa à privatização da Saúde, como se ela fosse sinônimo de legalidade. E, aí?

Jairo Bisol – Como já disse, o Ministério Público não é uma estrutura monolítica. Há setores que cumprem função importantíssima na defesa do SUS. Outros pensam diferente.

Nós estamos trabalhando para hegemonizar essa compreensão na defesa do SUS dentro do Ministério Público brasileiro.

Além disso, é preciso ter em mente que o Ministério Público é apenas um dos três vértices do sistema de controle da política de saúde. É o controle externo. Existem ainda o controle interno e o controle social, e nenhum dos três consegue dar conta do processo de privatização do SUS, dado o empoderamento das forças e dos interesses que estão por detrás dele.

Apesar de todos esses sistemas de controle, a privatização avança.

Ao meu sentir é preciso articular melhor aqueles que pensam, dentre de cada uma dessas esferas de controle, a luta contra a privatização como estratégica para o futuro do sistema único de saúde.

É preciso somar forças em defesa do SUS, e não dividir.

É preciso entender que há diferenças de entendimento e, por vezes, diferenças fundamentais de função entre os defensores do SUS.

É preciso cultivar sabedoria e habilidade política para transcender o campo sedutor da mera guerra das ideias e abrir caminhos que produzam resultados concretos.

Nessa luta, o Ministério Público é apenas uma trincheira. Como é em tantas outras lutas sociais sensíveis.

Mas é uma trincheira importante, um campo de atuação instrumental e bastante resolutivo, ideal para para quem realmente quer tocar a realidade nessa luta pela efetivação das políticas públicas sociais.

Temos que continuar buscando articular politicamente a base dos defensores do SUS. A articulação política é que nos dá força. A divisão só enfraquece a luta.

Não é uma briga fácil, mas não devemos desistir, não!

Devemos entender as suas vicissitudes e buscar fortalecer a articulação política sanitária das estruturas do Estado potencialmente defensoras do SUS. E fazer o mesmo com a sociedade organizada. Essa é a base.

A consciência política sanitária e a sabedoria para conduzir a luta serão, para mim, determinantes.

É uma luta de resistência. Quem sabe a gente chega num mundo um pouquinho melhor e possa reconstruir o SUS de forma mais intensa. Tem que ser otimista e ter compromisso.

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Last Update: 15/07/2025