Jair Bolsonaro apodrecerá em uma prisão brasileira?

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Não entrarei em detalhes aqui porque o caso é colossal. As alegações finais apresentadas contra Jair Bolsonaro e seus parceiros é um livro de 517 páginas. A denúncia apresentada contra eles tem 272 páginas. Se somarmos a isso todas as defesas apresentadas pelos réus, os laudos periciais, documentos, imagens etc., o caso inteiro se estende por milhares de páginas.

Antes de qualquer consideração, devo declarar aqui que não apoio o ex-presidente Bolsonaro e estou convencido de que ele merece ser condenado pelos crimes que cometeu. Ele, sem dúvida, liderou uma tentativa de golpe de Estado, e este é um crime grave no Brasil. O rastro de evidências que ele deixou na forma de vídeos, mensagens, discursos, documentos e transmissões ao vivo é mais do que suficiente para justificar sua condenação. O depoimento de um de seus principais assessores o incrimina, assim como informações obtidas dos telefones e computadores de seus demais réus.

Além disso, oponho-me à concessão de qualquer tipo de perdão, clemência, indulto ou anistia aos acusados. Isso só deixaria a alcateia golpista brasileira sedenta e a faria redobrar seus esforços para derrubar nossa democracia, sabendo que ficarão impunes se fizerem o mesmo que Bolsonaro fez. Mas, vejam bem, sou um advogado calejado e não posso deixar de me sentir tentado a olhar para um caso de tão alta repercussão com os olhos de um defensor de causas perdidas.

Jair Bolsonaro e vários cúmplices foram apanhados nas redes da Justiça brasileira por planejar e executar um golpe de Estado que teria levado à mudança de regime no Brasil. Eles fizeram campanha contra o sistema eleitoral, colocaram manifestantes nas portas dos quartéis exigindo “intervenção militar”, recusaram-se a reconhecer os resultados das eleições, tentaram impedir a posse do candidato eleito e provocaram uma orgia de violência de milhares de seus apoiadores contra a sede dos três poderes em Brasília.

Foi amplamente estabelecido por evidências irrefutáveis que uma rede de líderes militares e civis golpistas comandadas por Jair Bolsonaro existia. Entre outras coisas, eles pretendiam movimentar tropas e assassinar o presidente eleito, ministros do Supremo Tribunal Federal e outros líderes políticos. Os réus negaram as acusações, mas é alta a probabilidade de que eles serão condenados.

Suponho que não teria sido difícil para os advogados de Jair Bolsonaro arrastar as grandes empresas de tecnologia norte-americanas para o processo criminal, porque, afinal, elas não apenas impulsionaram a campanha golpista por mais de um ano e lucraram com isso. Na verdade, elas fizeram o próprio Bolsonaro, generais, policiais e políticos golpistas acreditarem que um golpe de estado era realmente possível, pois a campanha de desestabilização do país parecia ter muito mais poder online do que realmente tinha.

Se as Big Techs norte-americanas não tivessem instigado o golpe, fornecendo os meios para disseminar mensagens golpistas e reforçando a predisposição autoritária dos líderes do movimento, eles poderiam ter refletido e recuado a tempo. Mas isso não aconteceu. A predisposição autoritária dos líderes golpistas foi garroteada pelos algoritmos, amplificada pelo sucesso virtual da mensagem golpista que gerou lucros para as Big Techs e enganada pela aparência de sucesso da trama. Em determinado momento, não só não havia mais possibilidade de interromper o que estava acontecendo, pois o “ponto sem retorno” foi invisibilizado pelas fórmulas matemáticas que levaram os golpistas a acreditar que o cenário de mudança de regime era real e se consolidaria.

Entretanto, os advogados de Jair Bolsonaro e dos demais réus não compreenderam a utilidade desse argumento. Eles deixaram as Big Techs de fora da discussão, o que inviabilizou qualquer possibilidade de alegarem a seletividade penal da Procuradoria-Geral da República.

Por seletividade penal, entendo o seguinte: quando vários réus agem em conjunto e contribuem para o crime, todos devem ser indiciados; o Ministério Público Federal não pode optar por indiciar alguns e não outros. Se as Big Techs são corresponsáveis pelo golpe, seus donos também deveriam ter sido denunciados, o que não ocorreu, razão pela qual, em tese, se poderia arguir a nulidade do processo.

Mas essa possibilidade existiria se, e somente se, Jair Bolsonaro e demais acusados tivessem exigido a inclusão de seus poderosos parceiros internacionais como réus na ação penal, o que de fato não ocorreu. As escolhas dos advogados que atuam na ação penal comentada pavimentaram o caminho para a condenação dos clientes deles? Suponho que sim,  mas posso estar enganado. 

A discussão sobre a responsabilidade ou não das Big Techs norte-americanas pelo mesmo crime atribuído a Jair Bolsonaro e seus parceiros é verdadeiramente complexa. Envolve múltiplas questões jurídicas e pode encontrar obstáculos devido à impossibilidade de aplicação extraterritorial da Lei Penal. Sem mencionar aqui a questão da culpabilidade, que sempre envolve uma avaliação dos aspectos subjetivos dos suspeitos de coparticipação em um crime. Não há responsabilidade penal objetiva. Além dessas questões, embora algoritmos possam ser deliberadamente projetados ou modificados para impulsionar uma mudança de regime como a tentada por Jair Bolsonaro, isso dependeria de prova pericial.

Entretanto, existiria algumas vantagens em arrastar as Big Techs norte-americanas para um escândalo como este: isso daria ao caso imensa projeção internacional, forçaria a Suprema Corte a decidir questões delicadas e inovadoras e, acima de tudo, poderia prolongar o processo devido a intimações, perícias etc.

Como os políticos e militares envolvidos no golpe trabalham nos bastidores para obter uma anistia aprovada no Parlamento, quanto mais demorado fosse o processo, maiores seriam as chances de resolução do caso criminal na arena política. Mas isso não é mais possível.

As escolhas feitas por Jair Bolsonaro e seus parceiros, bem como suas respectivas equipes de defesa, podem ter facilitado o trabalho do Procurador-Geral da República. Talvez eles imaginassem que o apoio a Donald Trump poderia ser minado se as Big Techs fossem arrastadas para o esgoto da ação penal em questão. Mas eu suspeito que eles possam ter cometido um erro: o presidente norte-americano teria despendido muito mais energia no caso se tivesse, com muito mais razão, que defender os interesses das poderosas corporações de seu país e os proprietários.

“A advocacia é para os corajosos”, disse um advogado brasileiro. Concordo com ele e acrescentaria: a prática da advocacia também é para os astutos.

Fiz quatro IAs diferentes analisarem o cerne desses argumentos. Veja você mesmo os resultados.

ChatGPT:

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Perplexity:

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Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

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Last Update: 17/07/2025