O artigo O algoritmo quer dominar a América Latina, de Reynaldo Aragon Gonçalves, publicado nesta quarta-feira (11) no Brasil 247, é mais um capítulo de um posicionamento que vários setores da esquerda abraçaram: o de demonizar as tecnologias. De início, as redes sociais e, agora, as chamadas inteligências artificiais.

Vivemos uma espécie de ludismo. O ludismo foi um movimento de trabalhadores, especialmente operários têxteis, que ocorreu na Inglaterra entre 1811 e 1817, durante a Revolução Industrial. Esses trabalhadores protestavam contra as máquinas que estavam sendo introduzidas nas fábricas, pois acreditavam que elas estavam tirando seus empregos e piorando suas condições de trabalho.

‘O mundo mudou’

Outro tema recorrente nesses setores da esquerda — que vai do PSTU a frações do PSOL — é a ideia de que o mundo mudou e há algo de novo em curso. É isso que lemos, por exemplo, no trecho: “o novo ciclo da dominação invisível – Há algo de profundamente enganoso na aparência de normalidade que ainda paira sobre as democracias latino-americanas”.

Cristina Kirchner é condenada a seis anos de prisão, o Ministério Público acusa Evo Morales de terrorismo, o imperialismo tenta a todo custo desestabilizar a Venezuela, o Peru é governado por um golpe militar, o Brasil vive uma verdadeira ditadura do Judiciário. Com esses poucos exemplos, fica difícil enxergar onde está a tal “aparência de normalidade que paira sobre as ‘democracias’ latino-americanas”.

O apocalipse

Também não pode faltar, no texto dessa esquerda, o clima de terror e de fim dos tempos, como no trecho: “uma outra realidade — subterrânea, tecnicamente sofisticada e estrategicamente coordenada — avança com força avassaladora: a colonização dos processos de subjetivação por forças externas ao campo democrático, operada por plataformas digitais, consórcios transnacionais de dados e aparelhos de guerra cognitiva. Estamos diante de um novo ciclo de dominação, mais difuso e menos visível, mas não menos brutal que seus predecessores”.

Gonçalves afirma que “a dominação já não se apresenta sob a forma clássica da força militar ou da ocupação territorial”. O imperialismo esteve até ontem no Afeganistão, destruiu a Líbia e a Síria, ameaça o Irã, ataca o Iêmen, cria coalizões militares na Ásia. Se isso não for o velho militarismo, o que seria?

Em seguida, Gonçalves diz que “ela se infiltra como design, como algoritmo, como política de dados. Reconfigura a percepção coletiva, manipula afetos, desorganiza a memória e implode a confiança nas instituições pela saturação e pelo cinismo programado”. Nada que a imprensa capitalista não faça desde sempre no Brasil e no mundo, mas isso não é criticado pelo articulista.

O autor, na mesma toada, afirma que “o novo imperialismo não se impõe mais por tanques, mas por termos de uso”. Não existe isso de “novo imperialismo”. As empresas de tecnologia, ainda que sejam setores importantes do capitalismo, não têm o mesmo poder do capital financeiro e dos setores armamentistas. Setor que garante, sim, a imposição da ditadura do imperialismo sobre os países atrasados por meio de “tanques”.

O ‘trumpismo’

Gonçalves pretende “mapear os contornos da guerra invisível que se alastra sobre o continente, compreender o papel das Big Techs como agentes ativos de um novo projeto imperial, interpretar o trumpismo não como exceção norte-americana, mas como tecnologia global de reorganização autoritária. E, sobretudo, sustentar a tese de que a batalha fundamental do presente não é apenas econômica ou institucional — é cognitiva. E, como toda batalha cognitiva, ela se decide antes de tudo na disputa pela percepção da realidade”.

Antes de qualquer coisa, é preciso dizer que Donald Trump, apesar de direitista, está em contradição com os interesses do grande capital. O atual presidente norte-americano declarou várias vezes seu desejo de interromper o conflito na Ucrânia — o oposto do que vinha fazendo Joe Biden.

Embora o presidente anterior dos Estados Unidos, Joe Biden, esteja por trás do golpe contra Dilma Rousseff, da guerra na Ucrânia, das ameaças militares contra a China e do genocídio em Gaza, Donald Trump é pintado como o grande terror, uma ameaça à democracia.

A única reorganização autoritária que estamos assistindo ocorre justamente nos países que se dizem democráticos, como Alemanha, França e Reino Unido, onde se pode ser preso por publicaçòes de apoio à Palestina na Internet.

Gonçalves, em seu linguajar rebuscado e repleto de jargões, afirma que “esse novo regime de dominação está intimamente articulado ao projeto MAGA, nascido no coração do trumpismo, mas já expandido como tecnologia geopolítica de reorganização da extrema-direita global. O que se convencionou chamar de trumpismo não é apenas uma aberração política norte-americana: é um dispositivo estratégico, um vetor de disrupção institucional, baseado na saturação de informações contraditórias, no ataque permanente às mediações democráticas e na mobilização afetiva de massas ressentidas, conectadas por plataformas que operam como verdadeiras máquinas de guerra semiótica”.

Depois desse trecho, é preciso insistir: nada disso é novo. Dizer que plataformas de mensagens são “máquinas de guerra” é um completo absurdo. As redes sociais, ao contrário do que diz o autor, são uma forma democrática de produção de conteúdo.

A extrema direita utiliza as redes? Sim, mas a esquerda também. Não há do que se queixar. Por que o imperialismo quer censurar as redes? Porque as pessoas discutem, conversam, publicam conteúdos que desmentem a imprensa capitalista. Sem as redes sociais, o genocídio que o Estado nazista de “Israel” está cometendo na Faixa de Gaza não seria conhecido pela maioria da população do mundo como é hoje.

No Brasil, principalmente a partir de 2013, a burguesia decidiu que é fundamental censurar as redes. O motivo é simples: durante as manifestações daquele ano, vídeos publicados nas redes mostravam policiais quebrando os vidros das viaturas para justificar sua truculência. Policiais foram filmados atirando bombas de gás lacrimogêneo dentro de apartamentos, de restaurantes onde pessoas se refugiavam. Há vídeos de policiais disfarçados atirando coquetéis molotov contra a própria tropa. Tudo isso desmontou a rede de mentiras da imprensa. O monopólio da informação ficou abalado.

O problema das redes sociais é que elas são mais democráticas — não porque divulgariam notícias falsas. Infelizmente, setores da esquerda se uniram ao imperialismo e querem a censura.

Resumo

Para poupar o leitor, o resumo é o seguinte: existe uma forma de dominação “sem armas”, maliciosa, silenciosa, que se daria por meio dos algoritmos. Esse é o novo bicho-papão que daria sustentação ao fascismo.

O que importa é onde isso deságua. Outros setores da esquerda, que pintam o mesmo cenário apocalíptico e afirmam que tudo mudou, querem que os trabalhadores se unam em uma luta contra esse grande inimigo: o fascismo.

Para que tal luta seja vitoriosa, seria necessário censurar as redes e promover a união da classe trabalhadora com as “democracias liberais”, mais conhecidas como imperialismo.

Essa política deve ser repudiada. Apontar Trump como a grande ameaça da humanidade — não que ele seja progressista — é esconder todos os crimes dos “democratas”.

Tentar fazer com que a classe trabalhadora se alie a seu principal inimigo, o imperialismo, é uma política criminosa que deve ser duramente combatida. Os trabalhadores não devem se deixar intimidar por esse clima de fim do mundo. É preciso combater o fascismo, mas é preciso, antes, saber que ele está disfarçado de democracia.

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Last Update: 12/06/2025