Israel promove uma guerra sem fim na Faixa de Gaza?

por Lucas Silva

A guerra de Israel na Faixa de Gaza ultrapassou os 300 dias sem apresentar sinais reais para uma perspectiva de final. A guerra começou como uma resposta de Israel aos ataques terroristas do Hamas em 07 de outubro de 2023, onde cerca de 1.200 pessoas foram mortas e 240 foram feitas reféns. Afirmava-se que os objetivos eram libertar os reféns e eliminar o Hamas. A solidariedade internacional em repúdio à barbárie do Hamas dava alguma legitimidade aos ataques militares na Faixa de Gaza, mas a desproporção da força israelense empregada, rapidamente inverteu esta noção. Ficou nítido que a resposta do estado de Israel a um ataque bárbaro seria com uma barbárie ainda maior.

O balanço destes dez meses de conflito é alarmante. O número de vítimas da agressão israelense contra a Faixa de Gaza já chegou a 40 mil mortes e mais de 92 mil feridos, em sua maioria mulheres, crianças e idosos. Antes da guerra, a Faixa de Gaza já era apontada como o pior lugar do mundo para se viver. Devido ao conjunto de restrições impostas pelo estado de Israel ao povo palestino, este espaço territorial de 360 km² converteu-se na maior prisão a céu aberto do mundo, onde nenhum de seus cerca de 2 milhões de moradores possui a liberdade de ir e vir. Agora, a situação ficou ainda pior. Com o que havia de estrutura urbana sendo arrasada, com prédios residenciais, mesquitas, escolas e até mesmo hospitais sendo alvo dos mísseis israelenses, somado ao bloqueio ou racionamento do acesso à ajuda humanitária de água, alimentos e medicações, colocou toda a população palestina sob um cruel suplício, não apenas os militantes do Hamas, que seriam os alvos declarados de Israel.

Para Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, os ataques do Hamas foram uma espécie de “salva-vidas político”, dando a oportunidade de se utilizar da guerra para prolongar sua permanência no poder. A guerra acontece depois de dez meses da mais significativa crise política e social interna do país em décadas. A crise política interna se deflagrou devido à legislação promovida pelo governo Netanyahu com o objetivo de enfraquecer drasticamente o judiciário de Israel e potencialmente resgatar o primeiro-ministro dos três julgamentos de corrupção que enfrenta. Além disso, ocorre num contexto de escalada da violência entre palestinos da Cisjordânia e colonos israelenses, estes últimos fortalecidos pelo governo mais direitista de Israel de todos os tempos.

Se a libertação dos reféns israelenses neste momento já deixou de ser um objetivo prioritário, o fim do Hamas se converte num objetivo cada vez mais difuso, sem metas tangíveis, permitindo o prolongamento indefinido da guerra. Mais do que isso, esta “guerra ao terror” permite a expansão do conflito para outros territórios na região, como as escaramuças do exército de Israel contra o Hezbollah no sul do Líbano, os ataques ao Iêmen e o aumento das tensões com o Irã demonstram. Esta ampliação das zonas de confronto fortalece uma assustadora perspectiva de guerra sem fim, promovida por Israel na região.

Num cenário de guerra sem fim, o massacre genocida de Israel contra o povo palestino em Gaza, ganhará feições de uma barbárie permanente, podendo cruzar para um estágio ainda mais perigoso, para ambos os lados. Para o lado palestino, é um tanto óbvio os perigos que envolvem uma guerra sem fim, colocando uma ameaça ainda maior sobre sua própria condição existencial. Para Israel, uma guerra sem fim passa a ser a condição existencial de uma sociedade cada vez mais militarizada e avessa à democracia.

O objetivo de Netanyahu é prolongar a guerra ao máximo, talvez até mesmo torná-la uma situação permanente; com isso, além de se perpetuar no poder como um ditador, sepultando a democracia de Israel, poderia criar uma espécie de teocracia judaica. Mesmo havendo uma significativa sociedade civil organizada em Israel, que repudia a agenda política da extrema-direita, o regime de exceção aberto com a guerra permite que estes retrocessos ganhem forma.

Neste cenário, a luta pela paz é ainda mais necessária e urgente. No curto prazo, um imediato e duradouro cessar-fogo do exército de Israel precisará ser alcançado. Se o Ocidente, em particular os EUA e a Alemanha, passar a ter uma mudança de postura, abandonando suas atuais posições hipócritas e passando a exercer uma real preocupação com a estabilidade da região, isto poderia ser mais facilmente alcançado.

Para alcançar uma paz duradoura na região, a criação de um estado da Palestina independente e soberano é essencial. Isso implica no fim da expansão de assentamentos israelenses e na retirada das forças de ocupação dos territórios palestinos. A autodeterminação palestina é crucial para equilibrar as relações de poder e promover a estabilidade regional. O reconhecimento mútuo e o respeito às fronteiras internacionalmente reconhecidas são passos fundamentais nesse processo. A comunidade internacional tem um papel importante em apoiar e mediar negociações que levem a uma solução justa e equitativa para ambos os povos.

Lucas Silva é historiador

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Última Atualização: 12/08/2024