Israel intensificou sua ofensiva contra a Cidade de Gaza no fim de semana, matando pelo menos 45 pessoas e destruindo prédios residenciais, enquanto o gabinete de segurança do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu se preparava para discutir a tomada da cidade. 

A região concentra cerca de um milhão dos mais de dois milhões de habitantes do enclave, o que transforma qualquer ofensiva em um risco direto para a população civil, que já enfrenta fome, falta de medicamentos e abrigos. Apesar disso, Netanyahu descreveu a cidade como “último bastião do Hamas”.

Autoridades locais de saúde relataram que, apenas neste domingo (31), 30 pessoas foram mortas, incluindo 13 que tentavam coletar comida próximo a um ponto de ajuda no centro do enclave, além de duas em uma casa na Cidade de Gaza. 

Em um outro ataque, no sábado (30), 15 pessoas foram mortas em um edifício residencial, entre elas cinco crianças.

Os ataques se concentram em bairros populosos, como Sheikh Radwan, onde moradores relataram que tanques israelenses e aviões de combate bombardearam a região continuamente ao longo de sábado e domingo, obrigando famílias a deixar suas casas e buscar refúgio na parte oeste da Cidade de Gaza. 

“Eles estão avançando para o coração da cidade onde centenas de milhares estão abrigados, vindos do leste, norte e sul, enquanto bombardeiam essas áreas do ar e da terra para assustar as pessoas a deixarem o lugar”, disse Rezik Salah, pai de duas crianças, à Reuters.

A escalada militar foi acompanhada de restrições ainda mais severas à entrada de ajuda humanitária. Na sexta-feira (29), Israel encerrou as pausas temporárias que permitiam a entrega de suprimentos, declarando a Cidade de Gaza como “zona de combate perigosa”. 

A medida ampliou a escassez de alimentos, remédios e abrigos, aprofundando a crise vivida por uma população já exausta pela guerra. 

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha alertou para o impacto devastador de uma possível evacuação em massa da Cidade de Gaza, que concentra cerca de metade da população do enclave, mais de 1 milhão de pessoas. 

“Uma evacuação da cidade provocaria um deslocamento populacional massivo que nenhuma outra área do enclave teria condições de absorver, dada a escassez de comida, abrigo e suprimentos médicos”, afirmou a presidente da organização, Mirjana Spoljaric. 

Famílias relatam a impossibilidade de encontrar abrigo em outras localidades. “Pessoas que têm parentes no sul foram ficar com eles. Outros, inclusive eu, não encontraram espaço, já que Deir Al-Balah e Mawasi estão superlotadas”, disse Ghada, mãe de cinco filhos, moradora do bairro de Sabra.

A intensificação dos ataques agrava ainda mais a situação humanitária em uma região que já acumula um saldo devastador. Desde 7 de outubro de 2023, a ofensiva israelense contra a Faixa de Gaza já matou mais de 63 mil pessoas, de acordo com as autoridades de saúde locais, a maioria civis. 

Grande parte do território permanece em ruínas, sem infraestrutura mínima para atender às necessidades da população.

O plano militar israelense

O governo israelense afirma que a ofensiva contra a Cidade de Gaza ainda não começará de imediato. Segundo autoridades militares, uma operação em larga escala “não deve começar nas próximas semanas”, já que a prioridade seria evacuar civis antes de avançar com novas tropas terrestres. 

Apesar disso, o gabinete de segurança de Netanyahu se reuniu no domingo para discutir as próximas etapas da tomada da cidade.Netanyahu voltou a defender a operação como necessária, ao declarar que a Cidade de Gaza representa o “último bastião do Hamas”. 

O primeiro-ministro tem insistido que a ofensiva tem caráter decisivo contra o grupo palestino, mesmo diante da concentração massiva de civis e da crise humanitária.

Dentro de Israel, a estratégia militar também gera tensão. O próprio exército advertiu os líderes políticos de que a operação pode colocar em risco os reféns ainda mantidos em Gaza. Vinte dos 48 reféns que permanecem em cativeiro são considerados vivos. 

O alerta ocorre no momento em que protestos se intensificam em cidades israelenses, com manifestantes exigindo o fim da guerra e a libertação imediata dos sequestrados.

Contradições internas expõem falhas na estratégia

Enquanto o gabinete de segurança discute os próximos passos da ofensiva para tomar a Cidade de Gaza, cresce a percepção de que Israel não tem uma estratégia clara nem a capacidade de sustentar uma operação de tamanha dimensão. 

Um documento das próprias Forças de Defesa de Israel (FDI), revelado pela imprensa local, concluiu que a última grande campanha militar contra o enclave — a chamada Operação “Carruagem de Gideão”, realizada entre maio e agosto — falhou em atingir seus objetivos centrais. 

O relatório, distribuído entre brigadas do exército, afirma de forma categórica que “Israel cometeu todos os erros possíveis” ao conduzir a ofensiva.

O texto interno enumera uma série de falhas estratégicas: atuação contrária à doutrina militar, incompetência na distribuição de ajuda humanitária, lentidão das manobras em campo e priorização de evitar baixas militares em detrimento das metas anunciadas. 

A gestão da ajuda humanitéria, segundo o próprio exército, abriu espaço para que o Hamas denunciasse Israel internacionalmente por provocar fome em Gaza, ampliando o desgaste do país no exterior. 

O documento acrescenta que a pressão exercida pela campanha militar esgotou as tropas, provocou falta de pessoal, desgaste de equipamentos e expôs a má preparação para uma guerra de guerrilha.

Oficiais que tiveram acesso ao relatório expressaram preocupação com a próxima etapa, duvidando de que as lições necessárias tenham sido aprendidas a tempo da planejada ofensiva contra a Cidade de Gaza. 

A avaliação contrasta com as declarações públicas de autoridades militares, que insistem em retratar a operação anterior como uma vitória. 

A divergência interna evidencia que, mesmo após quase dois anos de guerra, Israel não conseguiu cumprir seus próprios objetivos militares, enquanto a população palestina permanece submetida a bombardeios, fome e deslocamentos forçados.

Em resposta às revelações, as FDI negaram que o documento reflita a posição oficial do comando e alegaram que a Operação “Carruagem de Gideão” atingiu as metas previstas. Também afirmaram que a circulação do relatório foi feita “sem autorização das autoridades competentes” e que o caso está sob investigação.

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Last Update: 01/09/2025