Menina palestina come arroz distribuído por cozinha solidária em Gaza. Foto: Divulgação

Uma investigação do Eurovision News Spotlight revelou que Israel tem financiado campanhas publicitárias internacionais para desacreditar agências da ONU e contestar relatórios de órgãos reconhecidos globalmente. Com informações da DW.

Os anúncios foram veiculados no YouTube e na plataforma X e direcionados a públicos da Europa e da América do Norte. Documentos oficiais indicam que ao menos 42 milhões de euros foram investidos desde junho de 2025. O esforço faz parte da estratégia de comunicação chamada Hasbara, termo em hebraico que significa “explicar” e que é usado para designar a política de promoção da imagem de Israel no exterior.

No mesmo dia em que o IPC (Quadro Integrado de Classificação da Segurança Alimentar da ONU) divulgou um relatório apontando fome em larga escala na Faixa de Gaza, em 22 de agosto, a Agência de Publicidade do Governo de Israel lançou uma campanha negando a escassez.

Dois vídeos, publicados no canal oficial do Ministério do Exterior israelense, mostravam restaurantes abertos e mercados abastecidos em Gaza, com narração gerada por inteligência artificial afirmando: “há comida em Gaza, qualquer outra alegação é mentira”.

As imagens, que acumularam mais de 18 milhões de visualizações em inglês, alemão, polonês e italiano, foram alvo da verificação. Os checadores rastrearam os vídeos originais até contas em redes sociais de estabelecimentos locais e constataram que, embora restaurantes continuem abertos, enfrentam falta de suprimentos e preços altíssimos.

O Estkana Café, em Gaza, confirmou fechamentos frequentes e relatou que um saco de farinha chegava a custar centenas de euros, enquanto sobremesas simples ultrapassavam os 20 euros. Outro restaurante, o O2, publicou em setembro um cardápio com crepes vendidos a 12 euros, inacessíveis para a maioria da população.

Relatos de jornalistas palestinos e da cofundadora da plataforma de checagem Kashif, Riham Abu Aita, confirmam a inflação descontrolada. “Compramos um quilo de açúcar por 250 shekels [R$ 410]. Um pão com falafel custava 30 shekels [R$ 50]”, afirmou.

O governo israelense está realizando uma campanha publicitária para divulgar vídeos no YouTube que desacreditam os relatos sobre a fome em Gaza. Foto: Reprodução

Segundo Abu Aita, o acesso aos alimentos varia conforme a região, mas os preços seguem proibitivos. Já o jornalista Majdi Fathi, autor de imagens de feiras locais divulgadas pelo Jerusalem Post, admitiu que frutas e verduras estavam à venda, mas reforçou que “a maioria das pessoas em Gaza não tem condições de comprá-los”.

A checagem concluiu que os vídeos israelenses são enganosos, pois usam imagens verdadeiras para negar a fome, desconsiderando o fato de que os alimentos estão presentes, mas fora do alcance da população. O próprio IPC manteve a classificação de fase 5 da escala de insegurança alimentar em Gaza e alertou que a fome pode se espalhar para Khan Younis e Deir al-Balah até o fim de setembro.

A ofensiva publicitária incluiu ainda anúncios pagos no Google, ligados a pesquisas como “IPC famine”. O link patrocinado direcionava usuários para uma página oficial do governo israelense que questionava a metodologia da ONU e acusava o IPC de usar “dados não representativos”. A ONU rejeitou as alegações. O Google foi questionado pela DW sobre os anúncios, mas não respondeu.

Especialistas consultados destacam que o objetivo da estratégia é político. “A ideia geral é conquistar a simpatia da opinião pública ocidental na Europa e também nos Estados Unidos”, disse Tommaso Canetta, do Observatório Europeu de Mídia Digital. Ele lembrou que Israel enfrenta crescente isolamento diplomático e que o reconhecimento do Estado palestino por novos países representa “uma derrota diplomática” para o governo Netanyahu.

O jornalista israelense Oren Persico, do blog The Seventh Eye, afirmou que a propaganda tenta apresentar Israel como “vítima” diante do cenário de guerra. “O fato de haver supermercados abastecidos não significa que, a poucos quilômetros dali, pessoas não estejam sem comida em casa”, criticou. Para ele, negar a fome é “antijornalismo”.

A polêmica se soma ao impacto devastador da guerra em Gaza. Desde o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, que matou cerca de 1.200 israelenses e deixou 250 reféns, a resposta militar de Israel resultou em mais de 60 mil mortos, segundo autoridades de saúde palestinas, um terço deles menores de 18 anos.

Pressionadas por organizações internacionais, autoridades israelenses rejeitam as acusações de genocídio, mas a ONU e ONGs alertam que a fome, descrita como “provocada pela ação humana”, continua a se expandir, agravada pelo bloqueio à ajuda humanitária.

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Last Update: 14/09/2025