Forças israelenses estão usando civis palestinos como “escudos humanos”. De acordo com reportagens publicadas pelo jornal israelense Haaretz e pela emissora de TV Al-Jazeera, do Qatar, militares de Israel estão capturando jovens civis palestinos para obrigá-los a tomar a frente das patrulhas israelenses e entrar em túneis e construções colapsadas da Faixa de Gaza nas quais o Hamas tenha deixado plantadas armadilhas explosivas.
A prática – ilegal de acordo com as normas da guerra – serve tanto para poupar as vidas dos militares das patrulhas israelenses quanto para desencorajar o Hamas de seguir plantando armadilhas explosivas. Além disso, são uma forma de coagir a população civil de Gaza, que se torna alvo de capturas e detenções arbitrárias.
Até então, a expressão “escudos humanos” nunca havia sido associada a ações de Israel, cujas acusações mais comuns de crimes de guerra eram os bombardeios indiscriminados em áreas civis, a tortura de prisioneiros palestinos e as ações dirigidas contra hospitais e ambulâncias.
O uso de escudos humanos pelo Hamas também é uma violação às normas da guerra – que determinam proteção absoluta aos civis
Sob condição de anonimato, membros das IDFs (Forças de Defesa de Israel, na sigla em inglês) admitiram ao Haaretz que estão colocando jovens palestinos na vanguarda de suas unidades militares. Esses jovens são capturados de maneira aleatória, sem nenhuma acusação formal. Em seguida, são vestidos com fardas das IDFs e suas mãos são atadas com algemas. Os militares israelenses referem-se a eles como “shawish”, uma obscura palavra árabe de origem turca que significa “sargento”. Alguns desses civis palestinos usados como “escudos humanos” entram nas construções equipados com câmeras acopladas ao uniforme, para vasculhar locais potencialmente perigosos.
Os militares que admitem a prática dizem agir com a anuência de seus comandantes, mas o comando das IDFs reagiu à publicação dizendo desconhecer e desaprovar a prática. A Advocacia-Geral Militar de Israel já tem mais de cem processos em curso contra membros das IDFs por possíveis crimes cometidos na fase atual dessa guerra, iniciada em 7 de outubro de 2023. Uma dessas investigações é a que trata do abuso sexual de um preso palestino na base militar de Sde Teiman, localizada no Deserto de Negev, perto da fronteira com a Faixa de Gaza.
A prática de usar escudos humanos em ações militares é considerada uma violação às regras da guerra, que proíbem que uma força captora utilize as pessoas capturadas para realizar operações perigosas, como caminhar sobre áreas infestadas de minas ou entrar em locais onde existam armadilhas explosivas. Essas mesmas regras também proíbem que um combatente inimigo capturado seja forçado a lutar contra suas próprias forças, use uniformes de seus captores e acompanhe unidades militares nessas incursões.
O caso revelado pela imprensa também inverte o ônus de uma prática que é normalmente atribuída por Israel ao Hamas – a de usar “escudos humanos” para impedir suas forças de serem atacadas.
Grupos armados organizados como o Hamas, quando operam em ambientes urbanos de alta densidade populacional, se confundem de forma deliberada ou não com a população civil. Em um contexto em que os combatentes desses grupos armados não usam uniformes, patentes e insígnias, a distinção visual entre eles e os civis depende fundamentalmente do porte aberto e visível de armas de fogo.
Essa configuração de um conflito urbano que opõe forças regulares de um Estado constituído, como Israel, e membros de um grupo armado organizado, como o Hamas, é o que faz com que as IDFs aleguem que o lado palestino recorre a escudos humanos deliberadamente durante o conflito.
Nesse caso, o uso de escudos humanos pelo Hamas também é uma violação às normas da guerra – que determinam proteção absoluta aos civis, em quaisquer circunstâncias. Essas normas proíbem que civis sejam usados deliberadamente como escudos, assim como também determinam que as instalações de saúde, como os hospitais, sejam “afastados e desprovidos de qualquer objetivo militar”, uma obrigação que cabe ao Hamas respeitar.
Embora o debate a respeito das leis da guerra possa parecer letra morta aos olhos leigos, é justamente esse corolário de violações que alimenta os processos em curso na Corte Internacional de Justiça e no Tribunal Penal Internacional. O primeiro trata da acusação de genocídio, feita pela África do Sul contra o Estado de Israel. O segundo – que julga pessoas, não Estados – analisa pedido de ordem de prisão feito pelo procurador do TPI tanto contra Netanyahu e seu ministro da Defesa, Yoav Galant, quanto contra membros do Hamas.