Israel e a Guerra de Colonização contra os Palestinos, por Rasem Bisharat

Governo de Incitação: Israel e a Guerra de Colonização contra os Palestinos

por Rasem Bisharat

A colonização israelense na Cisjordânia já não é um fenômeno marginal, mas converteu-se em uma política de Estado declarada, conduzida a partir dos mais altos níveis do poder e executada por meio de um sistema abrangente que combina decisões governamentais, incitação pública aberta, armamento dos colonos e a imposição de fatos consumados pela força no terreno. O que ocorre hoje é um projeto de anexação de facto que se reproduz diariamente nas áreas “C” e em Jerusalém ocupada, em desafio direto ao direito internacional e às custas da segurança humana do povo palestino e do futuro de qualquer solução política baseada no fim da ocupação.

Nesse contexto, a colonização já não é uma mera expansão geográfica, mas um instrumento político e de segurança utilizado para desmantelar a sociedade palestina, sufocar cidades e vilarejos e destruir a continuidade territorial, em meio a uma escalada sem precedentes de incitação oficial que transforma a população civil palestina em alvo e elimina, na prática, o que resta do horizonte da solução de dois Estados, enquanto o silêncio internacional continua a fornecer uma cobertura indireta a essas políticas.

Decisões do Gabinete: legalizar o saque da terra

Segundo revelou o canal hebraico i24, o gabinete israelense aprovou, em sua última reunião, a criação de 19 novos assentamentos na Cisjordânia, em um passo que reflete um impulso sem precedentes para impor fatos permanentes no terreno.

Entre esses assentamentos destaca-se “Shdam”, próximo a Belém, em terras que estiveram prestes a ser entregues aos palestinos em 2016, antes de serem hoje reincorporadas ao projeto colonial, em um exemplo flagrante de como se revertem quaisquer compromissos políticos prévios.

Dados recentes revelam ainda que o projeto colonial israelense entrou em uma fase mais agressiva e organizada, com o anúncio da intenção do governo israelense de estabelecer 17 novos assentamentos na Cisjordânia, paralelamente à destinação de cerca de 3 bilhões de shekels para apoiar e expandir a colonização. Esse enorme financiamento não se insere no âmbito do “desenvolvimento”, como afirma Israel, mas destina-se a consolidar realidades coloniais permanentes por meio da abertura de estradas, da construção de infraestruturas e da expansão de postos coloniais para convertê-los em assentamentos oficiais, em clara violação do direito internacional. Essa decisão reflete uma política estatal sistemática destinada a acelerar o controle da terra, sufocar as comunidades palestinas e minar qualquer possibilidade de estabelecer um Estado palestino territorialmente contíguo, utilizando fundos públicos israelenses como um instrumento direto para impor uma anexação progressiva pela força.

Netanyahu: demolição de Oslo e incitação desde o topo

Na mesma sessão do gabinete, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu não se limitou a aprovar a expansão colonial, mas proferiu um discurso de incitação que estabelece as bases ideológicas da exclusão, ao afirmar:

“Em Oslo introduzimos um inimigo dentro de casa, e cada vez que houve um governo que quis continuar o caminho de Oslo, o povo o derrubou.”

Com essa declaração, Netanyahu anuncia de facto o enterro dos Acordos de Oslo e redefine os palestinos como um “inimigo”, em um discurso que justifica a violência, fecha a porta a qualquer processo político e concede cobertura à continuidade do controle pela força.

O mais perigoso é que Netanyahu se dirigiu diretamente aos ministros extremistas de seu governo, Bezalel Smotrich e Orit Strook, dizendo:

“É necessário criar mais pontos de assentamento, continuem o seu trabalho.”

Trata-se de um convite oficial aberto para intensificar os postos coloniais, inclusive os ilegais, e para transformar os colonos em um instrumento de execução da política estatal.

Smotrich: o controle da terra e da água como “conquista”

Do Vale do Jordão, Smotrich proferiu um discurso não menos perigoso, dirigido aos colonos:

“Retornamos aos poços de água e controlamos todas essas áreas… vocês são heróis, continuem.”

Essa declaração revela claramente sua natureza colonial: o controle dos recursos vitais, especialmente a água, a expropriação dos palestinos desses recursos e a transformação da colonização em um ato “heroico”, com total desprezo pelos direitos da população originária.

Ben Gvir: armamento dos colonos e incitação generalizada

Em paralelo, o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, desempenha um papel central na militarização da colonização. Por meio de suas políticas, ampliou-se o armamento dos colonos e foi-lhes concedida cobertura política e de segurança, o que contribuiu para o aumento de seus ataques contra as aldeias palestinas.

A incitação de Ben Gvir não se limita aos palestinos em geral, mas estende-se também à liderança palestina, inclusive ao presidente palestino, em um discurso que alimenta o ódio, promove a violência política e transforma os colonos em uma força quase militar que atua sob a proteção do Estado.

Jerusalém: 9.000 unidades coloniais para sufocar os bairros palestinos

Dentro do plano geral, Israel avança em um novo projeto para construir 9.000 unidades coloniais na área do aeroporto de Jerusalém, ao norte da cidade, no coração da região situada entre os bairros palestinos.

Esse projeto não visa apenas à expansão urbana, mas busca:

  • Separar o norte da Cisjordânia de Jerusalém;
  • Cercar os bairros palestinos;
  • Alterar a composição demográfica da cidade;
  • Impedir qualquer possibilidade de que Jerusalém Oriental seja a capital de um futuro Estado palestino.

A Organização Al-Baidar para a Defesa dos Direitos dos Beduínos e das Aldeias Ameaçadas advertiu que o novo plano colonial israelense proposto nas terras do Aeroporto Internacional de Jerusalém (Qalandia), ao norte de Jerusalém ocupada, que pretende construir cerca de 9.000 unidades coloniais, constitui uma perigosa escalada na política de colonização destinada a isolar Jerusalém de seu entorno palestino. A organização explicou que o projeto busca destruir a continuidade geográfica e demográfica entre Jerusalém e Ramala, minar qualquer horizonte político baseado na solução de dois Estados e impedir o desenvolvimento de Jerusalém Oriental como centro urbano, histórico e religioso palestino, mediante a imposição de novas realidades coloniais dentro de um espaço urbano palestino densamente povoado que inclui Kafr Aqab, Qalandia, Al-Ram, Jaba’, Beit Hanina e Bir Nabala.

Acrescentou que a denominada Comissão Distrital de Planejamento e Construção prevê examinar o plano nº (101-0764936) em uma sessão programada para 17 de dezembro de 2025, com indícios de aceleração de sua execução mediante a alocação de orçamentos sob o pretexto de “reabilitação de terras”, apesar de ter sido anteriormente congelado. Indicou que parte das terras afetadas é de propriedade privada palestina e que se planeja submetê-las a procedimentos coercitivos sem o consentimento de seus proprietários, em flagrante violação do direito de propriedade e do direito internacional, advertindo que a implementação do projeto criará um enclave colonial que aprofundará a fragmentação de Jerusalém, e afirmando que continuará a documentá-lo e denunciá-lo perante as instituições internacionais de direitos humanos.

Consequências no terreno: os palestinos sob cerco

No terreno, essas políticas se traduzem em uma realidade sangrenta:

  • Confisco de amplas extensões de terra nas áreas “C”;
  • Proibição da construção palestina e demolição de casas;
  • Controle das fontes de água e das pastagens;
  • Aumento da violência dos colonos sob proteção do exército;
  • Deslocamento gradual das comunidades beduínas e rurais.

O palestino nas áreas “C” já não enfrenta apenas decisões administrativas, mas um projeto sistemático de expulsão no qual participam o governo, o exército e os colonos armados, em flagrante violação do direito internacional.

Especialistas em direito internacional confirmam que todas essas práticas constituem uma violação direta da Quarta Convenção de Genebra, que proíbe à potência ocupante transferir sua população civil para os territórios ocupados, e que a incitação pública, o armamento dos colonos e o controle dos recursos podem constituir crimes de guerra segundo o direito internacional humanitário.

Conclusão: incitação oficial e silêncio internacional

O que ocorre na Cisjordânia e em Jerusalém já não pode ser apresentado como uma política de segurança nem como uma disputa política contornável, mas converteu-se em um projeto colonial de anexação declarado, liderado por um Estado com todas as suas instituições. O governo de Netanyahu fornece a cobertura política, Smotrich desenha os mapas e confisca a terra, e Ben Gvir arma os colonos e lhes garante impunidade, enquanto se reproduz um discurso oficial de ódio que legitima a violência e transforma o palestino em um “alvo”, e não em um ser humano com direitos. No terreno, essa política se traduz em uma expansão colonial frenética, uma desintegração sistemática da geografia palestina e uma escalada diária cujo preço é pago pelos civis palestinos em sua segurança, em sua existência e em seu futuro.

Nesse cenário, não apenas a solução de dois Estados é gradualmente enterrada, como é deliberadamente executada com cimento, armas e incitação, enquanto a comunidade internacional continua a limitar-se a uma linguagem de preocupação e condenação formal. A pergunta já não é se Israel está minando a solução de dois Estados — as provas são agora públicas e documentadas —, mas quais são os limites do silêncio internacional e até quando a impunidade continuará sendo a norma que permite impor realidades irreversíveis e empurrar toda a região para uma explosão aberta.

Por fim, diante dessa realidade, a pergunta já não é: Israel mina a solução de dois Estados?, mas: até quando a impunidade continuará sendo a regra?

Dr. Rasem Bisharat – Doutor em Estudos da Ásia Ocidental e Comissário de Relações Exteriores da Organização Al-Baidar para a Defesa dos Direitos dos Beduínos e das Aldeias Ameaçadas – Palestina

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