O Parlamento de Israel (Knesset) aprovou na quarta-feira (23) uma moção simbólica defendendo a aplicação da soberania israelense sobre a Cisjordânia, território palestino ocupado desde 1967.
Embora não tenha efeito legal imediato, a proposta representa um avanço significativo na articulação política da extrema direita israelense para formalizar a anexação.
A medida foi aprovada por 71 votos a favor e 13 contra, com apoio da coalizão governista e do partido Yisrael Beitenu. A moção estabelece que a soberania plena sobre a Cisjordânia é “parte inseparável da realização do sionismo e do projeto nacional do povo judeu”.
O texto também afirma que o “massacre de 7 de outubro” provaria que a criação de um Estado palestino representa uma “ameaça existencial” a Israel. A proposta foi patrocinada por parlamentares dos partidos Sionismo Religioso, Likud, Otzma Yehudit e Yisrael Beitenu, todos da base de Benjamin Netanyahu.
A Autoridade Palestina repudiou a aprovação da moção, classificando o ato como um avanço na institucionalização de um regime colonial e de apartheid.
Para o governo palestino, trata-se de uma afronta às resoluções da ONU e um agravamento das violações do direito internacional. Em comunicado oficial, o governo em Ramallah alertou que a iniciativa israelense fere os princípios básicos da autodeterminação e da soberania palestina.
A organização israelense Peace Now, crítica das políticas expansionistas do governo, afirmou que “as declarações vazias e prejudiciais sobre anexação são um atentado diplomático ao Estado de Israel, que evidenciam o abismo entre o governo e o povo”.
Diversos países árabes e instituições como a Liga Árabe e a Organização para a Cooperação Islâmica também se manifestaram contra a decisão, cobrando posicionamento da comunidade internacional.
Sem efeito prático imediato, mas com forte peso político e ideológico
Apesar de ser uma proposta apenas declaratória, a votação é interpretada como uma preparação institucional para futuras iniciativas legislativas de anexação formal da Cisjordânia.
O texto foi apresentado no fim da sessão de verão da Knesset, que entra em recesso até 20 de outubro. Ao menos quatro parlamentares da coalizão apresentaram a proposta, entre eles Simcha Rothman, Dan Illouz e Limor Son Har-Melech, todos ligados a partidos da extrema direita israelense.
Parlamentares dos partidos centristas Yesh Atid e Azul e Branco se retiraram do plenário no momento da votação. Já a ministra dos Transportes, Miri Regev, celebrou a medida nas redes sociais, afirmando que “não haverá mais soluções temporárias nem hesitação — esta é a nossa terra”.
A movimentação foi impulsionada também por uma confusão gerada por um repórter do Canal 14, a Jovem Pan israelense, que acusou o presidente da Knesset de bloquear um projeto de lei de anexação. Em resposta, Amir Ohana publicou que “não há lei em debate, apenas uma proposta de pauta”.
Bloqueio legislativo, crise com partidos ultraortodoxos e paralisação da Knesset
A aprovação da moção aconteceu em meio à crise política interna da coalizão de Netanyahu, que enfrenta o boicote dos partidos ultraortodoxos após o impasse sobre a lei que os isenta do alistamento militar obrigatório.
O bloqueio paralisou as votações de diversos projetos de lei, inclusive os que seriam levados ao chamado “limpa-pauta” antes do recesso. Apenas propostas ligadas à segurança nacional foram votadas.
Entre os projetos adiados estavam leis que ampliam a inelegibilidade nas eleições municipais, proíbem a contratação de professores com diplomas palestinos e obrigam o uso do termo “Judeia e Samaria” (Cisjordânia) na legislação israelense.
Também foi postergada a chamada “Lei Al Jazeera”, que permitiria o fechamento de veículos de mídia estrangeiros e é considerada parte da reforma autoritária em curso no país.
Conexões com a linha editorial: expansionismo colonial, ilegalidade e erosão democrática
A aprovação da moção sintoniza-se com a agenda de colonização e expansão territorial do governo Netanyahu, que já havia autorizado a criação de 22 novos assentamentos na Cisjordânia.
A Corte Internacional de Justiça, em parecer de julho de 2024, declarou ilegal a ocupação israelense da Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Gaza, recomendando a evacuação de colonatos e o fim imediato da ocupação.
Ao mesmo tempo, cresce dentro de Israel o alerta sobre o isolamento diplomático e o custo político da radicalização da coalizão no poder.
O uso de propostas simbólicas como esta — sem valor jurídico imediato, mas com alto impacto ideológico — revela a estratégia de consolidar o domínio sobre a Palestina sem negociações, por meio da legalização do fato consumado. A ofensiva em Gaza, os ataques à educação e as reformas judiciais fazem parte de um mesmo projeto de erosão democrática, denunciado inclusive por setores da oposição israelense.